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Para negativa de cobertura, é necessária a notificação do segurado sobre suspensão do contrato de seguro por inadimplência – comentários à súmula 616

A interpretação solidificada pela Corte através da súmula 616 deve passar a ser devidamente observada pelas seguradoras, de modo a garantir a devida segurança jurídica nas transações e decisões tomadas pelas empresas.

18/12/2018

Recentemente a 2ª seção do STJ editou nova súmula versando acerca do dever de indenizar quando ausente a comunicação prévia do segurado sobre o atraso no pagamento do prêmio, entendendo a impossibilidade do desfazimento automático do contrato, tendo em vista os preceitos tutelados pelo CDC.

 

Tal entendimento se originou a partir do julgado em ação proposta contra determinada seguradora que negou a cobertura do sinistro do segurado alegando o cancelamento do contrato em razão de atraso havido em uma das prestações do prêmio.

 

No caso sub examen, após a improcedência da ação em primeira instância, o Primeiro Tribunal de Alçada do Estado de São Paulo manteve a decisão em fase recursal, em consonância com o entendimento da 3ª turma do STJ no julgamento do REsp 323.251/SP, que havia manifestado na oportunidade não ser devida indenização decorrente de contrato de seguro durante o período de mora.

 

Neste contexto, faz-se mister salientar que, no âmbito do STJ, a matéria gerou diversas discussões e decisões conflitantes até a publicação da súmula 616.

 

Em oportunidade anterior, a 4ª turma do Superior Tribunal já havia decidido pela impossibilidade de recusa no pagamento de indenização, com base no argumento do adimplemento substancial e entendendo que a resolução contratual, ensejada por qualquer motivação, só poderia se dar em juízo.

 

De maneira mais branda, todavia, entendeu o ministro Aldir Passarinho Junior, relator do REsp 316.552/SP - julgado que ensejou a súmula 616 que, apesar de o mero atraso no pagamento da prestação do prêmio não ensejar o desfazimento automático do contrato e, portanto, não permitir a negatória na cobertura, bastaria a prévia constituição do segurado em mora, mediante interpelação, para a validação da recusa da cobertura da indenização.

 

É necessário compreender que a postura tomada pelo STJ, por intermédio do voto do ministro Aldir Passarinho e da Súmula 616, tomou um viés muito mais flexível que os posicionamentos anteriores.

 

Ora, é inegável que atrelar a resolução dos contratos trazidos à baila à via judicial seria exageradamente oneroso às seguradoras, que teriam de recorrer ao Judiciário em todos os casos de inadimplemento de alguma das parcelas do prêmio para fazer valer a possibilidade legal de suspensão do contrato.

 

De igual modo, a automática resolução de contrato em caso de mora do segurado é ilícita, como elucida Pedro Alvim (2001, p. 291 apud STJ, 2018, online), uma vez que ofende os preceitos tutelados pelo CDC, que define serem nulas de pleno direito cláusulas que autorizem o contratado a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao contratante.

 

Em sentido diverso, a suspensão do contrato de seguro é medida cabível e expressamente admitida pelo art. 12 do decreto-lei 73/66, que dispõe que "a obrigação do pagamento do prêmio pelo segurado vigerá a partir do dia previsto na apólice ou bilhete de seguro, ficando suspensa a cobertura do seguro até o pagamento do prêmio e demais encargos".

 

Todavia, apesar da previsão legal e possibilidade de suspensão do contrato em razão da inadimplência do segurado, a constituição em mora através de interpelação pelo contratado é medida exigida a partir da interpretação jurisprudencial exarada pela Corte.

 

Este, inclusive, foi o posicionamento tomado pela Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), na circular 67, que determina sobre os contratos de seguro em seu art. 3º:

Art. 3º - Ao término do prazo estabelecido pelo art. 1º, sem que haja o restabelecimento facultado pelo art. 2, a apólice ficará cancelada após a notificação do segurado, com antecedência mínima de quinze dias."

 

No mesmo sentido, asseverou a ministra Nancy Andrighi, no voto que acompanhou o relator no REsp 316.552/SP:

"(...) a exigência de que o segurado seja devidamente interpelado para que, só então, cientificado de seu atraso e da consequência jurídica, seja considerado em mora para fins de suspensão da cobertura, mostra-se conciliadora e razoável."

 

No entanto, por estima à discussão, há de se salientar que, apesar de mais flexível que as decisões anteriores, o entendimento do Tribunal que exige a interpelação do segurado acaba por ferir o posicionamento legislativo em relação à constituição de mora. Preceitua o CC vigente, em seu art. 394:

Art. 394. Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer.

E também em seu art. 397:

Art. 397. O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor.

Ora, a legislação prevê que se considera em mora o devedor que não efetuar o pagamento no tempo, lugar e forma convencionados. A lei, neste tocante, define expressamente a situação que constitui a mora: inadimplemento da obrigação.

 

Deste feito, independente da interpelação, em mora se encontraria o segurado que deixasse de pagar o prêmio no tempo estipulado contratualmente. Uma vez em mora, pela lógica, não restaria devida a indenização, enquanto durasse o período de mora.

 

No entanto, a interpretação solidificada pela Corte através da súmula 616 deve passar a ser devidamente observada pelas seguradoras, de modo a garantir a devida segurança jurídica nas transações e decisões tomadas pelas empresas.

 

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1 ALVIM, Pedro. Contrato de Seguro. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

 

2 STJ. RECURSO ESPECIAL : REsp 323.251/SP 2001/0039883-9. Relator: Ministro Aldir Passarinho Junior. Julgado: 26/06/2002. Disponível em: < Clique aqui >. Acesso em: 25 set. 2018.

 

3 STJ. SUMULA 616. Publicação: 28/05/2018. Disponivel em: < Clique aqui >. Acesso em: 25 set. 2018.

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*Rafaela Denes Vialle é advogada.

*Rodrigo Carlesso Moraes é advogado.

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