Migalhas de Peso

A efetiva necessidade na posse de arma

O artigo 5º da IN 131/18-DGPF exige do interessado em adquirir arma de fogo a apresentação de certidões negativas de antecedentes criminais, assim como declaração de não estar respondendo a inquérito policial ou processo criminal.

27/1/2019

Toda lei tem um linguajar próprio e adequado para atender o comando que emana de seu texto. Recomenda-se, no entanto, que carregue uma terminologia que seja compreensiva ao homo medius e que, de forma precisa e clara, mesmo que formulada em termos gerais, consiga atingir seu sentido e alcance.

O decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro, que confere o direito à posse de arma de fogo, em casa ou no trabalho, desde que, nesta última hipótese, o proprietário da arma seja o responsável pelo estabelecimento, traz o requisito da “efetiva necessidade”, que compreende a razão e a justificativa do cidadão para pleitear a concessão da posse. Referida expressão integra a lei 10.826/03, que trata da aquisição e transferência de armas de fogo.

Pode-se pensar, num primeiro lance, que a expressão carrega uma indisfarçável carga de discricionariedade, beirando os limites da subjetividade da autoridade concedente, mas, na medida em que o próprio decreto elenca os critérios que irão balizar a efetiva necessidade, é de se concluir que a comprovação é de natureza objetiva, resultante do caso concreto.

Assim, a título de exemplo, se o cidadão residir em área urbana, em estados com índices anuais de mais de dez homicídios por cem mil habitantes, segundo o levantamento do Atlas de Violência de 2018, terá preenchido um dos requisitos, vez que todos os Estados e o Distrito Federal ultrapassam e em muito, em alguns casos, os índices exigidos. Se, por ventura, residir na área rural, não há qualquer restrição para a concessão da posse.

Assim, no tocante a tal requisito, a efetiva necessidade se faz presente. A imprensa, exibindo as dramáticas cenas de violência captadas pelas câmaras de segurança, alardeia diariamente pelos quatro cantos a ocorrência de delitos de todas as naturezas, ultrapassando os limites da hediondez e o cidadão, refém neste clima de insegurança, doido de tantas decepções, vê-se autorizado a possuir arma de fogo em sua residência ou local de trabalho, substituindo, até de certa forma, a função preventiva, de competência exclusiva do Estado.

É indiscutível que se abre uma opção para o cidadão obter a concessão de posse de arma e não uma obrigatoriedade. A efetiva necessidade passa a ser critério que cada um irá estabelecer para atingir sua esfera de segurança urbana ou rural para atender diretamente o requisito básico e indispensável de sua segurança. Na realidade é ele o responsável pelo crivo de análise e avaliação da sua garantia familiar e patrimonial e cabe ao poder público chancelar sua pretensão, se presentes os requisitos legais.

E é interessante observar que a efetiva necessidade disposta no decreto goza de elasticidade interpretativa. Basta ver que há um limite de aquisição de quatro armas de fogo de uso permitido para cada cidadão interessado, mas se outros fatos ou circunstâncias expostas no pedido justificarem, excepcionalmente, nova avaliação e agora mais criteriosa ainda, será feita pelo Poder Público, de competência dos delegados Regionais Executivos das Superintendências, que irão deferir ou não, em decisão fundamentada a aquisição de mais armas.

Assim, na prática, de acordo com a intentio legis, a apresentação da documentação exigida para a comprovação da efetiva necessidade gozará da presunção de veracidade, não cabendo à autoridade a realização de diligências para confirmar o alegado. Desta forma, pela casuística do decreto, quando na casa residirem criança, adolescente ou pessoa com deficiência mental, há a necessidade de o interessado comprovar, por meio de sua própria declaração, a existência de cofre ou local seguro com tranca para o armazenamento.

Não se pode olvidar, também, dos casos de violência doméstica. O artigo 5º da IN 131/18-DGPF exige do interessado em adquirir arma de fogo a apresentação de certidões negativas de antecedentes criminais, assim como declaração de não estar respondendo a inquérito policial ou processo criminal. Pode ser, no entanto, que tenha sido expedida medida protetiva de urgência em desfavor do agressor doméstico, sem ter ainda sido instaurado inquérito ou processo contra ele. Nesse caso, o próprio juiz que decretou a medida protetiva vai determinar a suspensão da posse da arma (art. 22, I, da lei 11.340/06) ou, se ainda não foi adquirida e nem mesmo instaurada a persecução policial, cabe à autoridade indeferir a pretensão, no contexto do não cumprimento da efetiva necessidade.

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado/SP, mestre em direito público, pós-doutorado em ciências da saúde, reitor da Unorp, advogado.

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