Migalhas de Peso

Anteprojetos de lei da Casa Civil – ameaça às Agências Reguladoras?

Estão hoje sob exame da Casa Civil aproximadamente duzentos comentários submetidos à minuta de dois Anteprojetos de Lei, que têm por objetivo organizar de maneira uniforme a atuação das Agências Reguladoras instituídas na vigência do Governo Fernando Henrique Cardoso.

27/10/2003

 

Anteprojetos de lei da Casa Civil – ameaça às Agências Reguladoras?

 

Rachel Bejla Mejlachowicz*

 

Estão hoje sob exame da Casa Civil aproximadamente duzentos comentários submetidos à minuta de dois Anteprojetos de Lei (“Anteprojetos”), que têm por objetivo organizar de maneira uniforme a atuação das Agências Reguladoras instituídas na vigência do Governo Fernando Henrique Cardoso.

 

O primeiro Anteprojeto dispõe sobre a: (i) uniformização do processo decisório e normativo das Agências Reguladoras, assegurando a participação de associações que tenham por finalidade a proteção ao consumidor, à ordem econômica ou à livre concorrência; (ii) obrigatoriedade de as Agências Reguladoras apresentarem relatório anual de suas atividades ao Poder Executivo e Legislativo; (iii) negociação e celebração de um contrato de gestão entre as Agências e os respectivos Ministérios; (iv) presença de um Ouvidor nomeado pela Presidência da República em todas as Agências Reguladoras; (v) interação entre as Agências Reguladoras e os órgãos de defesa da concorrência; (vi) integração entre as Agências Reguladoras e as agências e órgãos de regulação estaduais; e (vii) uniformização dos prazos dos Conselheiros e/ou Diretores das Agências Reguladoras, que passará a ser de quatro anos, admitida uma recondução.

 

Já o segundo Anteprojeto prevê, no que se refere ao setor de telecomunicações, a transferência, da ANATEL ao Ministério das Comunicações, dos poderes para a outorga do direito de exploração do serviço no regime público e celebração dos respectivos contratos de concessão, expedição de autorização para a prestação de serviços no regime privado e para o uso de recursos de radiofreqüência e de órbita.

 

A maior dificuldade dessas duas propostas está no fato de tentarem uniformizar a atuação de Agências Reguladoras com realidades completamente diferentes e que surgiram a partir de marcos regulatórios distintos. Ao fazer isso, o risco que se corre é o de enfraquecer setores cuja reestruturação foi positiva, como o setor de telecomunicações, cujo arcabouço regulatório em grande medida já prevê muitas das alterações que estão sendo propostas pelos Anteprojetos.

 

A Lei 9.472/97 - a Lei Geral de Telecomunicações, cuja edição está expressamente prevista na Constituição Federal de 1988, constitui o marco regulatório do setor de telecomunicações, posto que definiu as bases para a atuação do Ministério das Comunicações, da ANATEL e garantiu a segurança necessária para a regulação e o desenvolvimento de um setor-chave de nossa economia, que já recebeu e continua recebendo vultosos investimentos estrangeiros.

 

Portanto, quaisquer mudanças a esse contexto regulatório devem ser cuidadosamente estudadas e estruturadas, sob pena de se provocar o desmantelamento das conquistas e avanços alcançados até agora nessa seara.

 

O Primeiro Anteprojeto traz iniciativas louváveis, como a instituição de uma maior interação entre as Agências Reguladoras e os órgãos de defesa da concorrência e de regulação estaduais. Essa interação certamente fará com que as Agências Reguladoras sejam mais eficazes, tanto na elaboração de seus regulamentos, quanto na fiscalização do setor. Contudo, para que haja uma cooperação efetiva e duradoura entre esses órgãos, devem ser estabelecidas condições claras e razoáveis que não onerem nenhuma das partes.

 

Por outro lado, o Primeiro Anteprojeto prevê a celebração de um contrato de gestão entre as Agências Reguladoras e o Ministério correspondente, inclusive com a aplicação de penalidades aos seus signatários em caso de descumprimento injustificado de suas disposições. É preciso que essa iniciativa seja sopesada com muita reflexão, não apenas em razão da subjetividade a que estarão sujeitos os Conselheiros da ANATEL, mas também na medida em que a ANATEL já é objeto de fiscalização do Poder Legislativo - que periodicamente convoca representantes da ANATEL e solicita relatórios e informações sobre o setor, do Tribunal de Contas da União, do Poder Judiciário, e do Ouvidor da ANATEL.

 

Com relação à transferência de parte do poder regulatório da ANATEL ao Ministério das Comunicações, prevista no Segundo Anteprojeto, surge a preocupação de que a outorga de licenças para exploração de serviços de telecomunicações fique (mais) vulnerável às injunções políticas.

 

Isso porque os Ministérios são um dos principais personagens do jogo político, permeado de determinações e mudanças de rumo cuja implantação deve ser imediata e que visam, na maioria dos casos, metas e resultados de curto prazo.

 

Ocorre que para o desenvolvimento de setores-chave da economia, como o setor de telecomunicações, é fundamental a garantia do marco regulatório constante, que só é possível com um certo distanciamento da política de Governo. É essa blindagem - obtida com a autonomia e independência das Agências, que garante ao mercado nacional e internacional a segurança necessária para investir em projetos cuja implantação e realização ultrapassam, em muitas vezes, os período de dois ou três mandatos presidenciais.

 

Assim, mais uma vez ressaltamos que se essas alterações podem beneficiar certos setores que necessitem de maior interferência do Estado, urge que, no caso das telecomunicações, essa interferência estatal seja exaustivamente analisada e refletida pois, se há, todavia, muito a evoluir, com o amadurecimento necessário da ANATEL, certo é que desde a sua criação, tem se observado o desenvolvimento do setor de telecomunicações e a constante captação de investimentos estrangeiros pelo setor.

 

Portanto, é mister que o Governo leve em consideração os possíveis benefícios que ambos os Anteprojetos efetivamente trarão para o setor de telecomunicações no longo prazo, vis-à-vis o potencial desenvolvimento do setor com base na regulamentação hoje existente, sob pena de se enfraquecer, senão apagar o marco regulatório hoje existente.

 

__________________

 

* Advogada do escritório Pinheiro Neto Advogados

 

* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

© 2003. Direitos Autorais reservados a Pinheiro Neto Advogados.

 

 

 

 

 

 

 

 

_________________

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Coisa julgada, obiter dictum e boa-fé: Um diálogo indispensável

23/12/2024

Macunaíma, ministro do Brasil

23/12/2024

Inteligência artificial e direitos autorais: O que diz o PL 2.338/23 aprovado pelo Senado?

23/12/2024

(Não) incidência de PIS/Cofins sobre reembolso de despesas

23/12/2024

A ameaça da indisponibilidade retroativa

23/12/2024