A cada dia aumenta a confirmação do número de pessoas que perderam suas vidas, tendo sido tristemente ultrapassado a casa dos dois dígitos. Isso tudo nos faz ter a convicção de que já passou do tempo de se proporcionar, através de novas tecnologias existentes, o fechamento, a desativação, o término ou o “descomissionamento” deste tipo de barragem erigida sob o modelo de alteamento a montante, o qual reaproveita o próprio material descartado para o seu “barranqueamento”, tornando-a, segundo os especialistas, altamente vulnerável.
Esse trágico evento mostrou novamente não só o despreparo da empresa responsável, mas também do Poder Público em agir rapidamente em momentos de crise, de ocorrência de grandes eventos danosos, especialmente nos desastres relacionados ao meio ambiente.
Tão logo se espalhavam as tristes e chocantes notícias Brasil a fora, desencontradas eram as primeiras informações quanto ao tamanho do evento e a quantidade de vidas envolvidas. Não se sabia nem mesmo ao certo a quantidade de funcionários da empresa causadora do dano ou de suas terceirizadas que estavam trabalhando no empreendimento ou próximos a ele no momento do ocorrido.
A sirene de alerta não soou. Segundo informações prestadas posteriormente pela própria empresa envolvida isso de seu por conta da velocidade da lama que atingiu o sistema de alarmes de segurança.
E o que dizer da localização de um refeitório para centenas de pessoas construído ao pé da barragem? A inexistência de uma área específica e adequadamente equipada e pronta para ser usada por equipes no caso de ocorrência de acidentes, forçando os envolvidos a se reunirem provisoriamente em uma espécie de salão destinado à confraternização dos colaboradores e posteriormente transferidos para uma instituição de ensino local. Tudo isso a demonstrar a inexistência ou ineficiência de protocolos de segurança e sistemas de gerenciamento de riscos.
Outrossim, no dia seguinte, quando soou a sirene quanto a um possível novo rompimento de barragem, as imagens transmitidas ao vivo do centro da cidade de Brumadinho mostraram que os munícipios não possuíam qualquer treinamento de evacuação. Pessoas e carros se deslocavam sem sentido algum de um lado para o outro no calor do desespero.
É bem verdade que o município não é o responsável pelo licenciamento ambiental da atividade em comento. No entanto, também é verdade que é dever do Poder Público Municipal elaborar procedimentos de segurança, protocolos de gerenciamento de riscos e de crises, planos de contingência e de emergência1 para a população local, o que parece não ter sido executado, de modo a sugerir sua parcela de omissão relacionada ao desastre ocorrido.
Também, é verdadeira a necessidade de a legislação específica para esse tipo de atividade ser revisitada pelas autoridades competentes com o principal objetivo de melhorias nos procedimentos de fiscalização, exigência de condicionantes mais rígidas e efetivas, incremento e melhorias materiais e humanas dos órgãos ambientais competentes, bem como inúmeras melhorias nos procedimentos de segurança e gerenciamento de riscos para que sejam mitigados os eventuais danos ambientais, bem como para que vidas sejam preservadas.
Contudo, é preciso dizer que a legislação ambiental nacional, além de paradigmática ao mundo, é suficiente para responsabilizar todos os envolvidos com esse trágico evento que ceifou a vida de centenas de pessoas e causou danos ambientais irreparáveis.
Isto porque, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (lei 6.938/81), conjugada com o artigo 225 da Constituição Federal de 1998 e a Lei do Crimes Ambientais (lei 9.605/98) construíram um sistema tríplice de responsabilização ambiental, o que equivale dizer que os envolvidos com as infrações ao meio ambiente responderão nas esferas civil, administrativa e penal de forma independente, sem que isso se configure bis in idem, além de possibilitar a responsabilização de pessoas físicas e jurídicas, quer seja de direito público ou de direito privado, as quais deverão responder.
Por seu turno a doutrina e a jurisprudência há muito ensina que a responsabilidade ambiental na seara civil é objetiva2 e é informada pela Teoria do Risco Integral, não importando a eventual inexistência de culpa ou de dolo para se punir os envolvidos, nem tampouco admite excludentes de ilicitude a exemplo de caso fortuito ou de força maior.3
Entretanto, embora a legislação seja suficiente para a responsabilização dos envolvidos, diante da notícia quanto à existência de aproximadamente 24.000 (vinte e quatro mil) barragens cadastradas e espalhadas pelo Brasil relacionadas a todo tipo de atividade econômica, tais como mineração, irrigação, produção de eletricidade, dentre outras, o Poder Público tem o dever de rediscutir a legislação ambiental pertinente, melhorando os critérios de procedimentos de segurança e de gerenciamento de riscos, bem como fortalecendo os mecanismos e órgãos de controle das atividades de grande impacto como o da mineração.
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1 CARVALHO, Délton Winter de. Gestão jurídica ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.
2 Cf. § 1º do art. 14 da lei 6.938/81.
3 REsp 1.374.284-MG, STJ, Ministro Luis Felipe Salomão, j. 27/8/14.
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*Rodrigo Jorge Moraes é advogado especialista em direito ambiental. Mestre e doutor em direito ambiental pela PUC-SP. Professor de direito ambiental do IDP-SP e da PUC-SP. Coordenador do curso de especialização em Direito Ambiental do IDP-SP. Autor de livros e artigos relacionados com a área do meio ambiente. Diretor administrativo-financeiro do MDA - Movimento de Defesa da Advocacia.