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Livre comércio internacional versus segurança nacional (segurança cibernética) em redes de telecomunicações e internet

Análise do projeto de lei do Congresso dos Estados Unidos que proíbe a venda para o governo norte-americano de equipamentos de telecomunicações e internet das empresas chinesas Huawei e ZTE.

30/1/2019

O presente texto apresenta a análise do tema do conflito entre o livre comércio internacional e a questão da segurança nacional (segurança cibernética) das redes de telecomunicações e internet, em análise de projeto de lei do Congresso norte-americano que proíbe a venda de equipamentos de telecomunicações por empresas chinesas ao governo dos Estados Unidos.

O tema encontra-se no contexto da guerra comercial entre os Estados Unidos e China tem impacto sobre os setores de tecnologia, internet e telecomunicações. Por um lado, o governo norte-americano acusa as empresas chinesas de não oferecerem padrões de segurança em seus equipamentos de telecomunicações e internet (chips, roteadores, etc) havendo sérios riscos à segurança cibernética das redes de telecomunicações, pois permitiria espionagem por governo estrangeiro, no caso a China. Por outro lado, as empresas chinesas negam esta acusação. Países aliados dos Estados Unidos estão cancelando contratos com a empresa Huawei e revendo os padrões de segurança em matéria de equipamentos de redes de internet e telecomunicações, como é o caso do Reino Unidos, Japão, Austrália, Canadá, entre outros. Em destaque, como pano de fundo, o futuro das redes de telecomunicações e internet, mediante a tecnologia 5G. No mercado norte-americano está em andamento a fusão empresarial entre as principais operadoras de telecomunicações T-Mobile e Sprint. A T-Mobile é controlada pela alemã Deutsche Telekom e a Sprint é subsdiária da japonesa SoftBank. A fusão depende de aprovação da Federal Communication Comission e do Departamento de Justiça. Os Estados Unidos percebe a China como grande ameaça de domínio da tecnologia 5G. No Brasil, as empresas brasileiras compram tecnologia das empresas Huawei e ZTE. Daí a relevância da análise do tema. Sobre este tema, já escrevi o artigo Guerra comercial entre EUA e China afeta mercados de tecnologia, internet e telecomunicações no Brasil, acessar clique aqui. E, na agenda regulatória da Anatel para 2019-2010 está o tema dos padrões de segurança das redes de telecomunicações a serem seguidos pelas empresas de telecomunicações.

A partir deste contexto, é que se analisa o projeto de lei do Congresso dos Estados Unidos denominado Defending U.S. Government Communication Act de 2018 que proíbe o governo norte-americano de utilizar ou contratar determinados equipamentos (chips, roteadores, etc) e serviços de telecomunicações. Segundo o texto oficial: “This bill prohibits federal agencies from procuring or obtaining, renewing or extending a contract to obtain ou procure, our entering into a contract whith an entity that uses any equipment, system, or service whith telecommunications equipment or services as a substancial or essential component of any system that is from Huawei Technologies Company, ZTE Corporation, or an entity reasonably believed to be owned or controlled by China”.

O projeto de lei está em análise do Committe on Homeland Security and Governmental Affairs. Na justificativa do projeto de lei, há menção aos relatórios das autoridades de defesa norte-americana que informam os riscos à segurança nacional dos produtos comercializados pela China, com o destaque às tecnologias adotadas no setor de telecomunicações. Assim, o aumento do investimento estrangeiro chinês nos Estados Unidos causa preocupações quanto aos componentes de infraestrutura na indústria de telecomunicações. Conforme informações oficiais, as companhias chinesas estão sistematicamente adquirindo holdings significativas no setor de telecomunicações e tecnologia da informação. Alega-se que estas companhias estão sob a influência do estado Chinês, controlado pelo partido comunista. O projeto de lei proíbe o governo norte-americano de comprar equipamentos de telecomunicações produzidos pelas empresas chinesas Huawei e ZTE Corporation. Em relação à Huawei, aponta-se vulnerabilidades nos equipamentos de rede de telecomunicações, não havendo padrões de segurança adequados, conforme declaração do exército norte-americano. Os equipamentos de redes de telecomunicações teriam vulnerabilidades (backdoors – porta dos fundos) que poderiam ser utilizadas para espionagem cibernética.

Também, afirma-se que a empresa viola o Internacional Emergency Economic Powers Act por ilegalmente vender equipamentos ao Irã. A empresa ZTE é acusada de ter vendido tecnologia ilegalmente ao Irã. Assim, os Estados Unidos está pressionado os países, seus aliados comerciais, para boicotar os produtos das empresas chinesas. Como consequência, diversos países (Japão, Reino Unido, Israel, Canadá, Austrália, entre outros) estão adotando medidas contras as empresas chinesas. Como uma das possíveis beneficiadas pelas ações do governo norte-americano é a empresa T-Mobile, a qual inclusive enfrenta ação judicial da Huawei, na disputa sobre patentes tecnológicas. No Nacional Security Strategy do governo Trump, a segurança econômica dos Estados Unidos está associada à questão da segurança nacional, daí o controle mais restrito sobre investimentos estrangeiros que impactam a economia norte-americana.

O tema apresenta diversas questões para análise política, comércio internacional e direito interno de cada país, na perspectiva da verificação da possibilidade e os limites à proibição de compra pelo governo norte-americano de equipamentos de redes de telecomunicações, sob o fundamento de risco à segurança nacional, a definição de requisitos mínimos de padrões de segurança dos equipamentos, a justa compensação à empresa de tecnologia na hipótese de proibição comercialização de equipamentos para o governo e suas agências federais.

Proibição legal de comercialização de equipamentos de redes de telecomunicações ao governo norte-americano, sob o fundamento de risco à segurança nacional: possibilidade e limites

Primeira questão, a possibilidade de proibição pelos Estados Unidos de venda de equipamentos de redes de telecomunicações ao governo americano por empresa estrangeira. O governo norte-americano alega que há relação entre a companhia chinesa e o governo chinês. A empresa Huawei nega este vínculo com o governo chinês. Nesta hipótese, é importante saber se o fundamento da segurança nacional é fator legítimo para operar proibição legislativa à atividade econômica de empresa privada. O núcleo do debate é saber sobre a ligação entre a empresa Huawei e o governo chinês.

A princípio, qualquer país, com fundamento em sua soberania, mediante lei, pode definir condições para proteger a segurança nacional. É possível o controle governamental de investimentos estrangeiros, sob a perspectiva da proteção da defesa nacional, nos termos da legislação. Não é possível que o presidente unilateralmente adote este tipo de sanção de proibição da comercialização com o governo contra empresa estrangeira sem o devido respaldo em lei. A lei deve fixar ao menos as condições para a autorização da decisão presidencial.

As infraestruturas de redes de telecomunicações e de internet representam infraestrutura crítica, devido os riscos permanentes de ataques cibernéticos. As redes de telecomunicações são o suporte para diversas indústrias e serviços, na área financeira, energia elétrica, telefonia, internet, transportes, entre outras. Contudo, é necessário o devido processo legal, a partir de fatos, evidências, provas e fundamentos legais, para impor a grave sanção de proibição com governo norte-americano a determinada companhia estrangeira. Se a medida for desproporcional e descabida, a companhia estrangeira pode impugnar a decisão legislativa e judicializar a questão da proibição legal.

Definição legal de requisitos mínimos de padrões de segurança dos equipamentos de telecomunicações.

Segunda questão, cada país pode impor, em sua legislação e por sua agência reguladora setorial, requisitos mínimos para a segurança de equipamentos de rede de telecomunicações. Mas, a fixação dos padrões de segurança não pode ser direcionada ao ponto de excluir apenas específicas companhias privadas, sob pena de se comprometer a competividade global e o livre comércio entre os países.

A medida mais razoável é a definição dos padrões de segurança dos equipamentos de redes de telecomunicações, para se evitar abusos governamentais contra as empresas privadas.

No Brasil, na agenda regulatória da Anatel de 2019-2020, está o tema dos padrões de segurança em equipamentos de redes de telecomunicações, a serem seguidos pelas empresas prestadoras de serviços de telecomunicações. Em consulta pública sobre o tema, a minuta do regulamento trata da obrigação das empresas de telecomunicações apresentarem a política de segurança cibernética, as medidas para assegurar a inviolabilidade do sigilo das comunicações, medidas de proteção à segurança das redes, entre outras.

Na perspectiva da soberania do Brasil, é fundamental a definição dos padrões de segurança nas redes de telecomunicações e internet, para garantir a segurança cibernética para os usuários dos serviços e telecomunicações e internet. Assim, é essencial medidas preventivas para evitar os riscos de espionagem às redes de comunicações que transportam as comunicações de milhões de brasileiros e de empresas brasileiras. O problema é que o Brasil não tem o domínio sobre estas tecnologias de comunicação. Daí sua dependência em comprar equipamentos de outros países. Assim, a importância para o estado brasileiro em definir em sua política pública cibernética, a sua independência tecnológica em relação aos outros países, seja Estados Unidos, seja China, ou terceiros países aliados ou não dois líderes mundiais. Pelas redes de telecomunicações e internet são transportados milhões de dados essenciais sobre a economia nacional e sobre os governos federais, estaduais e municipais. Também, milhões de dados das comunicações privadas de brasileiros são transportados por estas redes de internet e telecomunicações. Portanto, devem ser adotadas medidas para evitar os riscos de espionagem industrial e governamental por governos e/ou empresas estrangeiras.

A justa compensação à empresa privada na hipótese de proibição da comercialização de tecnologia para o governo

Terceira questão, cogita-se em se proibir por ato presidencial a comercialização de equipamentos da Huawei, se não aprovado o referido projeto de lei. Nesta hipótese, é cabível a justa compensação à empresa privada que tenha sofrido perdas e danos por ato governamental. Ora, se a empresa de tecnologia tem contratos já firmados com o governo e estes contratos são rompidos então surge naturalmente o direito à indenização. E, ainda, se ela realizou intensos investimentos em pesquisas e desenvolvimento de produtos há a expectativa legítima de comercialização seus produtos e retorno do lucro para seus investimentos.

Síntese.

Este caso da disputa entre o governo norte-americano e a empresa chinesa Huawei revela a complexidade do tema, na perspectiva da política nacional de controle de investimentos estrangeiros, diante da globalização dos mercados, e os reflexos no comércio internacional e na respectiva competição internacional. Também, mostra a intensa disputa entre os Estados Unidos e a China na liderança tecnológica no século 21. Outros países por pressão dos Estados Unidos, estão cancelamento contratos com a empresa Huawei e revendo os padrões de segurança dos equipamentos de telecomunicações. Este tipo de medida proibitiva pode ser objeto de revisão judicial perante a justiça dos Estados Unidos. E a repercussão global do tema da segurança cibernética, motivou o Brasil, através da Anatel, para realizar consulta pública sobre a proposta de regulamento sobre o tema, com a definição dos padrões de segurança nas redes de telecomunicações. Neste aspecto, é fundamental a consideração nas políticas públicas de segurança cibernética os direitos dos usuários à privacidade, à inviolabilidade de suas comunicações e o direito à proteção de seus dados pessoais, bem como o direito à segurança contra ataques cibernéticos. O tema ilustra bem o conflito entre o livre comércio mundial e a questão dos padrões de segurança cibernética, em redes de telecomunicações e internet.

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*Ericson M. Scorsim é advogado e consultor em Direito Público, especializado no Direito da Comunicação. Autor do livro Temas de Direito da Comunicação Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: telecomunicações, internet, TV por radiodifusão, TV por assinatura e imprensa. Sócio fundador do escritório Meister Scorsim Advocacia.

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