Passadas as eleições, com os ânimos menos acirrados, é hora de refletirmos sobre a polarização que tomou conta do país durante o período eleitoral e sobre os malefícios que ela causa a uma nação em busca do desenvolvimento pleno. A cisão provocada por manifestações políticas extremadas é ainda mais grave quando, concentrada nos meios acadêmicos, rouba o protagonismo que, por excelência, deveria ser do questionamento saudável, da curiosidade científica e do debate franco e leal – ingredientes fundamentais para a construção do conhecimento. Foi o que se viu durante a campanha eleitoral, notadamente nas três semanas de outubro que separaram o primeiro e o segundo turnos da corrida majoritária destas eleições. Com autorização policial, as universidades foram alvos de ações policiais por suspeita de campanha irregular. A reação veio em forma de protestos e campanhas que destacaram a autonomia dessas instituições e de seus professores.
Teria a liberdade de expressão – pilar democrático garantido pela Constituição Federal, agora trintenária – realmente sido afrontada? A resposta passa pelo necessário reconhecimento de que nenhum direito pode ser absoluto. Lembremos o que escreveu em 2003 o ministro Celso de Mello no voto em que negou o HC pedido pelo editor gaúcho Siegfried Ellwanger, acusado pelo crime de racismo:
“O direito à livre expressão do pensamento, contudo, não se reveste de caráter absoluto, pois sofre limitações de natureza ética e de caráter jurídico. Os abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento, quando praticados, legitimarão, sempre 'a posteriori', a reação estatal, expondo aqueles que os praticarem a sanções jurídicas, de índole penal ou de caráter civil. Se assim não fosse, os atos de caluniar, de difamar, de injuriar e de fazer apologia de fatos criminosos, por exemplo, não seriam suscetíveis de qualquer reação ou punição, porque supostamente protegidos pela cláusula da liberdade de expressão”.
Embora em diferente medida e em distintas circunstâncias, também no caso das universidades verifica-se que a liberdade de expressão é muitas vezes invocada para dar descabida legitimidade a posturas passionais e alheias ao universo da educação.
Quando se pondera sobre a finalidade das instituições de ensino e sobre a justa medida de sua atuação – que precisa, por sua natureza, contemplar as múltiplas visões – se chega à conclusão elementar de que é o bom senso que deve pautar as manifestações de cunho político ideológico nesses espaços.
Se por um lado a repressão policial se mostra descabida, por outro não se pode aceitar que a liberdade de expressão sirva como escudo para a doutrinação ou a formação de redutos político-partidários, em qualquer ambiente educacional. Para além do bom senso, temos um diploma legal como fiel da balança. Da lei de Diretrizes e Bases (LDB – lei 9394/96) constam os parâmetros – consagrados no ordenamento jurídico – que fixam os limites razoáveis para abordagens políticas na educação brasileira.
Lançando mão dos mecanismos que barram abusos e delegando ao Ministério da Educação a tarefa de fiscalizar o que preconiza a LDB, devemos nos despir dos maniqueísmos e, com serenidade, rumar na direção que o Brasil precisa. Com bom senso e apostando nos investimentos consistentes em educação e pesquisa é que poderemos fazer o país passar da promessa à realização em sua vocação para o gigantismo.
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