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Ingratidão em família – um dia a casa cai

A lei ainda menciona a revogação nos casos em que o donatário atenta contra a vida do doador; ou comete ofensa física a ele; ou, ainda, recusa ministrar alimentos dos quais o doador necessitava. Em quaisquer destas hipóteses, o doador pode recorrer ao Judiciário para que o beneficiário de sua doação faça a devolução da coisa doada.

10/10/2018

Já dizia o poeta Vinícius de Moraes: “tantas você fez, que ela cansou, porque você, rapaz, abusou da regra três, onde menos vale mais”. Existem princípios que, não apenas no mundo jurídico, mas na vida social de todos nós, devem estar sempre presentes para preservarmos o equilíbrio de um importante núcleo da nossa sociedade, que é a família.
É na família que tudo começa, nela nos fundamos e nos tornamos indivíduos na grande engrenagem social. Ao longo do relacionamento familiar, e como bem diz a música de Toquinho e Vinícius, os momentos felizes vão deixando raízes, os quais resultam em algumas atitudes que se refletem no campo do Direito. Uma delas é a doação. A doação é um ato de liberalidade pelo qual alguém transfere algum bem para outra pessoa, que o aceita.
No ambiente familiar, a doação pode acontecer entre cônjuges e entre pais e filhos, por exemplo. Mas, no meio do caminho podem ocorrer determinadas situações que levam o doador a repensar o ato de liberalidade feito. E, às vezes, chega um momento em que o doador simplesmente “perde a esperança” e deseja cancelar a doação feita.
Apesar de ser um contrato bilateral, nossa legislação permite que a doação seja revogada unilateralmente por motivo de ingratidão (vejam só!) e, entre as hipóteses de ingratidão apresentadas pela lei, estão os casos de injúria e indignidade. O filho que, após receber algumas cotas da sociedade do pai, faltar com respeito a este, caluniando o pai em público, demonstra seu não reconhecimento ao benefício recebido, podendo ter de devolver as cotas a ele doadas. O marido que, após doar aquele imóvel à sua esposa, percebe comportamento indigno dela, ao quebrar com seu dever de fidelidade conjugal, poderá receber de volta o imóvel, pois o ordenamento jurídico deve prezar por determinados valores e anseios necessários a uma convivência ordenada em sociedade.
A lei ainda menciona a revogação nos casos em que o donatário atenta contra a vida do doador; ou comete ofensa física a ele; ou, ainda, recusa ministrar alimentos dos quais o doador necessitava. Em quaisquer destas hipóteses, o doador pode recorrer ao Judiciário para que o beneficiário de sua doação faça a devolução da coisa doada.
Mas e se o motivo não estiver nas hipóteses apresentadas pela nossa legislação, não será possível revertê-la? Pode sim ser possível, já que a jurisprudência recente tem se inclinado no sentido de considerar o rol apresentado como apenas exemplificativo visto que o novo Código Civil possui espírito não patrimonialista, prevalecendo o princípio da dignidade da pessoa humana – o ser acima do ter.
De um lado ou de outro, nos parece que o melhor mesmo é andar dentro das regras, sejam elas um, dois ou três. Porque, se um dia a casa cai, você pode estar certo que vai chorar, e este choro pode ser no bolso que, como diz um amigo meu, é a parte mais sensível do homem!

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*Nereu Domingues é advogado e contador, fundador do escritório Domingues Sociedade de Advogados.

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