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Qual a proteção conferida pelo registro do contrato de locação na matrícula do imóvel?

Sendo um contrato firmado apenas entre locador e locatário, ainda que referida disposição tenha sido ajustada entre eles, só irá prevalecer ‘contra’ os interessados em adquirir o imóvel locado se obedecido um importante requisito legal: o registro do contrato de locação perante a matrícula do imóvel locado.

16/10/2018

O contrato de locação vincula apenas as partes contratantes, não obrigando, nem prejudicando, terceiros que não integrem a relação contratual.

 

Existem, contudo, algumas disposições referentes à locação que, se acordadas entre locador e locatário, podem atingir terceiros. Uma delas é a denominada ‘cláusula de vigência’.

 

A ‘cláusula de vigência’ é aquela que estabelece que se o imóvel for alienado pelo locador no curso da locação, o adquirente deverá respeitar a locação pelo período estipulado no contrato (artigo 8º da lei 8.245/91).

 

Ocorre que, sendo um contrato firmado apenas entre locador e locatário, ainda que referida disposição tenha sido ajustada entre eles, só irá prevalecer ‘contra’ os interessados em adquirir o imóvel locado se obedecido um importante requisito legal: o registro do contrato de locação perante a matrícula do imóvel locado.

 

Surge, então, a dúvida: a inequívoca ciência, pelo adquirente, de que imóvel está locado, seria suficiente para que o locatário pudesse obrigá-lo a respeitar o prazo da locação?

 

Em recente julgamento, o STJ proferiu um categórico e bem fundamentado NÃO a tal indagação, reconhecendo que o registro do contrato de locação na matrícula do imóvel locado é IMPRESCINDÍVEL para que a locação possa ser oposta ao adquirente (Resp 1.669.612/RJ).

 

Agiu com acerto o STJ.

 

Primeiro, porque a lei de Locações é clara ao prever o registro como condição à eficácia da ‘cláusula de vigência’.

 

Segundo, porque a ‘cláusula de vigência’ contraria o princípio da relatividade das convenções – segundo o qual o contrato vincula somente as partes contratantes –, de modo que a única forma de superar tal princípio é conferindo caráter erga omnes ao contrato de locação, o que só ocorre com sua publicidade através da matrícula.

 

Terceiro, porque a ‘cláusula de vigência’ configura uma importante restrição ao direito de propriedade do novo adquirente, que somente deve ocorrer quando obedecidos os requisitos impostos por lei.

 

Relativizar os pressupostos legais de eficácia da ‘cláusula de vigência’ seria mais um obstáculo à segurança jurídica das aquisições imobiliárias e mais uma afronta ao já pouquíssimo respeitado princípio da concentração dos atos na matrícula.

 

Louvável, assim, a referida decisão do STJ, que merece destaque.

 

Importante, por fim, consignar que, não obstante se faça bastante confusão a respeito do assunto, inclusive na própria lei de Locação (art. 8º) e no acórdão do REsp 1.669.612/RJ, é o REGISTRO, e não a averbação do contrato de locação, que garante oponibilidade da ‘cláusula de vigência’ (artigo 167, inciso I, alínea 3, da lei 6.015/73 - ‘lei de Registros Públicos’). A averbação assegura outro direito do locatário, o de preferência (artigo 167, inciso II, alínea 16, da mesma Lei), que poderá ser tratado em outro artigo.

_______________

 

*Renata Lange Moura é sócia fundadora do LANGE E CONTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS, bacharel pela PUC-SP, pós-graduada pela PUC-SP e pela GVLAW e membro da vice-presidência de Gestão Patrimonial e Locação do SECOVI-SP.

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