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O litisconsórcio e a coligação: a lei processual luso e brasileira

O presente artigo tem por objetivo analisar de maneira comparativa os institutos do litisconsórcio e da coligação, existentes no direito processual brasileiro e lusitano, respectivamente. Para tanto, as autoras abordam as características e diferenças entre os dois institutos, bem como jurisprudência relevante nesse sentido.

21/11/2018

1 Introdução

A doutrina se utiliza da clássica figura geométrica do triângulo para demonstrar a estrutura tríplice da relação jurídica processual, sendo cada um dos ângulos desse triângulo o juiz, o autor e o réu. Para que essa relação exista, ela precisa ser, no mínimo, composta por esses três sujeitos processuais. (DINAMARCO,2001, p. 29).

No entanto, a vida social do homem gera outros diversos tipos de relações jurídicas, algumas em que os sujeitos dessas relações acabam convergindo em função de um mesmo fato ocorrido. Desse modo, um mesmo direito ou obrigação pode ter mais de um titular ou os direitos e obrigações de uma só pessoa podem dar origem à situações jurídicas de outras pessoas.

Essa pluralidade de pessoas rompe a estrutura inicial da forma geométrica da relação processual, uma vez que os polos estão constituídos por outros integrantes.

Ao tratarmos de pluralidade de partes, estamos nos referindo a sujeitos plúrimos atuando em um só processo, no qual existem três ou mais sujeitos litigantes. Cada um desses sujeitos se aglutinarão em um dos polos da relação jurídica processual, como veremos ao longo desse trabalho.

2 Tipos de litisconsórcio no Brasil

 

2.1 O litisconsórcio ativo, misto e passivo

Para classificarmos o tipo de litisconsórcio, precisamos analisar em qual polo da relação processual o sujeito está. Para que o litisconsórcio seja classificado como misto, é preciso que haja a multiplicidade de pessoas compondo ambos os lados da relação processual.

2.2 O litisconsórcio inicial e ulterior

O litisconsórcio inicial surge no início da demanda processual quando os sujeitos de um mesmo polo dessa demanda postulam ao mesmo tempo em um incidente processual.

Já a figura do litisconsórcio ulterior somente aparece após o início do procedimento processual. São três as razões que podem dar causa à sua formação. A primeira delas é a chamada intervenção de terceiro; a segunda é a sucessão processual, que acontece quando os herdeiros substituem a parte falecida; e a terceira é pela conexão e continência. (DIDIER, 2015, p. 450).

 

A intervenção de terceiros está prevista no Código de Processo Civil de 2015 lei 13.105, de 16 de março de 2015, artigo 119, in verbis:

"Art. 119. Pendendo causa entre 2 (duas) ou mais pessoas, o terceiro juridicamente interessado em que a sentença seja favorável a uma delas poderá intervir no processo para assisti-la.

Parágrafo único. A assistência será admitida em qualquer procedimento e em todos os graus de jurisdição, recebendo o assistente o processo no estado em que se encontre" (CÓDIGO, 2016, 37).

 

A sucessão processual está prevista no Código de Processo Civil de 2015, no artigo 110, in verbis:

 

"Art. 110. Ocorrendo a morte de qualquer das partes, dar-se-á a sucessão pelo seu espólio ou pelos seus sucessores, observado o disposto no art. 313, §§ 1º e 2º" (CÓDIGO, 2016, 36).

 

A conexão e continência, são as terceiras e últimas modalidades da razão da formação do litisconsórcio ulterior, estão previstas nos artigos 55 e 58 do Código de Processo Civil de 2015, in verbis:

 

“Art. 55. Reputam-se conexas 2 (duas) ou mais ações quando lhes for comum o pedido ou a causa de pedir.

§ 1º Os processos de ações conexas serão reunidos para decisão conjunta, salvo se um deles já houver sido sentenciado.

§ 2º Aplica-se o disposto no caput:

I - à execução de título extrajudicial e à ação de conhecimento relativa ao mesmo ato jurídico;

II - às execuções fundadas no mesmo título executivo.

E

Art. 58. A reunião das ações propostas em separado far-se-á no juízo prevento, onde serão decididas simultaneamente” (CÓDIGO, 2016, 22).

 

2.3 Unitário e simples

 

O litisconsórcio unitário ocorre quando o julgamento do mérito terá que ser o mesmo para todos os seus integrantes, ou seja, o julgamento ocorrerá de forma uniforme para os litisconsortes. Assim sendo, não existe a possibilidade de nesse instituto haver julgamento diverso entre os sujeitos desse instituto. (DIDIER, 2015, p. 450).

 

Para que o litisconsórcio seja classificado como unitário, é preciso que no mérito a sua natureza jurídica seja indivisível. Desse modo, são dois os pressupostos que contemplam a sua unitariedade, o primeiro é que os agentes do litisconsórcio demandam apenas uma relação jurídica, o segundo pressuposto está relacionado à indivisibilidade dessa relação jurídica. É o que determina o artigo 116 do Código de Processo Civil a respeito do litisconsórcio unitário:

"Art. 116. O litisconsórcio será unitário quando, pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir o mérito de modo uniforme para todos os litisconsortes". (CÓDIGO, 2016, 37).

Diferentemente do litisconsórcio unitário, o litisconsórcio simples, ou comum, tem como principal característica a possibilidade de a decisão judicial a respeito do mérito não ser a mesma para todos os litisconsortes, ou seja, ela pode ser diferente para cada um de seus integrantes. Basta que haja possibilidade de uma decisão judicial ser distinta para um dos litisconsortes para que o litisconsórcio seja classificado como simples.

Portanto, o litisconsórcio simples surge quando seus integrantes estão a discutir uma pluralidade de relações jurídicas, sendo tratados como partes autônomas.

2.4 Tipos de litisconsórcio necessário

O litisconsórcio necessário atua na formação do litisconsórcio e surge na existência de vários sujeitos em um mesmo polo da relação jurídica que, por acerto entre essas partes ou imposição judicial, formam o litisconsórcio. Quando dessa formação acordada, ou imposta judicialmente, podemos classifica-lo como necessário (DIDIER, 2012).

São tipos de litisconsórcio necessário:

a) Litisconsórcio unitário: o litisconsórcio necessário aparecerá em duas hipóteses. A primeira delas é no caso dele ser unitário passivo, situação consolidada pelo artigo 114 do Código de Processo Civil:

"Art. 114. O litisconsórcio será necessário por disposição de lei ou quando, pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficácia da sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes". (CÓDIGO, 2016, 37).

É importante nos atentarmos que nesse tipo de litisconsórcio, a eficácia da sentença dependerá da citação de cada um de seus agentes. (DIDIER, 2015, p. 452).

b) Litisconsórcio necessário passivo é o segundo tipo de litisconsórcio necessário (DIDIER, 2016, p. 463). Está postulado na primeira parte do artigo 114 citado anteriormente, em "O litisconsórcio será necessário por disposição de lei".

Destarte, cabe esclarecer que o litisconsórcio necessário por força da lei pode perfeitamente ser um tipo de litisconsórcio simples, uma vez que basta que a lei estabeleça a sua obrigatoriedade.

Assim, podemos afirmar que o litisconsórcio necessário por força da lei é classificado como litisconsórcio necessário-simples. Exemplos mais comuns desse tipo de litisconsórcio:

a) litisconsórcio entre cônjuges:

"Art. 73. O cônjuge necessitará do consentimento do outro para propor ação que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime de separação absoluta de bens:

§ 1o Ambos os cônjuges serão necessariamente citados para a ação:

I - que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime de separação absoluta de bens;

II - resultante de fato que diga respeito a ambos os cônjuges ou de ato praticado por eles;

III - fundada em dívida contraída por um dos cônjuges a bem da família;

IV - que tenha por objeto o reconhecimento, a constituição ou a extinção de ônus sobre imóvel de um ou de ambos os cônjuges" (CÓDIGO, 2016, 25).

b) ação de demarcação de terras:

"Art. 574. Na petição inicial, instruída com os títulos da propriedade, designar-se-á o imóvel pela situação e pela denominação, descrever-se-ão os limites por constituir, aviventar ou renovar e nomear-se-ão todos os confinantes da linha demarcanda" (CÓDIGO, 2016, 128).

c) ação de usucapião de imóveis:

"Art. 246. A citação será feita: § 3o Na ação de usucapião de imóvel, os confinantes serão citados pessoalmente, exceto quando tiver por objeto unidade autônoma de prédio em condomínio, caso em que tal citação é dispensada" (CÓDIGO, 2016, 61).

A título de exemplo, o STF decidiu por ocasião do julgamento do processo de RE 954.418 que não é possível fracionar honorários advocatícios de sucumbência devidos pela Fazenda Pública, em tantas execuções autônomas quantos forem os credores litisconsortes ativos facultativos da ação coletiva, pois tal conduta configura tentativa de fraude ao regime de precatórios1.

___________

 

1 BRASIL. STF. RE 954418. Relator: ministro Teori Zavascki. Segunda turma. Julgado em 9 ago. 2016. Divulgado em: 30 ago 2016. Publicado em: 31 ago. 2016.

___________

 

*Nara Pinheiro Reis Ayres de Britto é advogada e sócia do escritório Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia.

 

*Alanna Caroline Brito Muniz Ribeiro é colaboradora do escritório Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia.

 

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