Lucros auferidos por controladas no exterior e os tratados para evitar a dupla tributação
Isabel Bertoletti*
Erika Yumi Tukiama*
No caso sob análise, a empresa Refratec Produtos Eletrofundidos Ltda. (“REFRATEC DO BRASIL”) foi autuada por não ter oferecido à tributação os lucros auferidos por sua controlada situada na Ilha da Madeira (Portugal) no período de janeiro de <_st13a_metricconverter w:st="on" productid="1996 a">1996 a 11 de dezembro de 2001, e aqueles auferidos por sua controlada situada em Barcelona (Espanha) no período de 12 de dezembro de <_st13a_metricconverter w:st="on" productid="2001 a">2001 a 31 de dezembro de 2002.
Segundo relatório do acórdão nº 108-08.765, as autoridades fiscais exigiram a tributação dos lucros auferidos pela subsidiária portuguesa em decorrência de alienação dessa participação1, ocorrida em 11 de dezembro de 2001. Quanto aos lucros auferidos pela subsidiária espanhola, a exigência foi fundamentada no artigo 74 da Medida Provisória nº 2.158-35/2001 (“MP <_st13a_metricconverter w:st="on" productid="2.158”">2.158” - clique aqui), que determina que os lucros auferidos por controladas e coligadas de empresas brasileiras no exterior devem ser considerados como disponibilizados e, conseqüentemente, tributados no Brasil, em 31 de dezembro do ano em que auferidos, independentemente da efetiva distribuição desses lucros ao investidor brasileiro.
Deixando-se de lado o fato de ter ocorrido – ou não – a disponibilização de lucros quando da alienação da participação da subsidiária portuguesa (assunto que será objeto de um próximo boletim), fato é que esse acórdão trouxe à pauta importante discussão acerca da classificação dos “lucros ainda não distribuídos” (no caso, pela subsidiária espanhola) como “lucros” ou “dividendos”, para fins de aplicação das disposições do tratado firmado entre Brasil e Espanha.
No caso concreto, porquanto ainda não efetivamente distribuídos pela subsidiária espanhola, esses lucros deveriam ter sido enquadrados, a nosso ver, no artigo 7º do tratado (aplicável ao “lucro das empresas”), que determina que tais lucros são tributáveis somente na Espanha. Todavia, o 1º CC entendeu que, com o advento do artigo 74 da MP 2.158, os lucros auferidos pela subsidiária espanhola passaram a ser presumidos como anualmente distribuídos ao investidor brasileiro sendo, por essa razão, classificáveis no artigo 10 do tratado (que trata dos “dividendos”), segundo o qual tais valores podem ser tributados tanto no Brasil como na Espanha.
Da leitura do item 4 do artigo 10 desse tratado2, notamos que o termo “dividendos” foi utilizado de forma bastante ampla para designar os “rendimentos de ações” ou aqueles decorrentes de outros direitos de participação nos lucros da empresa investida, cabendo, dessa forma, à legislação doméstica de cada país contratante3 definir os parâmetros dentro dos quais tais “rendimentos” serão considerados como “lucros” ou “dividendos”, para fins do tratado.
No âmbito da legislação doméstica brasileira verificamos:
(a) de um lado, a existência de uma norma tributária (artigo 74 da MP 2.158) tendente a presumir:
(i) a disponibilização anual de lucros (segundo nosso entendimento), caso em que os lucros auferidos por controladas ou coligadas situadas em países com os quais o Brasil firmou tratados estariam, via de regra, protegidos pelo artigo 7º desses tratados; ou
(ii) a distribuição anual de dividendos (segundo entendimento da Oitava Câmara do 1º CC), caso em que os lucros auferidos no exterior deveriam ser classificados no artigo de “dividendos” (geralmente, artigo 10), sendo, via de regra, tributados no Brasil em 31 de dezembro de cada ano; e
(b) de outro lado, a existência de regras de natureza societária que exigem a realização de um ato “deliberativo” no âmbito da empresa investida para que os lucros passem à condição de dividendos.
Sendo o objetivo da legislação tributária estabelecer o tratamento fiscal a que estará sujeita cada situação, entendemos não ter essa legislação a prerrogativa de definir a natureza jurídica de cada instituto que se quer regular, muito menos de alterar, por meio de “presunções”, conceitos já definidos em nosso ordenamento jurídico (artigo 109 do Código Tributário Nacional). No âmbito de sua competência, o artigo 74 da MP <_st13a_metricconverter w:st="on" productid="2.158, a">2.158, a nosso ver, apenas dispensou ao lucro auferido no exterior (frise-se, lucro ainda não distribuído) o mesmo tratamento fiscal dispensado aos dividendos, sem, todavia, caracterizá-lo como “dividendo”.
À luz de nossa legislação societária, os lucros auferidos só podem ser considerados como “dividendos” após o ato “deliberativo” do órgão competente (assembléia geral, reunião de sócios etc.) destinando-os aos investidores. Antes disso não há para estes investidores qualquer direito sobre os lucros da investida, já que ainda não disponíveis, seja sob o aspecto econômico seja sob o jurídico. Esse entendimento já foi, inclusive, adotado pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 172.058-1, de 30 de junho de 1995, que trata do antigo Imposto sobre o Lucro Líquido (ILL).
De fato, o lucro auferido por uma controlada no exterior e ainda não distribuído é lucro desta pessoa jurídica, não podendo ainda ser considerado como lucro da sua investidora, muito menos como dividendos. É de se notar, inclusive, que, a depender de circunstâncias futuras (por exemplo, apuração de prejuízos posteriores por tal controlada), estes lucros podem nunca vir a serem distribuídos ao investidor brasileiro.
Ainda que os “lucros não distribuídos” pudessem ser considerados como “dividendos”, para fins de aplicação do tratado, restariam ainda dúvidas se esses valores poderiam ser considerados como “dividendos pagos”. Isso porque, o item 1 do artigo 10 do tratado dispõe que4: “Os dividendos pagos por uma sociedade residente de um Estado Contratante a um residente do outro Estado Contratante são tributáveis nesse outro Estado” (destaque nosso).
Neste seara, a Oitava Câmara do 1º CC entendeu como “dividendo pago” o “dividendo que o sócio tiver direito”. Mesmo que assim considerada, entendemos que essa expressão não deveria ser aplicada no caso de lucros presumidos como disponibilizados (artigo 74 da MP 2.158), visto que, neste caso, não haveria para o sócio nenhuma disponibilidade ou direito a qualquer dividendo, mas mera presunção (de disponibilidade) ou expectativa (de direito).
Apesar dos argumentos favoráveis à classificação dos “lucros não distribuídos” como “lucros” e não como “dividendos”, a Oitava Câmara do 1º CC não só os enquadrou como “dividendos” como os considerou como rendimentos tributáveis no Brasil, a despeito da isenção prevista no item 4 do artigo 23 do tratado firmado entre Brasil e Espanha. Segundo esta norma, quando um residente do Brasil receber dividendos que, de acordo com as disposições do tratado, sejam tributáveis na Espanha, o Brasil isentará de imposto esses dividendos.
Com efeito, a isenção prevista no referido artigo 23 representa nada mais que um método eleito pelos Estados contratantes para evitar a dupla tributação sobre os dividendos pagos por um residente de um país a um residente de outro país. Pela eleição deste método, restou determinada a competência tributária exclusiva ao país em que os rendimentos sejam gerados. Isso significa que o que for gerado no Brasil só se tributa no Brasil e o que for gerado na Espanha só se tributa na Espanha. Não obstante, por motivos que ora desconhecemos, o item 4 do artigo 23 não foi analisado pelo voto vencedor. A não aplicação desse artigo implica em ignorar a própria essência dos tratados para evitar a dupla tributação, negando, de modo unilateral, a observância de um dispositivo válido do tratado.
De todo modo, é de se notar que a jurisprudência administrativa sobre o tema ainda é bastante escassa, até porque o artigo 74 da MP 2.158 tem aplicação prática somente a partir de 31 de dezembro de 2002. Ademais, oportuno relembrar que a apreciação da constitucionalidade desse dispositivo ainda está pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal.
Muito embora seja um precedente desfavorável, o acórdão não concluiu e muito menos apresentou argumentos suficientemente fortes ou incontestáveis que nos permitam entender e acreditar que essa será a tendência de futuras decisões acerca da matéria na esfera administrativa, muito menos na judicial.
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1De acordo com o voto do relator designado, José Henrique Longo, os lucros auferidos pela subsidiária portuguesa em 1996 e 1997 não foram considerados como tributáveis no Brasil, já que protegidos pelo artigo 7º do antigo tratado firmado entre Brasil e Portugal (Decreto nº 69.393/1971), que determinava que os lucros de uma empresa de Portugal eram tributáveis somente neste País. Já os lucros auferidos a partir de 1998 foram considerados como tributáveis no Brasil, em virtude da alteração trazida pelo artigo 1º da Lei nº 9.532/1997 que, a partir de 1998, determinou a adição ao Lucro Real dos lucros auferidos pelas controladas e coligadas no exterior, em 31 de dezembro do ano em que tiverem sido disponibilizados para o investidor brasileiro, entendendo-se como disponibilizados os lucros pagos (i.e., aqueles creditados em conta bancária, entregues, remetidos ou empregados) ou creditados em conta do passível exigível da subsidiária estrangeira. Nesse sentido, o 1º CC entendeu que, ao considerar os lucros acumulados da subsidiária portuguesa (reconhecidos pela investidora brasileira por equivalência patrimonial) no custo de aquisição do investimento alienado, a REFRATEC DO BRASIL empregou tais lucros em seu benefício, devendo, neste momento, considerá-los como disponibilizados.
2 “Art. 10. (...) 4. O termo "dividendos" usado no presente artigo, designa os rendimentos provenientes de ações, ações ou direitos de fruição, partes de empresas mineradoras, ações de fundador ou outros direitos que permitam participar dos lucros, com exceção de créditos, bem como rendimentos de outras participações de capital assemelhados aos rendimentos de ações pela legislação tributária do Estado Contratante em que a sociedade que os distribuir seja residente.”
3De acordo com o disposto no item 4 do artigo 10 do tratado firmado entre Brasil e Espanha, há quem entenda, inclusive, que a definição do conceito de “dividendos” deve ser determinada pela legislação do Estado contratante onde situada a empresa que paga os dividendos.
<_st13a_metricconverter w:st="on" productid="4 A">4A maioria dos tratados firmados pelo Brasil possui disposição semelhante.
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*Advogadas do escritório Machado Associados Advogados e Consultores
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