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(In) Segurança jurídica

A nova RDC é apenas mais um capítulo da “sanfona” regulatória que faz com que investidores, sejam eles brasileiros ou estrangeiros, sistematicamente adiem (ou desistam) investimentos, tão necessários, na área da saúde no Brasil.

8/1/2019

A ANVISA retrocede sem qualquer explicação técnica razoável ou sustentável.

Sob o argumento de que há necessidade “de que se realize análise do impacto regulatório das alterações da Resolução da Diretoria Colegiada - RDC 10, de 21 de março de 2011, que dispõe sobre a garantia da qualidade de medicamentos importados”, a Anvisa fez publicar no DOU de 20 de dezembro de 2018, a RDC 257/18 materializando, mais uma vez, o desejo injustificável da agência de interferir na forma como as empresas reguladas decidem administrar seus negócios.

A resolução RDC 257/18 retrocede no processo de adequação do cenário regulatório no Brasil relacionado às atividades de fabricação e de importação de medicamentos. Essa RDC cancela e/ou suspende determinações da resolução RDC 234/18, publicada menos de seis meses antes, que apresentava um avanço importante nas questões relativas à terceirização.

Importante frisar que a Anvisa já havia reconhecido publicamente, diversas vezes, que as restrições à terceirização de atividades empresariais não se justifica e precisa ser atualizada.

A RDC 257/18 mantém a restrição à terceirização de atividades de produção, armazenagem, e controle de qualidade de medicamentos.

Embora a RDC 257/18 também cause impacto nas atividades de produção, o maior impacto destas restrições recai sobre as importadoras de medicamentos, exigindo que mantenham armazém próprio e obrigando-as a reproduzir aqui no Brasil, o perfil analítico de qualidade realizado pelo fabricante no exterior. (ensaios de qualidade de produtos biológicos são regulados por outra resolução)

Desde 2007 com a publicação da resolução RDC 25/07, as discussões sobre a terceirização têm sido intensas e acaloradas. A regulação que restringe a terceirização de atividades, procura, talvez, “proteger” o fabricante local criando dificuldades para as importadoras. Entretanto, tal proteção pode ser enquadrada como uma “Barreira Não Tarifária”, que contraria as regras de comércio internacional estabelecidas pela Organização Mundial do Comércio – OMC.

As restrições impostas com o retrocesso introduzido pela RDC 257/18 têm ainda impacto mais expressivo na importação de medicamentos indicados para os tratamentos de doenças raras, ou seja, aquelas que acometem até 65 indivíduos em cada 100.000 habitantes. Neste caso, devido ao reduzidíssimo volume e aos altos custos de produção, é cristalinamente compreensível que este tipo de medicamento seja fabricado em um único parque fabril e exportado de lá para o mundo todo.

Note-se que a regulação agora alterada pela Anvisa especialmente no que se refere aos aspectos relacionados à qualidade e segurança dos medicamentos, estava perfeitamente alinhada com as regras internacionais. A RDC 234/18 exigia, ainda, o atendimento às disposições que garantiriam a manutenção dos aspectos de qualidade, como:

 

(a) as empresas contratadas para atividades de controle da qualidade disponham de

 

 

(b) no caso de terceirização de armazenamento as seguintes regras devem ser observadas:

 

Após a publicação da RDC 234/18 as empresas reguladas adequaram todo o seu planejamento para o gerenciamento de seus negócios no Brasil. Entretanto, em nova, e gritante, manifestação da insegurança jurídica que nos torna mundialmente famosos (no mal sentido), a Anvisa sucumbiu, mais uma vez, por meio da nova resolução RDC 257/18, ao seu desejo latente de interferir na forma como as empresas dirigem seus negócios voltando, a proibir a terceirização do armazenamento e dos ensaios de controle de qualidade pelas importadoras, meros seis meses após a sua liberação.

Por tudo que foi exposto acima, fica claro que o fundamento alegado pela Anvisa para o retorno ao “status quo ante”, ou seja, a necessidade de verificar o impacto das novas regras sobre a garantia da qualidade de medicamentos importados é cristalinamente insustentável. A agência parece não considerar o seu próprio arcabouço regulatório no que se refere à qualidade de medicamentos.

Assim, resta concluir que a nova RDC é apenas mais um capítulo da “sanfona” regulatória que faz com que investidores, sejam eles brasileiros ou estrangeiros, sistematicamente adiem (ou desistam) investimentos, tão necessários, na área da saúde no Brasil.

Finalizando, o setor regulado aguarda que a Anvisa responda, com as devidas justificativas plausíveis, a seguinte pergunta:

Qual é a justificativa técnica para obrigar que as importadoras de medicamentos mantenham armazém e controle de qualidade próprio, principalmente quando existe uma rede de laboratórios de qualidade e de armazéns devidamente qualificados pela própria ANVISA e, mais ainda, quando os volumes de produtos importados não justificam nem uma coisa, nem a outra?

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*Marcos Lobo de Freitas Levy é sócio sênior do escritório A. Lopes Muniz Advogados Associados.

*Silvia V. Fridman é farmacêutica.

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