Migalhas de Peso

2018: um marco para o Direito Civil brasileiro

O saldo é positivo. 2018 viu ganhar ritmo a marcha de uma civilística sóbria e comprometida, consciente de sua história e de seu papel. Longe de significar atraso ou rompimento com a maré evolutiva, o ano que se vai assinala um novo tempo. Um tempo de seriedade e responsabilidade.

26/12/2018

O Direito não é um meio de transformação da realidade, nem a dogmática deve sofrer com os reveses políticos. Mas um ambiente de renovados debates institucionais pode atingir positivamente o mundo jurídico, e especialmente o mundo do Direito Civil (afinal, e perenemente, o Direito comum do homem comum1), naquilo que constitui hoje sua principal agenda: uma emancipação epistemológica.

2018 é um importante exemplo dessa realidade. Tempo de encruzilhadas sociais e políticas, pelos motivos conhecidos – e a que não calha fazer referência explícita -, o ano que se encerra também assinala no Direito Civil brasileiro uma porção generosa de novidades, cujo balanço prenuncia novos ares, especialmente no que se refere à doutrina. Vale inventariar o que de mais destacado sucedeu.

No campo legislativo houve importantes movimentações.

Uma das primeiras leis do ano, a lei 13.606/18, permite que a Procuradoria da Fazenda Nacional bloqueie os bens dos cidadãos sem autorização judicial, por meio da simples averbação de indisponibilidade na matrícula imobiliária. Ferem-se regras e princípios elementares do ordenamento, num grave atentado ao direito de propriedade, como já denunciado em texto anterior2. Esse erro legislativo não pode ser justificado por meio da ideia de “facilitação da execução”, como também já se demonstrou.

A lei 13.709/18, conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, tem gerado ricas discussões. É tempo de pensar na efetividade da normativa, que concretiza, ao menos pelo que se anuncia, a tutela da privacidade das pessoas, principalmente com relação às empresas e à Administração Pública. Boas discussões são esperadas para o longo período de vacatio legis.

Em setembro (dia 24) foi promulgada a lei 13.715/18, que alterou o Código Penal, o ECA e o Código Civil para “dispor sobre hipóteses de perda do poder familiar pelo autor de determinados crimes contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar ou contra filho, filha ou outro descendente”. No CC/02, modificou-se o art. 1.638, que passa a vigorar acrescido de um parágrafo único, segundo o qual também perde o poder familiar aquele que pratica, contra outro titular do mesmo poder ou contra filhos ou outros descendentes, crime doloso contra a vida que envolva violência doméstica “ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher” e, ainda, “estupro ou outro crime contra a dignidade sexual sujeito à pena de reclusão”.

O PLS 757/15, voltado à reforma do Estatuto da Pessoa com Deficiência, e originalmente proposto para contornar os graves problemas causados pelo EPD no sistema de incapacidades, foi objeto de parecer da senadora Lidice da Matta, do qual surgiu um substitutivo, aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça. Esta não é a melhor oportunidade para se fazer uma avaliação crítica desse PLS, mas pode-se dizer que, segundo se entende, ele trará, a par de algumas soluções, diversos problemas, especialmente ao manter o atual quadro dos arts. 3º e 4º do CC/02.

Foi promulgada, no dia 20 de dezembro, a lei 13.777, que regulamenta a chamada “multipropriedade”, ou time-sharing, introduzindo no Código Civil de 2002 os arts. 1.358-B a 1.358-U e modificando dispositivos da Lei de Registros Públicos. Igualmente não se tem aqui um espaço adequado para apreciações críticas. Opta-se apenas por afirmar que, apesar da extensão da mudança, parece haver ainda omissões, como a multipropriedade de bens móveis. Isso para não falar de alguns aspectos polêmicos, como a possibilidade de livre transmissão da fração temporal, sem direito de preferência a ser exercido pelos demais titulares (salvo em caso de previsão no instrumento de instituição ou na convenção condominial). Tudo a indicar uma certa falta de cuidado, que a doutrina terá de resolver com o concurso de sua avaliação crítica. Eh bien, o que está feito, feito está.

Na jurisprudência, decisões de relevo.

O STF, ao julgar um dos embargos de declaração nos já famosos recursos extraordinários 646.721/RS e 878.694/MG, deu vazão a um entendimento muito importante. Rejeitando os embargos, assentou que “A repercussão geral reconhecida diz respeito apenas à aplicabilidade do art. 1.829 do Código Civil às uniões estáveis. Não há omissão a respeito da aplicabilidade de outros dispositivos a tais casos”. Em outros termos, aquela tese de repercussão geral de 2017, no sentido de ser aplicável ao casamento e à união estável o regime do art. 1.829 do CC/02, não lança o companheiro no conjunto dos herdeiros necessários3.

Em outro julgado, passado em março, o STF decidiu que os indivíduos transgêneros têm direito à alteração de nome e gênero no registro civil mesmo sem cirurgia de mudança de sexo. Além disso, a maior parte dos julgadores entendeu não ser necessária autorização judicial para tanto, à exceção dos ministros Marco Aurélio (Relator), Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes.

Vejam-se agora alguns julgados do STJ.

Numa importantíssima decisão (HC 439.973/MG, ministro Antonio Carlos Ferreira), afastou-se a incidência da teoria do adimplemento substancial em controvérsias relacionadas a obrigações alimentares. O julgado é mais do que um acerto técnico: é um sinal de parada ao abuso. O adimplemento substancial enfrenta cada vez maiores reservas em sua admissão. Reservas, aliás, totalmente compatíveis com o desenho histórico e dogmático do instituto, jamais vocacionado a ser panaceia.

A quarta turma reconheceu direito de visitas a animal doméstico adquirido durante a união estável. Essa matéria divide a doutrina. Ao que se entende, somente com regulamentação legislativa pode haver divisão de guarda de um animal e atribuição de direito de visitas. Corre projeto de lei nesse sentido.

Para a terceira turma, pode o contrato de locação ser rescindido em caso de venda do imóvel se a cláusula de vigência não estiver devidamente averbada. Fortalece-se, mais uma vez, o ambiente registral como locus privilegiado da proteção das partes de uma relação jurídica.

O reconhecimento do direito real de habitação (art. 1.831 CC/02) não pressupõe a inexistência de outros bens no patrimônio do cônjuge ou companheiro supérstite. Assim decidiu a terceira turma, em caso relatado pelo ministro Villas Bôas Cueva. Realmente, a parte final do art. 1.831 não pode ser tomada como se a existência de qualquer bem imóvel no patrimônio do supérstite bloqueasse o seu direito de habitação. O julgado apenas desliza ao defender uma leitura “flexível” do mesmo art. 1.831, o que, acredita-se, é desnecessário.

A mesma terceira turma decidiu que, em ação de alimentos, naquelas hipóteses em que a ação for direcionada a apenas um coobrigado, e sendo o credor capaz, somente ele pode provocar a posterior integração do polo passivo. Sua inércia deve ser interpretada como concordância com os alimentos que puderem ser prestados pelo obrigado indicado na inicial.

Sob relatoria do ministro Moura Ribeiro, em dois recursos extraordinários (Tema 990), assentou-se a tese de que “as operadoras de plano de saúde não estão obrigadas a fornecer medicamento não registrado pela ANVISA”.

Em julgamento bastante recente e muito noticiado, a quarta turma decidiu que o Palácio Guanabara (RJ) pertence à União, não havendo direito a indenização por parte dos herdeiros da Família Imperial do Brasil por conta da tomada do imóvel depois do golpe de 1889. Niente da dichiarare.

Também do STJ, novas súmulas. Na área securitária aprovaram-se os enunciados 610 (“O suicídio não é coberto nos dois primeiros anos de vigência do contrato de seguro de vida, ressalvado o direito do beneficiário à devolução do montante da reserva técnica formada”), 616 (“A indenização securitária é devida quando ausente a comunicação prévia do segurado acerca do atraso no pagamento do prêmio, por constituir requisito essencial para a suspensão ou resolução do contrato de seguro”) e 620 (“A embriaguez do segurado não exime a seguradora do pagamento da indenização prevista em contrato de seguro de vida”). Aprovou-se recentemente, também, o enunciado 621, sobre pensão alimentícia (“Os efeitos da sentença que reduz, majora ou exonera o alimentante do pagamento retroagem à data da citação, vedadas a compensação e a repetibilidade”).

Por fim, é de se mencionar uma decisão de primeiro grau que ganhou o noticiário jurídico em 2018, mais pelos seus deméritos que por suas qualidades. Trata-se da sentença de um juiz de Guaxupé/MG que garantiu a “inclusão” de netas que haviam sido excluídas do testamento pela avó. A testadora beneficiou apenas os netos havidos no casamento, e não aquelas netas tidas fora do matrimônio. O juízo considerou que tal ato configura discriminação e, invocando uma cesta de princípios, derribou a liberdade testamentária da autora da herança. Contra essa decisão ergueram-se as mais diversas vozes, numa importante demonstração da força da doutrina para, legitimamente, atacar os erros do Judiciário.

Nas instituições houve mudanças. José Antonio Dias Toffoli tomou posse como presidente do STF e do Conselho Nacional de Justiça, enquanto João Otávio de Noronha subiu à presidência do STJ. Já o ministro Humberto Martins (STJ) assumiu o posto de Corregedor Geral de Justiça.

O CNJ, por sinal, teve uma produtiva atuação em 2018. Foram muitos atos, principalmente Provimentos, com invulgares efeitos sobre o Direito Privado. Em outra coluna já se fizeram comentários a respeito de cada um dos provimentos com impacto no âmbito notarial e registral4.

Do CNJ também veio em 2018 uma importantíssima decisão: os tabelionatos de nota não devem lavrar as chamadas “escrituras do poliamor”. Essas escrituras, que dão falsa acolhida à poligamia, são gritantemente ilegais, como já afirmado reiteradas vezes5. Mérito, neste caso, da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), que apresentou o pedido inicial de tomada de providências sobre a questão e lutou arduamente pela preservação da integridade da família e do Direito que a regulamenta.

Quanto aos eventos, iniciativas marcantes.

Em maio houve mais um Ciclo de Estudos da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo. Foi o Seminário USP-Humboldt de Direito Contemporâneo, desta vez com foco no Direito do consumidor. O evento ocorreu na Faculdade de Direito da USP e contou com a participação dos professores da Universidade Humboldt de Berlim Stefan Grundmann, Peter Singer, Christoph Paulus, Gregor Bachmann e Luis Greco. Entre conferências e debates, fortaleceram-se os laços jurídicos Brasil-Alemanha e apresentaram-se novas perspectivas para um Direito Privado que, conhecedor de sua inarredável base conceitual, entende sua capacidade de oferecer respostas a problemas do mundo contemporâneo.

Em Brasília ocorreu a oitava edição das Jornadas de Direito Civil do CEJ-JF. Enunciados importantes deram o recado: é tempo de revitalizar a dogmática e de garantir segurança jurídica. A Comissão de Direito de Família é um bom exemplo disso. Enunciados de estilo “experimental”, salvo raríssimas exceções, não foram aprovados.

A Rede de Pesquisa Direito Civil Contemporâneo também receberia, em junho, na USP, o professor dr. Christian Baldus, da Universidade de Heidelberg, convidado a participar de aulas de pós-graduação nas quais desvendou os rumos do método jurídico desde a obra monumental de Savigny. O professor Baldus, um admirador e conhecedor da cultura jurídica luso-brasileira, muito contribuiu para o decisivo momento metodológico dessa tradição.

Aliás, a essa mesma Rede de Pesquisa uniram-se, em 2018, mais três Universidades. Em julho juntou-se a italiana Roma II – Tor Vergata, em convênio firmado pelo renomado professor Catedrático Riccardo Cardilli. Mais recentemente ingressaram a Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Faculdade de Direito da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

Sob direção da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS) em parceria com a Academia Iberoamericana de Derecho de Familia y de las Personas, realizou-se em São Paulo, entre os dias 29 e 31 de agosto, o V Congreso Iberoamericano de Derecho de Familia y de las Personas, intitulado “Família e Pessoa: Uma questão de princípios”. Com conferências de professores e pesquisadores de diferentes países da América Latina, além de Portugal e Espanha (somando mais de 15 palestrantes estrangeiros), o Congresso representa uma renovação nos estudos em Direito de Família no Brasil.

Ocorreu em Fortaleza/CE, no mês de setembro, o 2º Congresso Internacional de Responsabilidade Civil, promovido pelo Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil (IBERC), com importantes trabalhos sobre o quadrante atual dos mais variados assuntos em responsabilidade.

Também em Fortaleza, sob organização da Unifor, entre 18 e 20 de outubro, teve lugar o VI Congresso do Instituto Brasileiro de Direito Civil (IBDCivil). Com o grande tema Autonomia Privada, Liberdade Existencial e Direitos Fundamentais, o evento contou com a participação de 4 juristas estrangeiros e dos ministros do STF Cármen Lúcia e Edson Fachin.

As Jornadas Luso-Brasileiras de Direito de Autor ocorreram na Faculdade de Direito da USP. Aos representantes da USP, capitaneados pela professora dra. Silmara Juny de Abreu Chinellato, uniram-se os professores estrangeiros Dário Moura Vicente (Universidade de Lisboa), Alexandre Libório (Universidade de Coimbra) e Sofia Casimiro (Universidade de Lisboa e Academia Militar Portuguesa).

Benjamin Herzog (Heidelberg), autor da mais aprofundada obra sobre a evolução metodológica do Direito Civil brasileiro, esteve no país em outubro. Realizando conferências em Santa Catarina (UFSC), Paraná (UFPR), São Paulo (FDUSP), Mato Grosso (UFMT) e Amazonas (UFAM e TJAM), Herzog alertou para os perigos institucionais de uma desnaturação dogmática do Direito Privado e de uma excessiva instrumentalização das regras jurídicas.

O setor das publicações foi bastante profícuo em 2018.

Sobre o novo direito real de laje (introduzido pela lei 13.465/17), o professor titular e ex-diretor da Faculdade de Direito da USP, dr. Eduardo C. Silveira Marchi, um dos maiores romanistas da atualidade, lançou o volume Direito de laje: da admissão ampla da propriedade superficiária no Brasil6, obra na qual, com fartíssima base na literatura especializada, defende tratar-se a laje de um verdadeiro direito de propriedade. O livro também marca a inauguração da série Opuscula, uma iniciativa da YK Editora que consiste no lançamento de obras compactas sobre temas relevantes para o Direito das Coisas e Registral Imobiliário.

Carlos Alberto Dabus Maluf, também professor titular da FDUSP, atualizou sua conhecida obra sobre as cláusulas restritivas da legítima (Das cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade7), com importantes acréscimos doutrinários e jurisprudenciais, inclusive com breves comentários sobre os julgados, além de uma interessante introdução metodológica. Numa fase de ricas discussões sobre planejamento sucessório, a envolver também o mecanismo de clausulação de bens, esse livro está mais atual do que nunca.

Na Biblioteca ministro Victor Nunes Leal (STF) a comunidade jurídica recebeu o Livro do Centenário do Código Civil, um volume comemorativo dos cem anos da primeira codificação civil brasileira (1916), editado pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB).

O professor Gustavo Cerqueira, da Universidade de Reims Champagne-Ardenne, publicou o livro Sucessão hereditária nas empresas familiares: interações entre o Direito das Sucessões e o Direito das Sociedades8. A obra é o contributo de um intelectual internacionalmente reconhecido para um tema atualíssimo e delicado, cuja abordagem no Brasil encontra-se em um momento decisivo. Ao professor Cerqueira, por isso, a par das congratulações, os agradecimentos.

Da autoria de Bernardo B. Queiroz de Moraes veio a obra Parte Geral do Código Civil: gênese, difusão e conveniência de uma ideia. O livro, resultado de atividades de pesquisa e de magistério do autor, sintetiza com rara elegância o percurso evolutivo da Parte Geral, essa verdade esquecida. Em tempos de defesa da Constituição como nova Allgemeiner Teil do Direito, a leitura da obra do professor Moraes é, para dizer o mínimo, uma imposição. A confirmar a qualidade do trabalho, basta dizer que o autor foi, por ele, agraciado com o Prêmio Orlando Gomes – Elson Gottschalk, da Academia Brasileira de Letras Jurídicas, em sessão solene dada no Rio de Janeiro.

No primeiro semestre foi lançada oficialmente a obra Direito Civil: Diálogos entre a Doutrina e a Jurisprudência, coordenada pelo ministro do STJ Luis Felipe Salomão e pelo professor Flavio Tartuce9, concentrando estudos de acadêmicos e de magistrados de diversas regiões do país sobre muitos temas contemporâneos do Direito Civil.

Como fruto do anteriormente referido Congresso Iberoamericano de Direito de Família, elaborou-se a obra coletiva Família e Pessoa: uma Questão de Princípios10, o mais rico trabalho do ano a respeito do Direito de Família e das Sucessões. Sob coordenação de Regina Beatriz Tavares da Silva e Ursula Basset, e com artigos de autores de diversos países, trata-se de uma indispensável leitura para a compreensão dos diversos – e contemporâneos – problemas desse campo. Mais do que isso, a obra consagra a união intelectual de uma miríade de juristas em prol da racionalização do Direito de Família, extremante desgastado nos últimos anos em virtude de uma série de inciativas acadêmicas e legislativas desastrosas.

Pela RT, Rodrigo da Guia Silva publicou Enriquecimento sem causa: as obrigações restitutórias no Direito Civil. Ainda que não se aceda à metodologia perfilhada, o livro passa a ser uma leitura de necessário cotejo para os estudos na matéria, especialmente pela abordagem de problemas pujantes, como o chamado lucro da intervenção, matéria de difícil deslinde e a cujo enfrentamento o autor não se furtou.

Christopher Roisin, magistrado do TJ/SP, deu à estampa o livro Vícios redibitórios11, fruto de sua dissertação de mestrado defendida na Faculdade de Direito da USP, e que constitui uma importante contribuição crítica para o estudo desse instigante assunto. Com uma vasta coleta de fontes, muito bem cotejadas, o autor segue uma metodologia séria, sem comprometer-se com os discursos de ocasião, e arremata o trabalho com uma importante sugestão de modificação legislativa, ao estilo muitas vezes esquecido das teses tradicionais.

A dissertação de mestrado de Viviane Limongi, defendida na PUC-SP sob orientação do professor Giovanni Nanni, transformou-se em livro intitulado A capacidade civil e o Estatuto da Pessoa com Deficiência – reflexos patrimoniais decorrentes do negócio jurídico firmado pela pessoa com deficiência mental. Cuida-se de uma avaliação pormenorizada dos impactos do EPD no âmbito privatístico, especialmente, como já o título anuncia, sobre o campo negocial.

Ainda sobre o tema do EPD, saiu a segunda edição da obra do professor Mauricio Requião (UFBA), Estatuto da Pessoa com Deficiência, incapacidades e interdição12. O autor tem contribuído com estudos sobre essa temática desde a promulgação da lei, em 2015.

Lançou-se o livro Assunção de dívida: conceito, estrutura e negócios jurídicos afins, de Dilson Jatahy Fonseca Neto, fruto de tese de doutoramento defendida na Faculdade de Direito da USP sob direção do professor Eduardo Marchi. É um profundo estudo, que consagra seu autor como uma autoridade no tema, em cujo âmbito cruzam-se elementos teoréticos e impressivos efeitos práticos.

Renata Steiner lançou a obra Reparação de danos: interesse positivo e interesse negativo13. O trabalho é aprofundado e explora as duas faces do interesse do credor com rigor metódico e bom domínio de fontes. Soma-se ao que de melhor há em língua portuguesa sobre esse complexo tema (como o conhecido trabalho do professor Paulo Mota Pinto).

Referir-se aos interesses positivo e negativo exige que se mencione uma outra obra de relevo publicada em 2018. Trata-se do livro de Karina Nunes Fritz, Die culpa in contrahendo in deutschem und brasilianischem Recht: Ein Vorvertragsregime auf der Grundlage der deutschen Schuldrechtsdogmatik, estampado pela multissecular editora alemã De Gruyter. Contributo de uma premiada pesquisadora para um dos mais instigantes temas do Direito Civil.

A mais densa obra sobre usucapião extrajudicial (figura introduzida no ordenamento pelo NCPC), de autoria de Henrique Ferraz Corrêa de Mello14, ganhou uma atualização. Agora o livro inclui a observação de normativas recentes, como a lei 13.465/17 e o provimento 65/17 do CNJ. Os elementos de Direito comparado são rigorosamente expostos, e o autor não deixa de lado a parte prática. Prossegue, esse livro, em sua posição cimeira nos estudos sobre o modelo administrativo de usucapião. Não é possível estudar o tema sem consultá-lo.

Em fins de setembro, na Faculdade de Direito da UFBA, veio oficialmente a lume a obra A relevância do jurista Teixeira de Freitas para o Direito e a Sociedade. Organizado por Joseane Suzart Lopes da Silva e Ana Clara Suzart Lopes da Silva, o livro, de rico conteúdo, dispensa maiores comentários. Homenagem sempre e cada vez mais justa àquele que, segundo Pontes de Miranda, teria dado ao Brasil a melhor codificação do século XIX, não o tivesse rejeitado a mediocridade circundante.

Humberto Theodoro Junior foi homenageado com o livro Novas tendências: diálogos entre direito material e processo, organizado pelos professores Edgard Audomar Marx Neto, Ester Camila Gomes Norato Rezende e Juliana Cordeiro de Faria. Os textos são excelentes e representam diferentes filiações teóricas.

Muito recentemente, em dezembro, com a coordenação de Alexandre Carneiro da Cunha Filho, Rafael Issa e Rafael Schwind, deu-se o lançamento do mais completo e rigoroso livro de comentários à LINDB: Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – Anotada. São dois volumes e 180 autores. A consulta é necessária, tanto mais em face das alterações introduzidas, também neste ano, pela lei 13.655/18.

Na Revista de Direito Imobiliário houve uma renovação. Leonardo Brandelli, após anos de brilhante trabalho, deixa o comando da publicação, que será assumido por Ivan Jacopetti do Lago. Ao professor Brandelli consignam-se as sinceras congratulações pela qualidade da RDI, e a Jacopetti fazem-se os votos de uma gestão de sucesso à frente desse prestigioso veículo.

Dentre todas as publicações destaca-se um trabalho de singular relevância para a preservação metodológica do Direito Civil. Trata-se do livro de Otavio Luiz Rodrigues Junior, fruto da tese de livre-docência defendida ao final de 2017 na Faculdade de Direito da USP. Com o título Direito Civil contemporâneo: estatuto epistemológico, Constituição e direitos fundamentais15, o trabalho corresponde a um invulgar esforço de pesquisa e já se tornou leitura obrigatória para todos os profissionais do Direito. Revela, antes de tudo, a preocupação de seu autor com o quadro jurídico-institucional do país e configura um presente para a comunidade jurídica nos trinta anos da Constituição de 1988.

Por fim, quer-se sublinhar um fato.

Após mais de quarenta anos de atividade docente, aposentou-se o professor Alcides Tomasetti Junior. Ladeado por discípulos e aclamado por gerações de alunos, recebeu do professor João Alberto Del Nero um belíssimo discurso laudatório, em reunião extraordinária do Departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito da USP. Professor Tomasetti continua a participar das atividades da pós-graduação e a orientar, de diversas maneiras, os seus discípulos. Mais do que nunca seus ensinamentos se afiguram necessários. Se a boa doutrina vive, se a sobriedade no trato jurídico atrai e cada vez mais inspira, se a dogmática vai sendo de pouco a pouco resgatada, tudo isso se deve grandemente a ele, a quem se deixam o agradecimento sincero e a profunda reverência. Três vezes Viva para o senhor professor doutor Alcides Tomasetti Junior!

C’est fini.

Todas essas tendências sinalizam um tempo de virada nos estudos do Direito Civil, e na compreensão mesma desse ramo, em todos os seus múltiplos aspectos.

O saldo é positivo. 2018 viu ganhar ritmo a marcha de uma civilística sóbria e comprometida, consciente de sua história e de seu papel. Longe de significar atraso ou rompimento com a maré evolutiva, o ano que se vai assinala um novo tempo. Um tempo de seriedade e responsabilidade.

Feliz 2019!

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1 Cf., especialmente, ASCENSÃO, José de Oliveira. O Direito Civil como o Direito comum do homem comum. RIDB, ano 1, n. 1, p. 45-57, 2012.

2 BORGARELLI, Bruno de Ávila. O primeiro tiro do ano: bloqueio de bens sem autorização judicial. Migalhas, 16 de janeiro de 2018. Disponível em: clique aqui.

3 “Isso significa que está reservado o direito à metade dos bens da herança e a impossibilidade de exclusão da herança por disposição expressa em testamento do falecido apenas aos cônjuges (aqueles que vivem em casamento) e não aos companheiros (aqueles que vivem em união estável).” (TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz. Equiparação de cônjuge e companheiro na sucessão pelo STF limita-se à ordem de vocação hereditária. Estadão – Blog Fausto Macedo, 22 de novembro de 2018. Disponível em: clique aqui).

4 KÜMPEL, Vitor Frederico; BORGARELLI, Bruno de Ávila. O direito notarial e registral em 2018. Registralhas, 18 de dezembro de 2018. Disponível em: clique aqui.

5 Cf. BORGARELLI, Bruno de Ávila. De Rolandino de Passeggeri à "escritura do poliamor": a atividade notarial em tempos difíceis. Migalhas, 28 de julho de 2018. Disponível em: clique aqui. Cf também KÜMPEL, Vitor Frederico; BORGARELLI, Bruno de Ávila. A ilegalidade das escrituras de união poliafetiva. Registralhas, 22 de maio de 2018. Disponível em: clique aqui.

6 MARCHI, Eduardo Cesar Silveira. Direito de laje: da admissão ampla da propriedade superficiária no Brasil. São Paulo: YK, 2018.

7 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Das cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade. 5.ed. São Paulo: YK, 2018.

8 CERQUEIRA, Gustavo Vieira da Costa. Sucessão hereditária nas empresas familiares: interações entre o Direito das Sucessões e o Direito das Sociedades. São Paulo: YK, 2018.

9 SALOMÃO, Luis Felipe; TARTUCE, Flavio (org.). Direito Civil: Diálogos entre a Doutrina e a Jurisprudência São Paulo: Atlas, 2018.

10 TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz; BASSET, Ursula Cristina (coord.). Família e Pessoa: uma questão de princípios. São Paulo: YK, 2018.

11 ROISIN, Christopher Alexander. Vícios redibitórios. São Paulo: YK, 2018.

12 REQUIÃO, Mauricio. Estatuto da Pessoa com Deficiência, incapacidades e interdição. Tirant lo Blanch, 2018.

13 São Paulo: Quartier Latin, 2018.

14 São Paulo: YK, 2018.

15 RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Direito Civil contemporâneo: estatuto epistemológico, Constituição e direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2018.

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*Bruno de Ávila Borgarelli é doutorando em Direito Civil pela USP.

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