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PCC versus polícia: mortes anunciadas

“Mortes anunciadas” foi locução utilizada, provavelmente pela primeira vez, por Nilo Batista, em Bogotá (1987), numa reunião do Instituto Interamericano de Direitos Humanos. Dentre todas elas, de acordo com Zaffaroni (Muertes anunciadas, Bogotá: Temis, 1993), destacam-se as mortes institucionalizadas, que são as causadas por membros das instituições do sistema penal ou contra eles. O quadro de violência que já vem de longa data, mas que ganhou realismo inusitado desde maio de 2006 em São Paulo (e no Brasil), tendo como protagonistas principais integrantes do PCC, de um lado, e agentes do sistema punitivo de outro, bem revela o conteúdo do conceito acima exposto, porque mortes institucionalizadas são precisamente as decorrentes do exercício violento do poder punitivo (causadas por - ou contra - agentes desse sistema).

17/8/2006


PCC versus polícia: mortes anunciadas

Luiz Flávio Gomes*

“Mortes anunciadas” foi locução utilizada, provavelmente pela primeira vez, por Nilo Batista, em Bogotá (1987), numa reunião do Instituto Interamericano de Direitos Humanos. Dentre todas elas, de acordo com Zaffaroni (Muertes anunciadas, Bogotá: Temis, 1993), destacam-se as mortes institucionalizadas, que são as causadas por membros das instituições do sistema penal ou contra eles.

O quadro de violência que já vem de longa data, mas que ganhou realismo inusitado desde maio de 2006 <_st13a_personname w:st="on" productid="em São Paulo">em São Paulo (e no Brasil), tendo como protagonistas principais integrantes do PCC, de um lado, e agentes do sistema punitivo de outro, bem revela o conteúdo do conceito acima exposto, porque mortes institucionalizadas são precisamente as decorrentes do exercício violento do poder punitivo (causadas por - ou contra - agentes desse sistema).

São mortes acima de tudo previsíveis, massivas e toleradas (ou até mesmo aplaudidas, conforme o caso e o momento). Derivam da ideologia de guerra contra a criminalidade, que tem origem na ideologia de exclusão (social, econômica e educacional). Primeiro se implanta a exclusão difusa, marginalizando-se grande parcela da população. Depois, para conter os “desviados”, mister se faz desencadear uma lógica de guerra, discurso de guerra, imagem de guerra etc.

Os agentes dessa lógica são, portanto, em primeiro lugar, os responsáveis pela ideologia de exclusão (que contam com o domínio do sistema). Depois vêm os legisladores, agentes da segurança pública (secretarias, policiais, agentes penitenciários etc.), judiciais, comunicacionais assim como alguns setores da própria sociedade civil.

Darcy Ribeiro dizia que não se constrói um país subdesenvolvido da noite para o dia. Tampouco da noite para o dia se cria um país caoticamente violento. Quinhentos e seis anos de exclusão, entretanto, é tempo suficiente para isso.

Quando se soma a essa política permanente de exclusão social, econômica e educacional uma política criminal fundada no discurso de guerra (leis implacáveis, endurecimento da execução, regime integralmente fechado, RDD etc.) bem como na prática do encarceramento massivo (São Paulo em dez anos construiu 140 presídios e detém hoje quase metade de todos os presos do país), todos os ingredientes da carnificina anunciada acham-se prontos para a explosão.

Para os agentes do sistema de segurança pública as mortes anunciadas funcionam (segundo Lola Aniyar de Castro) como reforço da eficácia do sistema punitivo, sinalizam com certa economia nos gastos com prevenção da violência, garante a sobrevivência do conceito de autoridade, ratifica o estereótipo do delinqüente, legitima a função de segurança pública do Estado, assegura recursos para essa política de segurança pública e gera alguns momentos de consenso na sociedade (sobretudo quando conta com o engajamento - no discurso de guerra - dos agentes comunicacionais).

As mortes anunciadas, de outro lado, também são funcionais para o PCC: combatem o sistema punitivo, eliminam alguns dos seus agentes, procuram manter seus espaços de poder, testam seu poder de comando, geram uma certa solidariedade nos seus “soldados”, protestam contra o desumano sistema penitenciário, insurgem-se contra o rigor do sistema punitivo etc.

Qual prognóstico é possível ser traçado? A violência institucionalizada não está com seus dias contados, mesmo porque os protagonistas dos dois lados da “guerra” só estão distanciados institucionalmente, não fisicamente nem economicamente: moram no mesmo bairro (às vezes na mesma rua), contam com ganhos reduzidíssimos, pouca expectativa de uma vida digna sem violência ou corrupção etc. O traficante ou o criminoso organizado é guardado no presídio por um agente penitenciário que, no bairro onde mora, é “protegido” também por um traficante ou “soldado” do crime organizado. A proximidade física entre os “soldados do PCC” e os agentes do sistema de segurança incrementa notavelmente a possibilidade de vitimização (de ambos os lados).

A política, o discurso, a lógica e a imagem constante de guerra, no fundo, conferem muito pouco valor ao sagrado Direito Humano à vida (de todos os envolvidos nessa “carnificina generalizada”). E enquanto morrem apenas pessoas das classes sociais menos favorecidas a complacência das elites foi, é e sempre será quase que absoluta. Pode ser que todas essas mortes anunciadas produzam alguma implicação eleitoral, mas ainda não se vislumbra no horizonte (por ora) qualquer risco de uma nova queda da Bastilha.

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Fundador e presidente da Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes








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