Caos tributário
Newton José de Oliveira Neves*
Como quase tudo no atual governo, cuja tática é utilizar o marketing para encobrir a inoperância administrativa que domina o cenário de Brasília, também em relação à questão tributária a teoria que aparece nos inflamados discursos em prol do chamado “espetáculo do crescimento” não resiste à prática dos donos do poder – aí reunidos a União, Estados e Municípios – de fazer da reforma mais um trampolim para elevar ainda a insuportável carga tributária que pesa sobre os ombros do setor produtivo.
Antes de enviar o projeto de reforma tributária ao Congresso Nacional, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva conversou com cada um dos governadores, que depois reuniu num demorado encontro em Brasília. Aparentemente, o objetivo do governo era acertar os termos de uma proposta que tramitasse sem maiores problemas, com o apoio de todos.
A estratégia, portanto, era apressar a tramitação da matéria na Câmara, transferindo para o Senado os debates sobre as questões mais polêmicas em torno da reforma tributária. No fundo, o que o Executivo queria era ganhar tempo e evitar que a discussão dos projetos de reforma tributária e da Previdência entrasse em choque na Câmara e no Senado.
Diante dessa estratégia, a discussão sobre o assunto parece ter sido transformada num imenso cassino, onde só os amigos do rei tem acesso, enquanto a imensa maioria da população que mal consegue respirar, garroteada pela política do arrocho imposta pelo FMI, fica com a nítida impressão de que a ambição dos políticos tornou-se bem maior que o bom senso.
Senão, vejamos. Pela proposta do governo, alguns dos objetivos da reforma, pelo menos na teoria, era dar condições de governabilidade ao país, melhorar a qualidade do sistema tributário e criar condições, pela via fiscal, para a retomada do crescimento econômico sustentado. Mas logo que o projeto de reforma aportou na Câmara, mantendo entre outras excrescências, medidas perversas como a prorrogação da CPMF e DRU (Desvinculação de Receitas da União), sob o argumento de que são indispensáveis ao financiamento da administração pública, estados e municípios viram na discussão uma oportunidade ímpar de aumentar suas receitas.
Com isso, o projeto original que já era uma colcha de retalhos e, diga-se, com emendas bem piores que o soneto, tornou-se um mostrengo em conseqüência do afã dos políticos de acomodar suas ambições pessoais, dividindo entre seus feudos o espólio do que ainda resta das receitas fiscais, ou seja, a parte do Leão não-contingenciada na forma de superávits para pagar os juros da dívida externa.
E o pior é que ninguém está satisfeito, principalmente os governadores. Uns acreditam que podem obter mais em termos de arrecadação fiscal, via transferência dos recursos da União para os Estados; outros acham que as conquistas de terceiros se deram em detrimento de seus próprios interesses e que essa equação ainda tem chance de ser alterada. Tal situação caracteriza um jogo em que todos querem ganhar o máximo, sem fazer nenhum tipo de concessão.
Por causa desse estado de coisas, o governador Lúcio Alcântara, do Ceará, fez, um desabafo, ao diagnosticar que a única arrumação possível para o projeto que saiu da Câmara é aprovar os pontos básicos da reforma - a prorrogação da desvinculação das receitas e da CPMF, a distribuição da Cide e a desoneração das exportações. O restante da pauta ficaria para o futuro, na tentativa, quem sabe, de ganhar tempo para mais uma rodada de discussão em torno de uma questão que parece ter mão única: engordar os cofres públicos às custas do contribuinte, já que a contrapartida da arrecadação medida pela prestação de serviços públicos é de péssima qualidade no Brasil.
A palavra agora está com o Senado, onde as disputas por uma parte do bolo tributário prometem aprofundar o racha que já se formou entre os governadores dos Estados, alimentado, em grande parte pela guerra fiscal. Os governadores dos Estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, criaram o chamado G-20, que paira sob sistema político como uma instância apartidária, com vistas a fazer frente aos governadores do Sul e do Sudeste, abrigados na sigla G-7.
Se persistir essa nova divisão informal de poder na República, o G-20 funcionará como uma espécie de grupo de pressão para partilhar a divisão do Fundo de Desenvolvimento Regional, ampliar a participação dos Estados na divisão da Cide e alterar a destinação do fundo de compensação da desoneração de exportações.
Na prática, se a estratégia surtir efeito, a reforma tributária poderá se tornar mais complicada ainda, haja vista que as chamadas questões polêmicas o fosso entre os governadores é bastante significativo, ou seja, não há consenso.
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*Advogado do escritório Oliveira Neves & Associados
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