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O contribuinte de boa-fé protegido

Age de boa-fé o contribuinte que, cercado das cautelas de praxe, tem razões suficientes para acreditar que está praticando um ato em conformidade com o direito, mesmo que ignore o fato de seu ato estar em descompasso com a legislação. Em tais casos, os Tribunais têm assegurado a devida proteção jurídica aos contribuintes de boa-fé. Para que este artigo tenha uma utilidade prática, faremos um apanhado de diversas situações que já foram apreciadas pelo Judiciário e decididas em favor do contribuinte que agiu de boa-fé.

24/8/2006


O contribuinte de boa-fé protegido

 

Eduardo Borges*

 

Age de boa-fé o contribuinte que, cercado das cautelas de praxe, tem razões suficientes para acreditar que está praticando um ato em conformidade com o direito, mesmo que ignore o fato de seu ato estar em descompasso com a legislação. Em tais casos, os Tribunais têm assegurado a devida proteção jurídica aos contribuintes de boa-fé.

 

Para que este artigo tenha uma utilidade prática, faremos um apanhado de diversas situações que já foram apreciadas pelo Judiciário e decididas em favor do contribuinte que agiu de boa-fé.

 

Os casos que serão apresentados agrupam-se em quatro categorias: (i) aqueles onde o contribuinte de boa-fé foi exonerado do pagamento do próprio tributo; (ii) aqueles onde foi assegurado ao contribuinte de boa-fé o aproveitamento de créditos tributários aos quais, em regra, não teria direito; (iii) aqueles em que foi cancelada a cobrança de multa do contribuinte de boa-fé que deixou de recolher o tributo devido e (iv) aqueles em que foi afastada a multa cobrada pelo descumprimento de obrigação acessória imposta pela legislação.

 

Na primeira categoria, destacamos os casos em que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) cancelou a cobrança de ICMS endereçada a contribuintes de boa-fé que venderam mercadorias a empresas declaradas inidôneas pelo fisco posteriormente à ocorrência das operações, época em que se encontravam devidamente cadastradas perante a administração tributária. Em tais casos, o fisco pretendeu responsabilizar o vendedor pelo recolhimento do ICMS, mas o STJ afastou a cobrança do imposto sob o fundamento de que a responsabilidade tributária não persistia quando o contribuinte vendedor tivesse agido de boa-fé.

 

Segundo o STJ, “não há como a declaração de idoneidade da compradora alcançar o vendedor de boa-fé”. Do voto condutor do acórdão proferido no julgamento do Recurso Especial (RESP) nº 90.153, vale conferir, ainda, o seguinte trecho: “A venda foi realizada através de notas fiscais de produtor, havendo as mercadorias sido retiradas de sua propriedade por motoristas contratados pela compradora. (...) Diferente seria a solução para o caso se se tratasse de suposta venda, com conseqüente falsa saída da mercadoria, a empresa que nunca chegou a existir e se a operação fosse montada em cima de documentação viciada e de fraude arquitetada com o objetivo único de não recolher o imposto”.

 

Na categoria das decisões que asseguraram ao contribuinte de boa-fé o direito ao aproveitamento de créditos, enquadram-se os precedentes do STJ que autorizaram o creditamento do ICMS incidente – embora não recolhido – em operações praticadas por contribuintes de boa-fé com empresas inidôneas nas quais o preço tenha sido efetivamente pago e as mercadorias entregues. Destas decisões, a mais recente segue parcialmente transcrita abaixo:

<_st13a_metricconverter productid="1. A" w:st="on">1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça pacificou-se no sentido de que é possível o aproveitamento de crédito de ICMS relativo a notas fiscais consideradas inidôneas pela fiscalização. Todavia, para tanto, é necessário que o contribuinte demonstre, pelos registros contábeis, que a operação de compra e venda efetivamente se realizou, incumbindo-lhe, portanto, o ônus da prova.

 

2. O disposto no art. 136 do CTN não dispensa o contribuinte, empresa compradora, da comprovação de que as notas fiscais declaradas inidôneas correspondem a negócio efetivamente realizado.” (RESP nº 625.791)

Na terceira categoria (a dos julgados que excluíram a multa aplicada aos contribuintes que deixaram de recolher o tributo de boa-fé), destaca-se o seguinte julgado do STJ, que concluiu que o contribuinte não poderia ser penalizado pelo não recolhimento do ICMS na medida em que presumia não ser contribuinte desse imposto, mas do ISS. Confira-se:

“TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. RECOLHIMENTO REITERADO DO ISS. COSTUME. ART. 100, III E PARÁGRAFO ÚNICO, DO CTN. AUTO DE INFRAÇÃO. ICMS. BOA-FÉ. CONTRIBUINTE. MULTA. EXCLUSÃO. JUROS MORATÓRIOS. CORREÇÃO MONETÁRIA. DIES A QUO. NOTIFICAÇÃO.

 

I - Presume-se a boa-fé do contribuinte quando este reiteradamente recolhe o ISS sobre sua atividade, baseado na interpretação dada ao Decreto-Lei nº 406/68 pelo Município, passando a se caracterizar como costume, complementar à referida legislação.

 

II - A falta de pagamento do ICMS, pelo fato de se presumir ser contribuinte do ISS, não impõe a condenação em multa, devendo-se incidir os juros e a correção monetária a partir do momento em que a empresa foi notificada do tributo estadual.” (RESP 215.655).

Finalmente, na quarta categoria (a dos julgados que excluíram a multa dos contribuintes que descumpriram obrigações acessórias de boa-fé), vale destacar a seguinte decisão do STJ:

“I - Apesar da norma tributária expressamente revelar ser objetiva a responsabilidade do contribuinte ao cometer um ilícito fiscal (art. 136 do CTN), sua hermenêutica admite temperamentos, tendo em vista que os arts. 108, IV e 112 do CTN permitem a aplicação da eqüidade e a interpretação da lei tributária segundo o princípio do in dúbio pro contribuinte. Precedente: REsp nº 494.080/RJ, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ de 16/11/2004.

 

II - In casu, o Colegiado a quo, além de expressamente haver reconhecido a boa-fé do contribuinte, sinalizou a inexistência de qualquer dano ao Erário ou mesmo de intenção de o provocar, perfazendo-se, assim, suporte fáctico-jurídico suficiente a se fazerem aplicar os temperamentos de interpretação da norma tributária antes referidos.” (RESP nº 699.700).

Essas são algumas das situações práticas em que os Tribunais impediram que o contribuinte fosse penalizado em razão de ter agido de boa-fé.

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*Presidente do IPT - Instituto de Pesquisas Tributárias, coordenador e professor do LLM <_st13a_personname productid="em Direito Tributário" w:st="on">em Direito Tributário do IBMEC/SP e advogado tributarista do Ulhôa Canto, Rezende e Guerra – Advogados

 

 

 


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