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Transcendência e a perda do TST de unificar a jurisprudência a nível nacional

Se é mediante os embargos de divergência que o Tribunal unifica a jurisprudência nacional no país, sem o conhecimento da revista, essa jurisprudência não será mais unificada nacionalmente, mas sim, de forma regional, pois a última decisão de mérito será a dos Tribunais Regionais perdendo o TST sua função precípua e de maior relevância que é a de dizer o direito do trabalho para o Brasil.

10/12/2018

A lei 13.467, de 13 de julho de 2017, incluiu no artigo 896 consolidado a regulamentação da transcendência, matéria que não foi regulamentada por mais de dezesseis anos pelos próprios ministros do TST e que, ao meu ver, esvazia o principal recurso apreciado pela Corte Trabalhista, mediante um requisito subjetivo concedido aos ministros daquela Corte para conhecerem da revista, além de todas as restrições já existentes para admissão e apreciação do referido recurso.

Vejam que o TST, recentemente, alterou sua súmula 337, restringindo ainda mais a possibilidade de conhecimento do recurso de revista por divergência, nos seguintes termos:

Súmula 337

COMPROVAÇÃO DE DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. RECURSOS DE REVISTA E DE EMBARGOS (incluído o item V)

I - Para comprovação da divergência justificadora do recurso, é necessário que o recorrente:

a) Junte certidão ou cópia autenticada do acórdão paradigma ou cite a fonte oficial ou o repositório autorizado em que foi publicado; e

b) Transcreva, nas razões recursais, as ementas e/ou trechos dos acórdãos trazidos à configuração do dissídio, demonstrando o conflito de teses que justifique o conhecimento do recurso, ainda que os acórdãos já se encontrem nos autos ou venham a ser juntados com o recurso.

II - A concessão de registro de publicação como repositório autorizado de jurisprudência do TST torna válidas todas as suas edições anteriores.

III – A mera indicação da data de publicação, em fonte oficial, de aresto paradigma é inválida para comprovação de divergência jurisprudencial, nos termos do item I, “a”, desta súmula, quando a parte pretende demonstrar o conflito de teses mediante a transcrição de trechos que integram a fundamentação do acórdão divergente, uma vez que só se publicam o dispositivo e a ementa dos acórdãos.

IV – É válida para a comprovação da divergência jurisprudencial justificadora do recurso a indicação de aresto extraído de repositório oficial na internet, desde que o recorrente:

a) transcreva o trecho divergente;

b) aponte o sítio de onde foi extraído; e

c) decline o número do processo, o órgão prolator do acórdão e a data da respectiva publicação no diário eletrônico da Justiça do Trabalho.

V – A existência do código de autenticidade na cópia, em formato pdf, do inteiro teor do aresto paradigma, juntada aos autos, torna-a equivalente ao documento original e também supre a ausência de indicação da fonte oficial de publicação.

 

Ou seja, o advogado para comprovar a divergência tem de juntar certidão ou cópia autenticada do acórdão paradigma, ou citar a fonte oficial ou repositório autorizado em que foi publicado e tem de transcrever nas razões recursais as ementas ou trechos dos acórdãos trazidos à configuração do dissídio, demonstrando o conflito de teses que justifique o conhecimento do recurso.

Também deve o advogado indicar, de forma explícita e fundamentada, contrariedade a dispositivo de lei ou súmula e orientação jurisprudencial do TST que conflite com a decisão regional.

Precisa ainda de expor as razões do pedido de reforma impugnando todos os fundamentos jurídicos da decisão recorrida, com demonstração analítica de cada dispositivo de lei, da Constituição Federal, de súmula ou orientação jurisprudencial cuja contrariedade aponte.

Necessita transcrever na peça recursal, no caso de suscitar preliminar de nulidade de julgado por negativa de prestação jurisdicional, o trecho dos embargos declaratórios em que foi pedido o pronunciamento do tribunal sobre a questão veiculada no recurso ordinário e o trecho da decisão regional que rejeitou os embargos quanto ao pedido.

Por essas razões, passíveis de serem apreciadas pelo crivo do presidente do Tribunal Regional respectivo e, posteriormente, do relator no TST, estatisticamente poucos passaram a ser os recursos de revista conhecidos nessa Corte Superior Trabalhista, que tem como objetivo máximo unificar a jurisprudência trabalhista no país.

Sabe-se que os processos da Justiça do Trabalho são efetivamente diferentes dos processos na Justiça comum. Nessa Justiça especializada trabalhista em um processo, na maioria das vezes, reclama-se inúmeros direitos, decorrentes de violações sofridas pelos trabalhadores na empresa, enquanto que na Justiça comum discute-se normalmente uma tese.

Certamente, por isso mesmo, temos uma justiça especializada que os doutos de plantão querem sempre comparar com a justiça comum, como se fosse nossa Justiça inferior e precisasse ter contornos, especialmente processuais, com processo que não o trabalhista.

Ora, com esse entendimento é que procuram esses juristas transformar uma justiça célere, com peculiaridades próprias, com tribunais e magistrados do mais alto conhecimento e sensibilidade sobre a matéria, em uma justiça complicada e semelhante ao que demais existe e emperra os processos no país.

É necessário dizer, e talvez até dizer com muita ênfase, que a nossa Justiça do Trabalho, o nosso processo do trabalho, algo que foi conquistado pela classe trabalhadora com árduo combate e com estudos aprimorados de juristas vinculados a essa Justiça , e cito apenas como exemplo Mozart Victor Russomano, Arnaldo Sussekind, Coqueijo Costa e Guimarães Falcão, não pode continuar a ser desvirtuado com medidas legais que o compare com normas aplicáveis à Justiça comum, como aconteceu com recursos repetitivos e agora com a transcendência, pois não há como julgar transcendente um pedido em reclamação na qual se discute seis ou dez matérias, como também é um atraso usar-se recurso repetitivo para que os autos, com relação a temas diferentes, voltem a ter novo julgamento com relação às demais matérias debatidas, transformando o que era célere em passos de tartaruga.

Os processos no TST crescem vertiginosamente porque nas Varas o volume é cada vez maior; o Brasil se desenvolve, a economia tem a tendência de crescimento e, nessa fase então de desemprego, surgem também os direitos dos milhares de trabalhadores demitidos.

Por outro lado, o TST tem a função de unificar a jurisprudência dos Tribunais do país, e ninguém unifica jurisprudência por subjetivismo, ou relevância. Além do mais, todos os processos trabalhistas são relevantes, porque tratam de matéria alimentar, não podendo se descaracterizar o interesse de um empregado que ganha salário mínimo, por exemplo, porque sua causa não tem objetivos políticos, ou econômicos.

Mas recentemente, em 2014, houve uma reforma do artigo 896 da CLT, concernente ao recurso de revista, pela lei 13.015, de 2014, e daí as alterações da súmula 337, exigindo-se que nesse recurso, além de ter de se demonstrar a violação de lei ou divergência jurisprudencial, necessita nele ser indicado o trecho da decisão recorrida, o prequestionamento da controvérsia, a contrariedade à disposição da lei, súmula ou OJ, e a exposição das razões de pedido de reforma impugnando todos os fundamentos jurídicos da decisão recorrida, como acima demonstrado.

Verifica-se, após essa reforma da lei 13.015, que quase oitenta a noventa por cento de recursos de revista não são conhecidos no TST, ou inadmitidos pelos presidentes dos regionais, sendo que extinguiu-se também a possibilidade de embargos no próprio TST por violação legal, somente cabendo por divergência jurisprudencial, ou seja, não conhecido o recurso de revista, inexiste, em tese, divergência para alcançar-se o recurso final que unificará a jurisprudência a nível nacional.

E como se regulamentou a transcendência nessa nova lei?

Está ela baseada em quatro indicadores:

 

I – econômico: elevado valor da causa.

 

II – político: desrespeito da instância recorrida à jurisprudência sumulada do TST ou STF.

 

III – social: postulação, por reclamante-recorrente, de direito social constitucionalmente assegurado.

 

IV - jurídica: existência de questão nova em torno da interpretação da legislação trabalhista.

 

Pois bem, tais indicadores, que são aplicados pelos relatores dos processos nos recursos de revista e agravos, e que, se aplicados nos agravos não comportam recurso, são totalmente subjetivos, ou seja, cabe ao entendimento pessoal de cada ministro não conhecer da revista, ainda que fundamentada em todos os incisos legais, se entender que não possui o processo um indicador que possibilite seu conhecimento.

Por exemplo, no indicador econômico uma causa de mil reais será transcendente para uma grande empresa? Parece-me que não. E para o porteiro que ganha salário mínimo nessa empresa?

E quanto à transcendência social que é cabível nos recursos de empregados em decorrência de matéria constitucional? Só quem tem interesse social é o empregado? Todos os artigos da nova lei tratam de direitos sociais e assim todas as revistas interpostas por trabalhadores serão conhecidas?

A lei, porém, não dispõe sobre recurso de embargos de divergências entre transcendências nas turmas. Quem fará a unificação jurisprudencial do tema transcendência?

Por outro lado, transcendência não pode ser confundida com repercussão geral, pois não se está frente a um Supremo Tribunal que julga apenas matéria constitucional, única constante no recurso, enquanto que na Justiça do Trabalho quase todos os processos trazem cinco ou mais pedidos.

Assim, se for admitida ou não a transcendência de um dos pedidos, como serão julgados os demais, ou voltará o processo para apreciação dos outros fundamentos da revista quanto aos diversos pedidos?

Efetivamente o objetivo é o de reduzir os processos no TST, julgando-se apenas questões relevantes.

Mas, infelizmente, não é esse o papel do TST no país, pois sua função principal é unificar a jurisprudência da lei federal e essa engloba direitos, TODOS ELES RELEVANTES, porque deles depende a vida do trabalhador.

A Justiça do Trabalho é, e não deixará de ser, uma Justiça especial, embora já lhe cortassem os classistas, o poder normativo, a estabilidade, a relação de emprego que agora é de trabalho, e nela procura-se dar um ar de processo comum, mediante repercussão geral e uniformização de jurisprudência.

Volto, porém, a dizer que essas medidas, benéficas ao direito comum, atrasam mais ainda o direito do trabalho que deveria sofrer uma reforma na base e não no ápice.

Mas agora, passado algum tempo de aplicação da nova exigência do artigo 896 consolidado sobre transcendência, como está ela sendo decidida pelos ministros?

Na maioria dos julgamentos e despachos, quando negada a transcendência, está se usando de decisões que não se aprofundam no subjetivismo da tese, impossibilitando até mesmo um banco de dados sobre o que venha a ser ou não transcendente.

Exemplificando, no AI 879-57.2015.5.10.008, no qual se discute reintegração, salário vencido, verbas rescisórias, indenização por danos morais, pensão vitalícia, despesas médicas, multa rescisória e honorários advocatícios, sobre a transcendência houve o seguinte despacho:

“Do exposto, patente a ausência de transcendência da causa, nos termos dos artigos 896 A, parágrafo 5º da CLT e 118, X do regimento interno do TST, nego seguimento ao agravo de instrumento e determino a imediata baixa dos autos à origem, por não ser cabível qualquer recurso desta decisão."

Diz o eminente relator em seu despacho que não há transcendência porque o valor da causa não é elevado, não se desrespeita a jurisprudência sumulada, não há demonstração de transcendência social, porque o recurso de revista não versa sobre direito social constitucionalmente assegurado e o debate sobre responsabilidade subsidiária não traz questões novas e relevantes em torno da interpretação da lei trabalhista.

Mas vejam, são seis teses levantadas no recurso de revista, tais como enriquecimento sem causa, intervalo intrajornada, igualdade da imputabilidade, ausência de responsabilidade subsidiária e jornada de trabalho.

Então é de se questionar, todas as seis teses não são transcendentes? Ficou demonstrada a não transcendência de tese por tese ou apenas, como se fosse um processo comum com uma só tese, afirmou-se um despacho padrão abrangente de todo o processo?

E mais ainda, cabe recurso desse despacho monocrático que acaba com o recurso e qualquer possibilidade de êxito de qualquer uma das teses? Não, pois embora os doutos digam que se trata de pressuposto de admissibilidade requisito de exigência do conhecimento do recurso, como se fosse equivalente à falta de procuração, ou perda de prazo, na verdade a transcendência é o mérito do próprio recurso e não existe , em qualquer processo, despacho monocrático de mérito contra o qual não caiba recurso, somente no processo trabalhista.

Cito os AI RR 1618-61.2012.5.06.003, e AIRR 20366-89.2017.5.04.0402.

Não foram eles conhecidos por falta de transcendência. E ao despachar considerando a inexistência da transcendência, usou-se de despacho padronizado para os dois processos, sendo matérias diferentes alegadas nos mesmos, entre partes diferentes, estando assim expresso o parágrafo relativo à transcendência:

”...Verifica-se que os temas impugnados não oferecem transcendência em relação aos reflexos gerais de natureza política ou jurídica, seja por não haver contrariedade à súmula do TST, seja por não constituir questão nova em torno da interpretação da legislação trabalhista, mas, sim, matérias pacificadas pela jurisprudência do TST...”

No AIRR 1.415-62.2015.5.09.0019 o ilustre relator, embora afirme que a causa não versa sobre questão nova, nem de direito social nem contra súmula do TST, não havendo também comprometimento financeiro, não trata individualmente dos temas expostos no recurso, que são horas extras- enquadramento no artigo 61, I da CLT, sobreaviso e remuneração variável.

Qual desses temas não tem transcendência? Nenhum? E se um tiver transcendência os outros serão também analisados?

Outro aspecto que também demonstra a dificuldade dessa norma que criaram para o Tribunal, como pressuposto do recurso: se o relator entende que o recurso tem transcendência, mas verifica que não está ele com algum dos demais pressupostos exigidos pelo artigo 896 da CLT, poderá julgar a matéria em decorrência da relevância existente, ou deixará a questão transcendente de lado por falta de pressupostos?

E se a segunda turma do TST considerar transcendente determinada matéria e, ao contrário, a terceira assim não entender, existirá ou não transcendência? Ou só existirá para os processos que forem sorteados para a segunda turma, pois não há embargos de divergência?

Parece-me que o aspecto principal e pior dessa malfadada aplicação da transcendência no TST é que estão rareando os recursos de revista conhecidos e, sem conhecimento são incabíveis embargos de divergência para a SDI.

Ora, se é mediante os embargos de divergência que o Tribunal unifica a jurisprudência nacional no país, sem o conhecimento da revista, essa jurisprudência não será mais unificada nacionalmente, mas sim, de forma regional, pois a última decisão de mérito será a dos Tribunais Regionais perdendo o TST sua função precípua e de maior relevância que é a de dizer o direito do trabalho para o Brasil.

__________

*José Alberto Couto Maciel é sócio fundador da banca Advocacia Maciel. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho.

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