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A polêmica da LINDB continua: aplicação em matérias previdenciárias e o caso emblemático da PLR

O caso da PLR é bastante emblemático, porque é evidente a virada da jurisprudência: não há como negar que havia jurisprudência majoritária administrativa, inclusive da própria Câmara Superior.

16/10/2018

Desde a sua publicação em abril de 2018, a lei 13.655, que renovou de forma significativa a nossa lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, tem sido objeto de intensos debates, principalmente no âmbito do CARF.

 

De um lado, tem-se defendido a sua aplicação irrestrita, de modo a exigir que os julgadores levam em conta as novas regras, em especial o artigo 241, que impede que a alteração de jurisprudência majoritária prejudique os contribuintes que se pautaram por tal orientação. De outro lado, com base em uma interpretação literal, tem-se argumentado que a LINDB não seria aplicável aos processos tributários administrativos.

 

Há um aspecto inicial que merece atenção: os dispositivos da LINDB são extremamente relevantes em razão do seu nobre objetivo, que é garantir segurança jurídica e eficiência na aplicação do Direito. Trata-se de princípios basilares que deveriam obviamente ser preservados, de modo que a própria necessidade de edição de outra lei para garantir sua aplicação efetiva é um indicador que algo está errado com o nosso sistema jurídico.

 

A nosso ver, esse fato, por si só, deveria ser levado em consideração pelos julgadores, especialmente quando se discute matérias tributárias e previdenciárias, que, como bem se sabe, são especialmente sensíveis aos contribuintes, em razão da incompletude das normas, da ausência de diálogo com o Fisco e da instabilidade da jurisprudência.

 

Antes da edição da lei 13.755/18, os contribuintes já dispunham de normas específicas em matéria tributária e previdenciária que, em tese, deveriam garantir segurança jurídica. Note-se que o teor do artigo 24 encontra certa identidade no artigo 1462 do CTN e, de certa forma, no parágrafo único do artigo 1003 do mesmo diploma4. O artigo 146 estabelece que a mudança de critérios jurídicos no exercício do lançamento se aplica apenas para o futuro, preservando o passado, e o artigo 100 prevê que a observância de práticas reiteradas das autoridades administrativas impede a aplicação de multa e juros. Mas são suficientes? Por que não aplicar as regras da LINDB de forma a reforçar a importância da segurança jurídica?

 

Nos parece que negar a aplicação a LINDB aos processos tributários administrativos significa fechar os olhos para a realidade, isto é, para a grande insegurança que permeia o dia-a-dia dos contribuintes, dificultando a tomada de decisões e desestimulando investimentos produtivos.

 

No contexto desse embate que já vendo sendo travado em relação à aplicabilidade da LINDB, o CARF tem se mostrado ora favorável, ora desfavorável à nova lei. Embora tenha já convertido diversos julgamentos em diligência para intimar a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional a se manifestar sobre a virada jurisprudencial que motivaria a aplicação do mencionado artigo 245, em outros casos se recusou a aplicar a lei6.

 

Especificamente em matéria previdenciária, o CARF já foi chamado a se pronunciar sobre a aplicação da LINDB em dois casos envolvendo a cobrança de contribuição previdenciária sobre PLR: a resposta foi, contudo, insatisfatória.

 

Vale destacar que a PLR, instituto jurídico previsto nos artigos 7º, inciso XI7, e 218, § 4º8 da CF, enquanto direito dos trabalhadores e mecanismo de incentivo, está absolutamente desvinculada da remuneração.

 

Embora o assunto não seja totalmente pacífico, o benefício fiscal concedido aos pagamentos PLR têm natureza jurídica de imunidade, na medida em que o artigo 7º, inciso XI, da CF/88 desvincula a PLR da remuneração, configurando uma supressão da competência de tributar.

 

Cabe mencionar que o STF adota o entendimento no sentido de que o artigo 7º, inciso XI da CF tem eficácia limitada, ou seja, a imunidade depende de lei disciplinadora que defina o modo e os limites do Programa de PLR, para fins de incidência da contribuição previdenciária9.

 

Seguindo essa exigência de regulamentação, a lei 10.101/00 estabelece os aspectos formais e objetivos mínimos de um plano de PLR. Cumpridas as exigências legais, o PLR não será considerado como remuneração e sobre esse valor não incidirá a Contribuição Previdenciária.

 

O problema é que, em muitos casos, os requisitos formais estabelecidos pela lei 10.101/00 são interpretados de forma diferente pelo Fisco e pelos contribuintes, gerando grandes controvérsias. Uma delas fiz respeito à necessidade de assinatura do Plano previamente ao pagamento aos empregados.

 

Regra geral, os planos não poderiam ser firmados em data posterior ao início do período de vigência. A lógica por trás dessa regra geral é que inexistiria metas ou resultados previamente pactuados, o que violaria o disposto no artigo 2º, parágrafo 1º, da lei 10.101/0010.

 

No entanto, caso a empresa possua documentos (atas de reunião, material de divulgação da PLR, quadros de aviso, cartilha de PLR, comunicações internas, etc.) que comprovem que os empregados já tinham conhecimento das metas, é bastante razoável concluir que o programa não poderia ser descaracterizado em razão da assinatura em data posterior ao início da vigência.

 

Frise-se que a jurisprudência do CARF oscilou a respeito desse ponto específico consideravelmente nos últimos anos.

 

Inicialmente, as decisões do CARF foram favoráveis, dispensando a formalização de acordo prévio ao pagamento. Muitas decisões entendiam que, se os programas possuíam critérios iguais utilizados para pagamento da PLR dos anos anteriores, sendo que os empregados já tinham ciência das metas a serem atingidas desde o início do exercício, o fato da data da assinatura dos acordos ser posterior ao período de aferição dos resultados não encontraria óbice na lei 10.101/00 e não prejudicaria o direito dos trabalhadores11.

 

A própria Câmara Superior do CARF, em setembro de 2014, chegou a se manifestar favoravelmente, confirmando a jurisprudência de longa data12. Inclusive, a decisão foi exemplar ao pontuar que “é preciso reconhecer que o mundo real, distante daquele que seria o ideal para o bom andamento das relações interpessoais e, por conseguinte, entre empresa e funcionários, nos impõe barreiras, de certa forma até naturais, que convergem pela assinatura/formalização do acordo de PLR após iniciado o ano base. Isto porque, tratando-se de discussão a propósito de direitos dos trabalhadores, escorados em lucros ou resultados de empresas, dificilmente um acordo contemplando os valores, regras, condições básicas, etc para a concessão da PLR será de fácil resolução, exigindo, por certo, longo período de tratativas, mormente com a participação da empresa, empregados, seus representantes em comissões e/ou respectivos Sindicatos”.

 

Até que, em julho de 2016, a Câmara Superior revisitou o assunto e, para surpresa dos contribuintes, alterou o seu entendimento, passando a exigir a assinatura do Plano antes do período de apuração13, afirmando que “as regras para percepção da PLR devem constituir-se incentivo à produtividade. Regras estabelecidas no decorrer do período de aferição não estimulam esforço adicional”.

 

Justamente em razão dessa mudança de entendimento, os contribuintes começaram a pleitear a aplicação do artigo 24 da LINDB a seu favor. Em 20/6/18, a 2ª Câmara Superior do CARF sequer se manifestou sobre o pedido do contribuinte14. A despeito do voto vencido da conselheira Ana Paula Fernandes, que reconheceu justamente a mudança de entendimento do CARF, a maioria dos julgadores entendeu que o acordo somente seria válido se assinado antes do período de apuração, para incentivar os empregados a buscar as metas15. Já em 29/8/18, o mesmo órgão julgador deixou de conhecer a preliminar suscitada pelo contribuinte16.

 

O caso da PLR é bastante emblemático, porque é evidente a virada da jurisprudência: não há como negar que havia jurisprudência majoritária administrativa, inclusive da própria Câmara Superior. A virada ocorreu em julho de 2016, representando, sim, uma mudança de orientação geral.

 

O CARF ainda não enfrentou propriamente a aplicação do artigo 24 da LINDB nesse tema específico, cabendo aos contribuintes levar adiante a discussão na esfera administrativa – sem prejuízo, se for caso, de também se valer desse dispositivo em litígios já em fase judicial. É evidente que o artigo 24 se encaixa de forma adequada à matéria em discussão. Penalizar empresas que se pautaram em orientação válida do CARF até 2016 implica grave violação à LINDB, e, evidentemente, ao princípio constitucional da segurança jurídica, além de claramente desestimular a utilização de um mecanismo remuneratório tão relevante que é a PLR.

 

Os julgadores devem colaborar para criar um ambiente mais estável e que proporcione segurança suficiente para tomada de decisões – a LINDB é justamente uma nova ferramenta para tanto, que não só pode como deve ser usada para combater situações como essa envolvendo a PLR e muitas outras.

__________________

1 “Art. 24. A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas.
Parágrafo único. Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público”.

2 “Art. 146. A modificação introduzida, de ofício ou em conseqüência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução”.

3 “Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos:
I - os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas;
II - as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa, a que a lei atribua eficácia normativa;
III - as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas;
IV - os convênios que entre si celebrem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.
Parágrafo único. A observância das normas referidas neste artigo exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo”.

4 Cite-se ainda o artigo 106, II, ‘c’ do CTN, que estabelece a retroatividade de lei que preveja penalidade menos severa que a prevista na lei vigente à época da prática.

5 Processos Administrativos nºs 19515.001282/2010-72, 10580.728178/2016-64, 10600.720016/2014-31, 16561.720047/2014-81 e 16561.720001/2017-13.

6 Processo Administrativo nº 10600.720035/2014-67.

7 “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
XI - participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei;”.

8 “Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação”.
§ 4º A lei apoiará e estimulará as empresas que invistam em pesquisa, criação de tecnologia adequada ao País, formação e aperfeiçoamento de seus recursos humanos e que pratiquem sistemas de remuneração que assegurem ao empregado, desvinculada do salário, participação nos ganhos econômicos resultantes da produtividade de seu trabalho.

9 Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n° 505.597/RS, 5.9.2005.

10 “Art. 2o A participação nos lucros ou resultados será objeto de negociação entre a empresa e seus empregados, mediante um dos procedimentos a seguir descritos, escolhidos pelas partes de comum acordo:
(...)
§ 1o Dos instrumentos decorrentes da negociação deverão constar regras claras e objetivas quanto à fixação dos direitos substantivos da participação e das regras adjetivas, inclusive mecanismos de aferição das informações pertinentes ao cumprimento do acordado, periodicidade da distribuição, período de vigência e prazos para revisão do acordo, podendo ser considerados, entre outros, os seguintes critérios e condições:
I - índices de produtividade, qualidade ou lucratividade da empresa;
II - programas de metas, resultados e prazos, pactuados previamente”.

11 Acórdãos n°s 2301-004.728, 2402-005.275, 2202-003.274 etc.

12 Acórdão n° 9202-003.370.

13 Acórdão nº 9202-004.307.

14 Processo Administrativo nº 16327.720468/2010-51.

15 “PLR. AUSÊNCIA DE FIXAÇÃO PRÉVIA DE CRITÉRIOS PARA RECEBIMENTO DO BENEFÍCIO. DESCONFORMIDADE COM A LEI REGULAMENTADORA. INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO.
A ausência da estipulação, entre patrões e empregados, de regras e objetivos previamente ao início do período aquisitivo do direito ao recebimento de participação nos lucros e resultados da empresa caracteriza descumprimento da lei que rege a matéria, disso decorrendo a incidência de contribuição previdenciária sobre tal verba. (...)”.

16 Processo Administrativo nº 16327.001389/2009-12.

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*Cristiane Ianagui Matsumoto Gago é sócia da área previdenciária de Pinheiro Neto Advogados.

*Mariana Monte Alegre de Paiva é associada da área tributária de Pinheiro Neto Advogados.

*Lucas Barbosa Oliveira é associado da área previdenciária de Pinheiro Neto Advogados.









*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

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