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Projeto de decreto legislativo busca modificar regulamentação da Antaq sobre FSRUs

A medida adotada pela Antaq ao considerar FSRUs como instalações de apoio, ao contrário do quanto argumentado no PDC 1.091/18, atende aos princípios legais e constitucionais aplicáveis.

22/1/2019

Tramita na Câmara dos Deputados projeto de decreto legislativo (PDC) para eliminar a hipótese de registro na Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) das FSRUs (Floating Storage and Regasification Units), ou navios gaseiros, como instalações de apoio ao transporte aquaviário.

Por considerar tal regra ilegal e contrária aos princípios que regem o transporte aquaviário no Brasil, o PDC 1.091/18, de autoria do deputado Hugo Leal (PSD-RJ), pretende sustar os efeitos do parágrafo 3º do artigo 2º da resolução normativa 13/16 da Antaq, que dispõe sobre o registro de instalações de apoio ao transporte aquaviário perante a agência e inclui as FSRUs:

“Art.2º

I - Instalações flutuantes fundeadas em águas jurisdicionais brasileiras, inclusive interiores, em posição georreferenciada, devidamente homologadas pela Marinha do Brasil, sem ligação com instalação localizada em terra, utilizadas para recepção, armazenagem e transferência a contrabordo de granéis sólidos, líquidos e gasosos;

(...)

§ 3º Excepciona-se o disposto no inciso I do caput, no que se refere à vedação à conexão com terminal localizado em terra, na hipótese de embarcações adaptadas para operação de regaseificação fundeadas/atracadas, inclusive quando localizadas dentro da poligonal do Porto Organizado.”

Com base na interpretação dessa norma, há entendimento de que FSRUs de bandeira estrangeira registradas como instalações de apoio ao transporte aquaviário não precisariam se submeter às regras de afretamento disciplinadas por meio da lei 9.432/97. Isso porque, na prática, tais infraestruturas atuariam como instalações de apoio portuário e não como embarcações, o que levaria a concluir que sua operação não estaria restrita às empresas brasileiras de navegação (EBN).

Por meio do PDC 1.091/18, o deputado Hugo Leal argumenta que “a revogação do parágrafo 3º do artigo 2º da resolução 13/16 é necessária para que se reestabeleça a competitividade no setor e a segurança jurídica nas operações, impedindo a abertura do mercado para empresas de navegação estrangeiras sem qualquer investimento no país”.

O deputado também argumenta que a lei 9.432/18, ao listar o rol de embarcações que não se sujeitariam às suas disposições (art. 1º), não incluiu a FSRU e que, se tal exclusão fosse pretendida, deveria ter sido feita por meio de lei formal. Por esse motivo, a Antaq teria extrapolado seu poder regulamentador com a resolução questionada, ferindo os princípios da finalidade, interesse público, razoabilidade e proporcionalidade.

O argumento do deputado Hugo Leal, no entanto, é construído sobre uma premissa que, após uma análise mais cuidadosa, não se sustenta: a de que FSRUs de bandeira estrangeira não deveriam se sujeitar às regras de afretamento por EBNs somente se estivessem expressamente elencadas no rol de embarcações excluídas do âmbito de incidência da lei 9.432/97.1

O foco da discussão, com efeito, não deve recair sobre o fato de FSRUs se sujeitarem ou não aos termos da lei 9.432/97, mas sim às atividades que realizam. É preciso ter em mente que FSRUs utilizadas para recebimento, estocagem e/ou regaseificação de GNL, quando acopladas a construções terrestres, não exercem qualquer tipo de navegação, ficando fundeadas por longos períodos (até mesmo décadas).

A regra que impõe o afretamento de embarcações de bandeira estrangeira por EBNs, por outro lado, está prevista no art. 7º da lei 9.432/97, o qual se aplica ao transporte de mercadorias na navegação de cabotagem e na navegação interior de percurso nacional, bem como à navegação de apoio portuário e de apoio marítimo.2

Não existe dúvida de que a FSRU conectada às infraestruturas portuárias não realiza atividades de navegação listadas pela lei 9.432/97 (apoio marítimo, apoio portuário, cabotagem e longo curso).3 Assim, ainda que se considere que as FSRUs não estejam excepcionadas da hipótese de incidência da lei 9.432/97, é possível defender que o fato de não realizarem atividades de navegação, por si, já dispensaria a necessidade de afretamento da FSRU de bandeira estrangeira por EBN, uma vez que ela não estaria sujeita aos termos do art. 7º da lei 9.432/97.

O entendimento de que uma FSRU/FSU não executa atividade de navegação, e, portanto, não se sujeitaria às regras de afretamento da lei 9.432/97, podendo ser registrada como instalação portuária nos termos da resolução 13/16 já foi considerado por gerência da Antaq em casos específicos.

Sendo assim, a revogação pretendida do parágrafo 3º do artigo 2º da resolução 13/16 também não teria o condão de atingir, automaticamente, os objetivos alegadamente visados pelo deputado Hugo Leal. Isso porque, ainda que se extinga o regime de registro de FSRU sob a égide da resolução 13/16, não perde força o argumento de que a lei 9.432/97 não imporia, de todo modo, a necessidade de afretamento da FSRU de bandeira estrangeira por EBN para operação em águas nacionais. Muito ao contrário, a revogação desse dispositivo apenas criaria uma lacuna a respeito da regulamentação dessas embarcações pela Antaq, agravando a insegurança jurídica que, alegadamente, o PDC 1.091/18 visaria assegurar.

Também é possível desconstruir, ademais, o argumento de que a medida tomada pela Antaq por meio da resolução 13/16 seria uma extrapolação do poder regulamentador da agência, devendo ser precedida de lei formal. Ao criar a Antaq, a lei 10.233/01 atribuiu à agência competência para regulamentar o transporte aquaviário e a exploração da infraestrutura aquaviária federal.4 Desse modo, não há que se questionar se a Antaq tem competência delegada por lei para regulamentar o setor (conforme feito pela resolução 13/16).

Quanto à necessidade de lei formal para tal regulamentação, cabe ressaltar que a lei aplicável não estabelece que a classificação de instalações de apoio ao transporte aquaviário (objeto da resolução 13/16) deveria estar sujeita à reserva de lei. Dessa forma, não há óbice para a regulamentação da matéria pela Antaq. Nessa linha, a doutrina administrativista majoritária reconhece que a administração tem espaço amplo para regulamentar quando lhe é outorgada competência legal, não devendo atuar apenas como um mero “braço mecânico” da lei conforme palavras do professor Carlos Ari Sundfeld, in verbis:5

“Como a amarração jurídica da administração contemporânea é realizada, a par da lei formal, por várias outras fontes e mecanismos, a viabilidade do Estado de Direito não é comprometida só pelo fato de a administração exercer amplas competências criativas por autorização legal.”

A medida adotada pela Antaq ao considerar FSRUs como instalações de apoio, ao contrário do quanto argumentado no PDC 1.091/18, atende aos princípios legais e constitucionais aplicáveis. Isto porque, ao reduzir o custo e a burocracia necessários para os projetos de importação e regaseificação de gás natural, cria um ambiente de incentivo a tais projetos e (i) promove o desenvolvimento econômico e social; (ii) garante o abastecimento nacional de gás natural (e, consequentemente, o suprimento de energia elétrica); (iii) promove a livre concorrência entre os agentes do mercado, proporcionando um serviço mais eficiente para o usuário final; (iv) não prejudica a indústria naval nacional, já que inexiste, hoje, FSRUs construídas por estaleiros nacionais; (v) não contraria os princípios de finalidade, razoabilidade e proporcionalidade, já que a análise dessas questões foi realizada pela Antaq ao elaborar a resolução e ao decidir sobre questões conexas (conforme disposto acima), não constando no PDC qualquer justificativa que demonstre a quebra desses princípios; e (vi) atende ao interesse público predominante, pelos diversos motivos expostos neste parágrafo.

__________

1 Navios de guerra e de estado não empregados em atividade comercial, embarcações de esporte e recreio, embarcações de turismo, embarcações de pesca e embarcações de pesquisa.

2 “Art. 7º. As embarcações estrangeiras somente poderão participar do transporte de mercadorias na navegação de cabotagem e da navegação interior de percurso nacional, bem como da navegação de apoio portuário e da navegação de apoio marítimo, quando afretadas por empresas brasileiras de navegação, observado o disposto nos arts. 9º e 10”.

3 Conforme definidas no artigo 2º da lei 9.432/97.

4 Lei 10.233/11, artigos 20 e 23, I e V.

5 Sundfeld, Carlos Ari. Direito Administrativo para Céticos. Malheiros, 2014, 2ª edição. São Paulo.

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*Ana Karina E. de Souza é sócia no Machado Meyer Advogados.






 

*Maria Fernanda Soares é sócia no Machado Meyer Advogados.







*Raphael Barboza Correia é advogada no Machado Meyer Advogados.

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