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Considerações sobre o envio de profissionais brasileiros para os Estados Unidos

A decisão de enviar empregados aos Estados Unidos irá levantar cargas altas de compliance tanto para os empregados como para os empregadores. As consequências são altas – a ausência de informação, pagamento, depósito e cumprimento das normas americanas e brasileiras pode ser extremamente custosa tanto para o empregador como para o empregado.

19/10/2018

Os empregadores brasileiros que decidirem enviar empregados para trabalhar de maneira temporária ou permanente nos Estados Unidos devem seguir regras específicas para fins de tributação norte-americana sobre salários e correspondente retenção na fonte. Se um empregado brasileiro está nos Estados Unidos de maneira temporária ou permanente – seja viajando por alguns dias, poucas semanas ou alguns meses, o empregador brasileiro deveria requisitar um número de identificação de empregador (“EIN”, ou “Employer Identification Number”), providenciar a abertura de uma conta tributária de empregador junto ao IRS dos Estados Unidos (o Internal Revenue Service, órgão equivalente à Receita Federal do Brasil), além de realizar os procedimentos de retenção, depósito e entrega de obrigações acessórias aos Estados Unidos. Até mesmo um viajante casual poderia iniciar a obrigatoriedade de preenchimento de declarações e retenção do imposto de renda americano, uma vez que não existe Acordo para evitar a Bitributação entre o Brasil e os Estados Unidos que pudesse evitar a ocorrência de tais situações decorrentes da legislação americana. Por sua vez, um empregado brasileiro, enquanto contribuinte do Imposto de Renda da Pessoa Física (“IRPF”) no Brasil, permaneceria obrigado a entregar suas declarações de renda no país e estaria sujeito ao IRPF mensal, mesmo trabalhando no exterior. O gerenciamento do risco nas situações de mobilidade global de empregados é complexa e requer que tanto o empregador e o empregado cumpram com regras tributárias complexas.

Avaliar se um empregador brasileiro se qualifica como um empregador para fins da legislação trabalhista norte americana é uma questão importante, uma vez que resulta em declarações a serem entregues pelos empregados, assim como pagamentos de seguridade social e obrigação de reter na fonte pelo empregador. Adicionalmente, a determinação do status de “empregador” pode resultar na configuração de um estabelecimento permanente nos Estados Unidos, o que resultaria na sujeição do empregador brasileiro ao imposto sobre a renda norte americano sobre a renda diretamente imputada ao estabelecimento permanente (o conceito de “effectively connected income” – renda efetivamente conectada ou derivada). Caso o empregador brasileiro não cumpra com sua obrigação de retenção e declaração o sujeitará a, além do imposto devido, a multas e juros, assim como um risco de reputação significativo. Considerando os altos déficits nas contas públicas americanas, os Estados Unidos serão agressivos na imposição de suas leis tributárias aplicáveis a empregados estrangeiros realizando negócios no país.

Obrigações de retenção na fonte pelo empregador

Na maioria dos casos, um estrangeiro não-residente só está sujeito ao imposto de renda americano sobre rendimentos de fonte americana. A renda será de fonte americana se a propriedade que produz a renda estiver localizada nos Estados Unidos ou os serviços aos quais a renda foi paga tiverem sido realizados (ou executados) nos Estados Unidos. O pagamento em ações, seja na forma de opções ou entrega dos papéis também podem estar sujeitos ao imposto de renda retido na fonte, mas alimentação, acomodação e despesas de viagem normalmente não são tidas como rendimentos salariais sujeitos ao imposto de renda na fonte. Tipicamente, todos os serviços executados nos Estados Unidos por um empregado estrangeiro são tratados como recebidos de fonte americana (independentemente de onde o contrato foi firmado ou o local de pagamento). Não obstante, mesmo a remuneração paga a empregados que realizam serviços num poço de petróleo localizado na plataforma continental dos Estados Unidos são tratados como serviços prestados em território americano.

Caso a renda seja de fonte americana, o empregador brasileiro também deverá reter o imposto de renda, além dos pagamentos à Seguridade Social e Medicare (ex: FICA), tributos sobre salários pagos ao empregado baseado nos Estados Unidos. Além disso, o empregador brasileiro estará sujeito ao FICA e aos tributos de desemprego (FUTA), sobre os valores pagos aos empregados. A legislação tributária americana requer que o empregador recolha tais tributos tempestivamente e, na maioria dos casos, entregue declarações trimestrais à Receita Federal Americana (IRS) informando os valores pagos à título de remuneração, imposto sobre a renda e do FICA pago, além de uma declaração do FUTA. O empregador também necessita entregar ao empregado e à administração da seguridade social um formulário W-2 (remunerações e demonstrativo tributário), mostrando as remunerações pagas e tributos retidos do empregado. Como um pré-requisito à remessa e ao reporte, o empregador deve obter um número de identificação tributária. Tais regras serão aplicáveis à entidade brasileira que possui empregador realizando serviços nos Estados Unidos, a não ser que uma exceção específica se aplique ou que as obrigações de retenção tenham sido deslocadas para outra entidade.

O empregador brasileiro tem que reter os tributos sobre a renda, a não ser que o empregado esteja enquadrado na exceção de minimis, que cobre o empregado que está presente nos Estados Unidos por um período curto durante o ano (90 dias ou menos) e recebe renda inferior a US$ 3.000,00, e a remuneração pelos serviços prestados por um empregado não diretamente envolvido com uma conte produtiva americana (not engaged in US trade or business). Caso a exceção de minimis não se aplique, então a compensação por trabalho realizado nos Estados Unidos será considerada como renda derivada de fontes americanas. Quando os serviços forem prestados parcialmente nos Estados Unidos e parcialmente fora, um método aceitável para alocar a compensação deles relacionada seria com base no tempo gasto em cada jurisdição executando os serviços.

De maneira similar, os tributos FICA são impostos sobre remunerações paras por um empregador brasileiro a empregados trabalhando nos Estados Unidos, a não ser que exista um acordo bilateral – um “acordo de totalização” – que objetiva evitar a aplicação de dois regimes tributários. Um acordo de totalização em matéria de previdência social foi firmado entre o Brasil e os Estados Unidos em 30/6/15, mas ainda não está vigente e aguarda ratificação. O propósito do acordo é garantir que os empregados e seus empregadores submetam-se a somente uma legislação de seguridade social (brasileira ou americana), evitando assim uma dupla incidência do FICA (ou seu similar brasileiro). Adicionalmente, serviços prestados nos Estados Unidos estão sujeitos ao FUTA.

A chave para a retenção é se a entidade brasileira é um empregador, o que pode ser determinado considerando as regras federais americanas para classificação de empregadores. A Receita Federal Americana tem a autoridade para determinar se é uma relação empregado-empregador segundo os princípios da common-law e não está regulada por um acordo escrito que tem intenção de criar o vínculo. A Receita Federal Americana estabeleceu uma lista de 20 fatores para determinar o status de empregado. Geralmente, uma relação empregador-empregado existe sob as leis americanas quando a pessoa para as quais os serviços são prestados tem o direito e controle sob o indivíduo que realiza os serviços. Os fatores mais críticos são direção e controle. Um contrato ou acordo de serviços pode fornecer evidência dentro das regras da common law, mas não são definitivas. A Receita Federal Americana habitualmente irá observar o treinamento e instruções fornecidos aos trabalhados, o processo de contração, supervisão e pagamento, como as horas são distribuídas e se o trabalhador deveria direcionar todo o seu tempo à tarefa. Outros fatores a considerar incluem o requerimento de que serviços sejam prestados pessoalmente, o reembolso das despesas de negócios ou viagens, fornecimento de ferramentas e materiais de trabalho, a solicitação de relatórios orais ou escritos, a continuidade na relação (permanência), e o direito de a empresa encerrar a contratação. A maioria dos trabalhadores que já possuem tal status no Brasil fatalmente o possuirão para fins da legislação federal tributária e trabalhista americana. Ainda assim, uma avaliação cuidadosa é recomendada, principalmente quando acordos são firmados com o propósito de estabelecer uma relação de contratação independente, conquanto não serão respeitados pela Receita Federal Americana. Neste sentido, se caso uma relação empregador-empregado exista dentro dos preceitos da common-law, o empregador está obrigado a reter, remeter e reportar os tributos relacionados à relação laboral com respeito aos salários pagos ao empregado. Existem, no entanto, importantes exceções à regra geral.

Existe uma exceção para um “empregador estatutário”, considerando a previsão da lei americana que quando o empregador estrangeiro não está controlando o pagamento dos salários, a que mantém tal controle do pagamento (o empregador estatutário) deve efetuar as retenções na fonte. Tal exceção também se aplica aos tributos do FICA e FUTA. Assim, se um empregador estrangeiro não está controlando o pagamento dos salários, o empregador estatutário deverá, em seu nome número de identificação próprio, assumir a responsabilidade pela retenção, remessa e prestação de informações de tributos decorrentes do trabalho relacionados às remunerações pagas ao empregado.

Outra exceção à regra geral de retenção se aplica quando um empregador estrangeiro aponta outra entidade para ser o seu “agente” de retenções. A lei americana permite que um empregador estrangeiro designe um agente para fins de retenção, remessa e reporte de tributos federais sobre a renda e tributos FICA. Por exemplo, um empregador brasileiro com empregados realizando serviços nos Estados Unidos por apontar uma entidade americana como seu agente. Tal nomeação é bastante comum. Para designar um agente, o empregador estrangeiro deve submeter uma requisição à Receita Federal Americana para a designação da entidade doméstica como seu agente de retenção. Caso a Receita Federal Americana aprove o pedido, o agente estará autorizado para fins de todos os cumprimentos das obrigações do empregador em seu nome, para fins de tributação federal e do FICA. Contudo, caso o agente não cumpra com suas obrigações, o empregador brasileiro permanece sujeito ao risco de juros e multas. Outro problema poderia ser que uma entidade doméstica não poderia ser designada como agente para os tributos FUTA.

Finalmente, o fato de que um empregador brasileiro possui empregados prestando serviços nos Estados Unidos pode afetar a determinação de um estabelecimento permanente nos Estados Unidos, o que sujeitaria o empregador brasileiro ao imposto de renda sobre os rendimentos diretamente conectados à fonte de produção americana. Adicionalmente, a designação de um agente ou a existência de um empregador estatutário não altera a determinação se o empregador brasileiro é um empregador (no conceito da common-law) para fins de designação do estabelecimento permanente.

Empregadores podem sujeitar-se a uma variedade de penalidades civis e criminais relacionadas às informações de retenção na fonte e remessas de tributos sobre a folha de pagamento à Receita Federal Americana. O empregador pode ser condenado a 15% da multa civil pelo não recolhimento dos tributos, multa de 20% por negligência ou informação errônea de tributos. Caso alguma parcela não recolhida também não tenha sido por fraude, a penalidade passa a ser de 75% do não-pagamento. Empregadores também podem sofrer penalidades civis pela não entrega de declarações, ou pela falha em cumprir com os requisitos de informações ao empregado. Caso a falha do recolhimento dos tributos na fonte seja motivada, o empregador pode estar sujeito a riscos criminais. Neste caso, a autonomia da vontade pressupõe uma intenção voluntária de violar uma obrigação legal.

Tributação estadual.

A maioria dos estados nos Estados Unidos possuem um sistema baseado na tributação estadual sobre a renda e leis determinando a residência e a tributação de residentes e não-residentes. Normalmente, não-residentes de tais estados devem determinar seus impostos sobre o recebimento da remuneração atribuível a serviços executados em tal estado. Adicionalmente, além da retenção de impostos federais, um empregador também pode vir a ser requisitado a considerar a retenção tributária estadual.

Obrigações do empregado em relação aos empregadores

Para fins tributários qualquer trabalhador estrangeiro nos Estados Unidos está sujeito ao imposto de renda federal de acordo com as leis tributárias norte-americanas. O empregado estrangeiro pode se classificar tanto como um estrangeiro “residente” ou “não-residente”. Os estrangeiros residentes possuem um documento emitido pelo governo, o “green card” ou se permaneceram nos Estados Unidos por mais de 183 dias (seis meses) durante o último ano. Um estrangeiro não-residente geralmente é um empregado que esteve nos Estados Unidos por menos do que seis meses.

Os estrangeiros residentes são geralmente tributados da mesma forma que os cidadãos norte-americanos – computa-se a sua renda mundial nas bases de cálculo. Os estrangeiros não-residentes são tributados somente na renda derivada de fontes americanas e em certas rendas diretamente conectadas a um estabelecimento permanente que estejam conduzindo nos Estados Unidos. Salários, remunerações, bônus, ou qualquer outro tipo de pagamento por serviços pessoais pagos para um empregado não-residente estão sujeitos a uma retenção na fonte progressiva da mesma maneira que incide para cidadãos norte-americanos. O empregado estrangeiro deve fornecer ao empregador um formulário W-4 preenchido, de maneira a permitir que o empregador calcule a retenção na fonte corretamente, e deve fornecer um número de identificação tributária. Estrangeiros residentes devem preencher anualmente o formulário 1040, ao passo que os não-residentes preenchem o 1040R. A declaração deve ser preenchida por volta de 15 de abril de cada ano. O não-cumprimento destas obrigações pode expor o empregador a penalidades pela falha em cumprir com as leis norte-americanas.

Risco de fiscalização da Receita Federal Americana

É muito importante para qualquer empregador brasileiro com empregados trabalhando nos Estados Unidos que entendam as potenciais ramificações tributárias. Caso seja determinado que existem rendimentos e retenções não declaradas, ações corretivas devem ser tomadas frente à Receita Federal Americana antes do início de uma fiscalização civil ou criminal. Geralmente, o prazo decadencial civil é de três anos contados da data da declaração que deveria ter informado a retenção, mas não existe prazo decadencial caso nenhuma declaração tenha sido entregue. Consequentemente, a Receita Federal Americana teria que voltar muitos anos e buscar registros do empregador antigo para empregados estrangeiros nos Estados Unidos. No entanto, como uma questão de política, dificilmente a Receita Federal Americana avança além de seis anos.

Para eliminar os potenciais riscos criminais, o empregador brasileiro deve considerar o ingresso no programa de informações voluntárias (voluntary disclosure). Para qualificar-se, o empregador brasileiro entra em contato com a Receita Federal Americana para obter liberação ao ingresso no programa. Se liberado, o empregador brasileiro deve protocolar os últimos seis anos de declarações relacionadas às retenções e pagar os tributos devidos com juros. A Receita Federal Americana irá calcular as penalidades incluindo o não-pagamento, não-recolhimento e a não-entrega das declarações. No entanto, o benefício do programa voluntário é importante, uma vez que o empregador entraria num acordo de encerramento com a Receita Federal Americana e não estaria sujeito às consequências criminais. A decisão de adesão ao programa deve ser tomada em conjunto com seus assessores legais, que irão analisar os fatos e as circunstâncias da situação particular do contribuinte.

Considerações sob a perspectiva da lei brasileira

Sob a perspectiva brasileira, um indivíduo permanecerá como um contribuinte caso ele não entregue a Comunicação de Saída ao deixar o país, ou caso simplesmente passem 183 dias no Brasil durante um período de 12 meses. Por causa disso, sem o planejamento adequado, um brasileiro trabalhando nos Estados Unidos pode ser obrigado a entregar uma DIRPF às autoridades brasileiras.

Ao passo que o Brasil ainda não possui um Acordo para evitar a Dupla Tributação com os Estados Unidos, o país concede o direito de crédito do imposto pago no exterior a qualquer entidade governamental sob o princípio da reciprocidade (ato declaratório SRF 28/2000). O Brasil tributa os rendimentos do trabalho às alíquotas que variam de 7,5% a 27,5%, com base na tabela progressiva. Assim, considerando que as alíquotas nominais nos Estados Unidos são maiores, geralmente não resta imposto residual a ser pago no Brasil.

Por fim, o Brasil recentemente firmou um Acordo de Seguridade Social com os Estados Unidos, que já foi incorporado ao ordenamento jurídico através do decreto legislativo 132/18. Como consequência, empregados brasileiros devem agora computar o período de trabalho e contribuição à Seguridade Social no Brasil para fins de pleitos de aposentadoria nos Estados Unidos, e vice-versa.

Conclusão

A decisão de enviar empregados aos Estados Unidos irá levantar cargas altas de compliance tanto para os empregados como para os empregadores. As consequências são altas – a ausência de informação, pagamento, depósito e cumprimento das normas americanas e brasileiras pode ser extremamente custosa tanto para o empregador como para o empregado. Assim, recomenda-se a busca por um advogado tributaris de renome que seja devidamente versado em tributação norte-americana e brasileira.

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*Lawrence M. Hill é sócio e coordena a área de contencioso tributário federal no Winston & Strawn LLP em Nova Iorque.

 

*Richard A. Nessler é um Of Counsel no Winston & Strawn LLP.

 

*Francisco Lisboa Moreira é sócio de Bichara Advogados em São Paulo.

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