"Mesmo que alguém afirmasse de algo:
'Olha, isto é novo!' Eis que já sucedeu
em outros tempos antes de nós."
(Eclesiastes, Prólogo)
A lei 12.850/13, que trata de organização criminosa, regulou a colaboração premiada no direito processual penal brasileiro, para prever o não oferecimento de denúncia, o perdão judicial, a redução da pena privativa de liberdade ou a sua substituição por pena restritiva de direitos, àquele que tenha colaborado voluntariamente com a investigação criminal e com o processo penal, desde que a colaboração resulte, entre outras coisas, na identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas.
Seria uma novidade nestas plagas?
Como surge o delator? Dissera Anás a seu genro Caifás, o sumo sacerdote: é no meio dos íntimos que se encontra facilmente o traidor. Judas de Cariot, um dos discípulos de Jesus, por trinta dinheiros, entregou-o ao Sinédrio, que o condenaria à morte, executada por soldados romanos, embora nele Poncio Pilatos não vislumbrasse culpa, lavando as mãos, o que o tornou símbolo máximo da omissão diante da injustiça.
Na capitania de Minas Gerais, aconteceu o movimento político da Inconfidência Mineira, de caráter romântico, que procurava imitar a Revolução Americana, para tornar o Brasil independente de Portugal. Nunca passou de mera conspiração da elite local, inconformada com a "derrama do ouro", que jamais conseguiu organizar-se para chegar ao desiderato. Nem financiamento, nem tropas, nem apoio nas demais províncias ou no estrangeiro foram assegurados para que sequer se iniciasse a revolta.
A cúpula do movimento era formada pelo desembargador Tomás Antônio Gonzaga, pelo advogado Cláudio Manoel da Costa, pelos coronéis Inácio José de Alvarenga Peixoto e Francisco de Oliveira Lopes, e pelos padres Carlos Correia de Toledo e Melo e José da Silva e Oliveira Rolim. O alferes (segundo tenente) Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, era figura menor, que serviria de bode expiatório aos maiorais.
O coronel Joaquim Silvério dos Reis nascera em 1756 em Leiria, Portugal. Viera moço ao Brasil, onde acumulou fortuna com o comércio de sal e de ouro.
Tendo aderido à conspiração, o caminho para a redenção do crime de lesa-majestade estava nas Ordenações Filipinas, livro V, título IV, parágrafo 12: delatar os cúmplices.
Essa foi a via escolhida por Silvério dos Reis para delatar os companheiros de conspiração contra a coroa ao governador da capitania, o visconde de Barbacena.
Com exceção de Cláudio Manoel da Costa, que se suicidara, os inconfidentes foram presos e confinados na fortaleza da Ilha das Cobras, na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro.
Pouco antes de completar nove meses de prisão, Silvério dos Reis foi liberado, enquanto os demais permaneceram trancafiados. Negociara os termos da delação, não chegando a ser processado. Obteve a sustação da execução na praça de suas dívidas, a liberação de suas fazendas, a preferência de seus créditos na execução contra terceiros e o ressarcimento dos prejuízos experimentados no período em que esteve preso (Lucas Figueiredo, O Tiradentes, p. 333, Companhia das Letras, São Paulo, 2018).
Ao final do processo, os demais presos foram levados da Ilha das Cobras à cadeia da relação do Rio de Janeiro, para ouvir a sentença, tendo sido condenados à morte na forca, com o confisco de seus bens.
A rainha D. Maria I veio a comutar a pena de morte por degredo por toda a vida, com exceção de Tiradentes, reputado "cabeça" da conspiração.
Da cadeia velha partiu a procissão judiciária, que passou pelo centro do Rio até o Largo da Lampadosa, onde se deu a execução, com o enforcamento de Tiradentes, seguido do esquartejamento do corpo, abandonados os restos mortais em várias freguesias de Minas Gerais, até que a terra os consumisse.
Silvério dos Reis retornou a Portugal, onde recebeu o título de membro da ordem de Cristo e uma pensão vitalícia. Voltou mais uma vez ao Brasil, onde se estabeleceu em São Luís do Maranhão, tendo sido sepultado na igreja de S. João Batista. De lá os seus restos mortais vieram a ser removidos, para se perderem para sempre (Figueiredo, op. cit., p. 377/378).
Para finalizar com o Eclesiastes:
"O que foi, será,
o que se fez se tornará a fazer:
nada há de novo debaixo do sol!"
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*Paulo Eduardo Razuk é desembargador aposentado do TJ/SP e doutor em Direito pela Universidade de São Paulo.