O Código de Processo Civil de 2015 foi promulgado com o objetivo de tentar conferir maior agilidade à prestação jurisdicional. Nesse sentido, atento ao princípio da cooperação entre sujeitos do processo (art. 6º), instituiu no artigo 190 o negócio jurídico processual (NJP) e no artigo 191 a possibilidade de as partes fixarem calendário especial para a prática de atos processuais.
O NJP, tratado no art. 190, foi definido pelo CPC como a possibilidade de “estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais”.
No âmbito tributário, já no ano de 2016, a Procuradoria da Fazenda Nacional começou a tratar do NJP de forma institucional, contudo, sem grande profundidade, conforme se pode verificar das portarias PGFN 502/161 e 985/162.
Apesar do intuito de otimização e de racionalização da atuação da PGFN, vê-se que a portaria 985/16 foi expressa ao vedar a celebração de NJP que implique prática de ato não autorizado ou vedado em lei, que disponha sobre direito material ou importe em transação, conciliação ou outro meio de autocomposição em matéria tributária.
No ano passado (2018), o NJP voltou a ser tratado pela PGFN no âmbito da portaria 33/18, norma esta que instituiu o procedimento da averbação pré-executória e reformulou o pedido revisão de dívida ativa. O art. 38 da aludida portaria previu que o Procurador da Fazenda Nacional poderá celebrar NJP visando a recuperação dos débitos em tempo razoável ou obtenção de garantias em dinheiro, isoladamente ou em conjunto com bens idôneos a serem substituídos em prazo determinado, inclusive mediante penhora de faturamento.
No entanto, apenas em junho de 2018, com a publicação da portaria PGFN 360/18, posteriormente atualizada pela portaria PGFN 515/18, é que se estabeleceu, no entendimento da PGFN, os negócios jurídicos processuais que seriam permitidos no seu âmbito, inclusive mediante a fixação de calendário para a prática de atos processuais, como: (i) o cumprimento de decisões judiciais; (ii) a confecção ou conferência de cálculos; (iii) os recursos, inclusive a sua desistência; (iv) a forma de inclusão do crédito fiscal e FGTS em quadro geral de credores, (v) prazos processuais, e (vi) ordem de realização de atos processuais, inclusive em relação à produção de provas.
Por fim, sobreveio mais recentemente a portaria PGFN 742, de 21 de dezembro de 2018, que estabeleceu critérios para celebração do NJP para fins de equacionamento de débitos inscritos em dívida ativa da União, tendo fixado que os negócios processuais poderão versar sobre: (i) calendarização da execução fiscal; (ii) plano de amortização do débito fiscal; (iii) aceitação, avaliação, substituição e liberação de garantias; e (iv) modo de constrição ou alienação de bens.
Apesar de o intuito de cooperação entre as partes, o que se percebe dessa última portaria é que, principalmente no caso de amortização de débito fiscal, estão sendo criados novos mecanismos de controle e garantia para o recebimento de tributos já inscritos em dívida ativa, não se localizando na norma qualquer oportunidade de composição ou negociação com a Fazenda (parece que está a se tratar de fato de um contrato de adesão, em que o sujeito passivo terá de concordar com todas as condições a serem estabelecidas pela PGFN).
Nesse sentido, há que se destacar: (i) o art. 2º da portaria que condiciona a celebração do NJP à demonstração do interesse da Fazenda Nacional, (ii) o art. 3º que prevê a confissão irrevogável e irretratável do contribuinte em relação aos débitos objeto do NJP e a necessidade de oferecimento de depósito em dinheiro ou garantias idôneas, inclusive fidejussórias dos administradores da pessoa jurídica, além de prever que eventual plano de amortização de débito fiscal não suspende a exigibilidade dos respectivos débitos, e ainda (iii) o art. 4º que prevê a comunicação à Fazenda Nacional da alienação dos bens ou direitos durante o plano de amortização.
Vê-se, assim, que a pessoa jurídica que tem interesse na quitação de uma dívida fiscal por meio de um NJP deve estar preparada para repassar à PGFN informações que ao nosso ver seriam desnecessárias ou, até mesmo, ilegais, como, por exemplo, a “relação de bens particulares dos controladores, administradores, gestores e representantes legais”. Até porque o débito de uma pessoa jurídica não deve atingir terceiros, exceto se comprovada uma das hipóteses previstas nos artigos 134 e 135 do Código Tributário Nacional, o que, a princípio, não é o caso.
Em suma, pode-se dizer que a portaria PGFN 742/18 foi editada com a ideia de colocar em prática o NJP no âmbito tributário, o que na teoria deveria favorecer tanto a Fazenda como os contribuintes. Contudo, o que se vê é que de certa forma as normas preparadas pela PGFN atendem especialmente o seu interesse arrecadatório, com regras protetivas à Fazenda Nacional, inclusive algumas de legalidade duvidosa, razão pela qual suas condições deverão ser analisadas com cautela pelas pessoas jurídicas antes da celebração do negócio jurídico.
Apesar desses pontos não tão favoráveis, é importante louvar a iniciativa da PGFN de disponibilizar e autorizar expressamente a prática do NJP no seu âmbito, o que demonstra um grande avanço deste órgão no que se refere a uma maior aproximação com os contribuintes e ao atingimento do interesse público na resolução mais célere das demandas de natureza tributária.
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1 Art. 12. Fica recomendada a realização de mutirões, inclusive mediante a celebração negócios jurídicos processuais quanto à intimação por lote de temas, nos termos dos arts. 190 e 191 do Código de Processo Civil, objetivando a racionalização da atuação em demandas de massa para análise do enquadramento de processos ou recursos nas hipóteses previstas nesta Portaria.
2 Art. 9º. Fica autorizada a realização de negócios jurídicos processuais entre as unidades da PGFN e os Juizados Especiais Federais, objetivando a racionalização da atuação em demandas de massa, que versem exclusivamente sobre matéria de direito, prevendo-se a citação por Portaria do Juízo.
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Art. 10. Sem prejuízo da autorização do artigo antecedente, é permitida a realização de outras modalidades de negócios jurídicos processuais além da prevista no art. 9º desta Portaria, objetivando a otimização e a racionalização da atuação, mediante ato dos Procuradores-Regionais da Fazenda Nacional disciplinando a matéria no âmbito da respectiva região, de acordo com as peculiaridades locais.
Parágrafo único. É vedada a celebração de negócio jurídico processual que implique prática de ato não autorizado ou vedado em lei, que disponha sobre direito material ou importe em transação, conciliação ou outro meio de autocomposição em matéria tributária.
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*Marcelo Annunziata é sócio da área tributária do Demarest Advogados.
*Marco Favini é advogado da área tributária do Demarest Advogados.