A luta contra a lavagem de dinheiro é o método mais eficaz de combate ao crime organizado hierarquizado (societas sceleris). O ataque preciso ao capital que gira sofisticadas estruturas criminosas no mundo inteiro, notadamente no tráfico de drogas, e interliga diferentes redes de corrupção, é a melhor estratégia para ao menos tentar a redução das atividades de seus agentes, ou seja, praticar a política criminal que os norte-americanos chamaram de follow the Money.
Como determinados grupos agem de forma transnacional, exige-se a cooperação internacional de diversos Estados por meio de legislações convergentes, a exemplo da convenção de Viena (1988) originada de reunião da organização das nações unidas (ONU) e da convenção de Palermo (2000), não sendo suficientes apenas as políticas nacionais localizadas.
Atualmente, contamos com o financial action task force (FATF - global) e o grupo de ação financeira internacional (GAFI – sul-americano), do qual o Brasil é membro, que tem o escopo de formular recomendações à prevenção e repressão à lavagem e ao financiamento do terrorismo por meio do confisco dos lucros dos delitos cometidos.
No Brasil, em 1998, o aprovou-se a primeira lei de lavagem de dinheiro (lei 9.613/98), que tipificou o mascaramento, previu regras administrativas e criou o conselho de controle de atividades financeiras (COAF).
Em 2012, a lei 12.683/12 que alterou a lei 9.613/98 contou com a participação nos debates de diversos órgãos públicos relevantes para o tema, como a RFB, o BC, o Ministério da Justiça, a PF, o MPF, a Justiça Federal, etc.
E nos termos do art. 1º da lei 9.613/98, alterada pela lei 12.683/12, a lavagem de dinheiro é a sequência de ações praticadas pelo sujeito ativo com fins de ocultação da origem, natureza, disposição, localização, propriedade ou movimentação de determinado bem, direito ou valor de origem em crime ou contravenção penal para que, em último escopo, possa inseri-lo novamente na economia formal com falso aspecto lícito.
Com efeito, para atender às recomendações e normas da convenção de Viena e da convenção de Palermo, a aludida lei ampliou as infrações antecedentes para todos os crimes e contravenções penais, objetivando abarcar as brechas que pudessem viabilizar a lavagem, além do fortalecimento do controle e da fiscalização de setores mais sensíveis da economia.
Para Sérgio Moro, a extinção do rol de crimes antecedentes "facilita a criminalização e a persecução penal de lavadores profissionais, ou seja, de pessoas que se dedicam profissionalmente à lavagem de dinheiro.” (MORO, 2010, p. 36)1.
O legislador optou pelo que se convencionou a chamar de tipos mistos alternativos, ao prever o encaixe ao corpo do tipo a prática de uma ou mais fases (núcleos) do delito advindas de condutas diversas.
Ademais, previu a possibilidade de realizar delação premiada a qualquer tempo, ainda que posterior à sentença condenatória (art. 1º, §5º), dispôs sobre a alienação antecipada dos bens apreendidos oriundos da lavagem (art. 4º, §1º) e possibilitou o afastamento cautelar do servidor público indiciado (art. 17-D), além da aplicação subsidiária do sequestro de bens disposto no art. 127 do Código de Processo Penal.
Para a concretização desse tipo doloso de resultado (STF, RHC 80.816-6/SP), é condição sine qua non o agente ter a plena ciência (elemento cognitivo) da ilicitude do delito-base antecedente (consumado ou tentado) e querer ocultar ou dissimular a origem ilícita (elemento volitivo).
Por isso, o mero usufruto em proveito próprio do produto do crime não caracteriza a lavagem e é tido como irrelevante do ponto de vista da administração da justiça, conforme alertam Pierpaolo Bottini e Gustavo Badaró: "se o agente utiliza o dinheiro procedente da infração para comprar imóvel, bens, ou o deposita em conta corrente, em seu próprio nome, não existe o crime em discussão." (BOTTINI; BADARÓ, 2012, p. 65)2
Classicamente, a doutrina divide o crime de lavagem de dinheiro em três fases, são elas: (i) ocultação (placement), na qual visa a afastar a visibilidade dos bens adquiridos criminosamente; (ii) dissimulação (layering), em que se objetiva separar o capital de sua origem ilícita, dissimulando os resquícios do modo como fora conseguido; (iii) e integração (integration ou recycling), na qual o dinheiro sujo reingressa na economia formal coberto pelo manto da aparência de licitude.
Como mencionado, a afetação negativa ao regular funcionamento da economia formal pelo crime em análise é salientada por diversos institutos financeiros mundiais e órgãos públicos econômicos de cada país.
O trabalho de uma unidade financeira de inteligência é de fundamental importância para sintetizar dados e identificar atos obscuros com o intuito de escamotear capitais.
No Brasil, esse órgão administrativo foi criado pela própria lei 9.613/98 e é denominado conselho de controle de atividades financeiras (COAF), composto por representantes de vários setores da Administração Pública, nos termos do art. 16.
Dentre as principais atividades e funções está a supervisão administrativa de setores sensíveis para formulação de políticas de prevenção e combate à lavagem. No campo da inteligência, cabe ao COAF receber dados, organizá-los e elaborar relatórios de inteligência financeira para subsidiar autoridades competentes para investigar ou dar início à persecução penal. No campo regulatório, cabe a elaboração de regras voltadas a determinados segmentos (bancos, corretoras, contadoras) sobre o método de registro de informações de clientes e sobre os atos suspeitos de lavagem que devem ser comunicados. Já a atividade repressiva decorre da competência para instauração de processo administrativo e de aplicação de sanções às entidades e pessoas indicadas no art. 9º.
A assessoria internacional do COAF elencou dez sinais de alerta que, se realizados em conjunto e de forma sistemática, apontam para a provável ocorrência do crime de lavagem de dinheiro, são elas:
"a) movimentações incompatíveis com a capacidade econômico-financeira dos investigados; b) contas movimentadas por procuração; c) movimentações de grandes volumes de depósitos; d) retiradas sistemáticas geralmente por meios eletrônicos; e) atuação contumaz sem revelação dos reais beneficiários; f) contas que não demonstram ser resultado das atividades normais dos envolvidos; g) operações com estrangeiros ou em regiões de fronteira; h) indícios de manipulação do mercado paralelo de câmbio; i) venda simulada de passagens aéreas; j) indícios de evasão de divisas.” (LIMA, 2014, p. 70-71)3
No tocante à presença internacional, o COAF coordena a participação brasileira em organizações multigovernamentais de prevenção e combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo (PLD/FT) visando a internalizar as recomendações dos órgãos internacionais.
Analisando os dados registrados em 2017, o número da produção anual de relatórios de inteligência financeira (RIF) vem crescendo desde 2013, quando atingiu 2.450, contra 3.178 (2014), 4.304 (2015) e 5.662 (2016), sendo certo que houve aproximadamente entre 1.000.000 e 1.500.000 comunicações.4
Apesar de toda a sistematização, tais números, em verdade, revelam a carência estrutural da unidade. Conquanto haja profissionais muito bem preparados, não há servidores o suficiente para analisar toda a informação recebida.
Não obstante isso, o Brasil melhorou substancialmente a persecução no crime de lavagem de dinheiro por meio da implementação de varas Federais especializadas a partir do ano de 2003, que reúnem procuradores e juízes Federais com experiência em crimes financeiros.
Vê-se, portanto, que o COAF representa um importante órgão no Brasil na luta contra a lavagem e o financiamento do terrorismo, contando, inclusive, com reconhecimento internacional, a exemplo do recebimento do prêmio Brasil de destaque no combate à corrupção na 5ª conferência internacional promovida pela associação nacional dos delegados de polícia Federal, em reconhecimento aos serviços prestados em prol do combate à corrupção no país.5
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1 MORO, Sérgio Fernando. Crime de lavagem de dinheiro. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 36.
2 BOTTINI, Pierpaolo Cruz; BADARÓ, Gustavo Henrique. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais: comentários à lei 9.613/98, com alterações da lei 12.683/12. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 65.
3 LIMA, Vinícius de Melo. Lavagem de dinheiro e ações neutras: critérios de imputação penal legítima. Curitiba: Juruá, 2014. p. 70-71.
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BOTTINI, Pierpaolo Cruz; BADARÓ, Gustavo Henrique. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais: comentários à lei 9.613/98, com alterações da lei 12.683/12. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.
LIMA, Vinícius de Melo. Lavagem de dinheiro e ações neutras: critérios de imputação penal legítima. Curitiba: Juruá, 2014.
MORO, Sérgio Fernando. Crime de lavagem de dinheiro. São Paulo: Saraiva, 2010.
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*Vinícius Lacerda é mestre em Direito pela Faculdade Milton Campos-MG.