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O futuro dos sindicatos e do direito coletivo do trabalho no governo do presidente eleito Jair Bolsonaro

É o Brasil rumo ao progresso, ao cumprimento dos compromissos internacionais e à liberdade sindical plena e completa. Espera-se que a promessa de campanha seja brevemente cumprida, para que o modelo sindical brasileiro possa avançar e amadurecer democraticamente, por meio do diálogo espontâneo entre os atores sociais.

1/11/2018

“[...] propomos a permissa~o legal para a escolha entre sindicatos, viabilizando uma sauda'vel competic¸a~o que, em u'ltima insta^ncia, beneficia o trabalhador. O sindicato precisa convencer o trabalhador a voluntariamente se filiar, atrave's de bons servic¸os prestados a` categoria. Somos contra o retorno do imposto sindical”. Essa é proposta que consta no item “Economia”, subitem “Modernizac¸a~o da Legislac¸a~o Trabalhista”, do plano de plano de governo do presidente eleito Jair Messias Bolsonaro.1

Em termos jurídicos, o que se propõe é a ampla e completa adoção do princípio da liberdade sindical no Brasil, com a extirpação da vetusta regra da unicidade sindical, pela qual há uma imposição normativa de sindicato único, na mesma base territorial, representativa da mesma categoria e está prevista no art. 8º, inciso II, da CRFB/88, verbis: “é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um município”.

Esse dispositivo constitucional é limitador da liberdade sindical, por isso se diz que no Brasil ela não é plena. Fala-se em liberdade sindical incompleta, pois o sistema constitucional brasileiro, em que pese prever expressamente o princípio da liberdade sindical (art. 8º, caput, CRFB/88), prevê sérias e graves restrições a esse princípio, dentre os quais a imposição da unicidade sindical, cuja extinção é promessa do presidente eleito.

A Constituição de 1988, apesar de romper de forma significativa com o modelo corporativista anterior, manteve traços ou características do modelo anterior, representado por normas que se mostram incompatíveis com um sistema pleno de direito à liberdade sindical.2 Tratam-se de marcas características do modelo corporativista que ainda resiste em pleno Estado Democrático de Direito.

Consectário lógico da unicidade é o monopólio sindical por imposição do Estado, pois os trabalhadores, nesse sistema, não são livres para constituírem e se filiarem aos sindicatos de sua escolha, porque estão obrigatoriamente e automaticamente representados pelo sindicato de sua categoria imposto pela lei. Nesses casos, a agregação de trabalhadores não é espontânea, pois não há liberdade de escolha por parte do empregado.

É justamente esse modelo de unicidade sindical (sindicato único e monopolizador, por imposição legal) que, aliado à obrigatoriedade da contribuição sindical, atualmente extinta pela reforma trabalhista, provocou uma profunda crise de representatividade sindical e a explosão do número de entidades, atualmente em torno de 17 mil no país, com baixo índice de sindicalização. Números oficiais recentes demonstram que o percentual de trabalhadores sindicalizados em 2015 era apenas de 19,5%, o equivalente a 18,4 milhões de um total de 94,4 milhões de trabalhadores ocupados no país.3

Entre os 83,1 milhões de não sindicalizados (80,9% do total de trabalhadores), o principal motivo apontado (26,4%) para a não associação era o desconhecimento do sindicato que representava sua categoria. São tantos os sindicatos sem representatividade que os empregados sequer sabem da sua existência. Outras razões citadas foram o sindicato não ter serviços que lhes interessavam (23,6%); descrédito no sindicato ou entendimento de que ele não representava seus interesses (16,6%); e o não conhecimento sobre como se associar (11,8%).

Cumprida a proposta do plano de governo, o Brasil deixará para trás um dos piores resquícios do Estado corporativista, que ainda impregna as relações de trabalho no país. Dará, pois, significativo passo em defesa da liberdade sindical e passará a finalmente respeitar e cumprir seu compromisso internacional disposto no art. 2º da convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho, que trata da liberdade sindical nos seguintes termos: “Os trabalhadores e os empregadores, sem distinção de qualquer espécie, terão direito de constituir, sem autorização prévia, organizações de sua escolha, bem como o direito de se filiar a essas organizações, sob a única condição de se conformar com os estatutos das mesmas”.

De fato, é acertada a proposta quando afirma que a permissa~o legal para a escolha entre sindicatos viabilizará uma sauda'vel competic¸a~o entre os trabalhadores, de modo que o sindicato precisará mesmo convencer o trabalhador a voluntariamente se filiar, o que se dará por meio de bons servic¸os prestados a` categoria.

Cumpre registrar que a liberdade sindical também está prevista em outros instrumentos internacionais ratificados pelo Brasil, a exemplo do PIDESC – Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (art. 8º) e da Declaração Universal dos Direitos do Homem (art. 23, item 4). Igualmente, o Brasil ratificou o Protocolo de San Salvador (Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais), incorporado ao ordenamento jurídico interno pelo decreto 3.321 de 1999, com status de supralegalidade4, cuja primeira parte do art. 8º, item 1, alínea “a” determina aos Estados partes que garantam “o direito dos trabalhadores de organizar sindicatos e de filiar-se ao de sua escolha, para proteger e promover seus interesses”.

Outrossim, o Brasil, pelo simples fato de ser membro da Organização Internacional do Trabalho, é obrigado a cumprir a convenção 87 da OIT, por ser ela uma das Convenções Fundamentais do referido organismo internacional. Com efeito, segundo a Declaração da OIT sobre os princípios e direitos fundamentais no trabalho todos os membros, dentre os quais o Brasil, ainda que na~o tenham ratificado as convenc¸o~es aludidas, te^m um compromisso derivado do fato de pertencer a` Organizac¸a~o de respeitar, promover e tornar realidade, de boa fe' e de conformidade com a Constituic¸a~o, os princi'pios relativos aos direitos fundamentais que sa~o objeto dessas convenc¸o~es, dentre as quais a convenção 87, que dispõe sobre a liberdade sindical.

Trata-se, pois, de grande avanço. O modelo de unicidade sindical brasileiro é “pré-histórico” e guarda laços com o modelo autoritário do regime fascista italiano da Carta del Lavoro. A propósito, o próprio STF já afirmou que “o princípio da unicidade sindical, previsto no art. 8º, II, da CRFB/88, é a mais importante das limitações constitucionais à liberdade sindical” (RE 310.811 AgR, rel. min. Ellen Gracie, j. 12/5/09, 2ª T, DJe de 5/6/09).

Para cumprir sua proposta na prática, o presidente eleito possui dois caminhos alternativos. Poderá propor uma Emenda Constitucional extirpando do texto constitucional a regra da unicidade sindical para, então, assinar a convenção 87 da OIT e, depois submeter seu ato ao referendo do Congresso Nacional. Por outro lado, poderá ainda, agora sem necessidade de Emenda Constitucional – e esse é o caminho mais rápido – assinar a convenção 87 da OIT e submetê-la ao Congresso Nacional para que internalize o tratado pelo quórum especial previsto no art. 5º, § 3º, da CRFB/88: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.

É o Brasil rumo ao progresso, ao cumprimento dos compromissos internacionais e à liberdade sindical plena e completa. Espera-se que a promessa de campanha seja brevemente cumprida, para que o modelo sindical brasileiro possa avançar e amadurecer democraticamente, por meio do diálogo espontâneo entre os atores sociais.

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1 Extraído do site oficial do Tribunal Superior do Trabalho: clique aqui. Acesso em: 30/11/2019.

 

2 BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Análise do modelo brasileiro de relações coletivas de trabalho à luz do direito comparado e da doutrina da OIT: a proposta da comissão de empresa. São Paulo: LTr, 2000. p. 111-112.

 

3 Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2015.

 

4 RE 466343, Relator: Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julgado em 03/12/2008, Repercussão Geral – Mérito. DJe-104 Divulg 4/6/09 Public 5/6/09.

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*Raphael Miziara é advogado e membro da Comissão de Direito do Trabalho da OAB do estado do Piauí.

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