Introdução
O desenvolvimento do mercado imobiliário, sobretudo a partir do início dos anos 2000, atraiu inúmeras pessoas para atuarem como corretores de imóveis, profissional que tem papel fundamental nas transações imobiliárias.
A principal função do corretor imobiliário é aproximar pessoas para que o negócio pretendido por ambos seja concretizado. Em regra, somente com tal concretização é que a comissão do corretor é devida.
Num passado não tão distante, era comum a figura do corretor autônomo que trabalhava em um pequeno escritório ou até mesmo sem um local definido.
Atualmente, a maioria dos corretores encontra-se associado a alguma imobiliária, mediante contrato de associação específico, nos termos do art. 6º, § 2º, da lei 6.530/781 . Atente-se que o referido diploma legal, que regula a profissão do corretor de imóveis, permite que as atribuições do corretor de imóveis também sejam exercidas por pessoa jurídica inscrita, consoante o art. 3º, parágrafo único2 .
Nesses termos, na maioria dos casos, o contrato de corretagem acaba sendo firmado com a pessoa jurídica (imobiliária), hipótese em que a comissão de corretagem é repartida entre os diversos profissionais que trabalharam para a concretização do negócio. Muitas empresas também insistem que o contrato de corretagem seja firmado com exclusividade, prometendo ao cliente facilidades tais como publicidade em jornais de grande circulação, exposição do imóvel aos finais de semana, dentre outros benefícios. Em troca, a empresa de corretagem tem garantido o direito à comissão de corretagem caso a intermediação seja realizada por terceiros3.
Uma vez que o trabalho é prestado por grandes imobiliárias, o que se verifica, na prática, é que o serviço não se limita apenas à aproximação das partes, mas envolve, também, serviços prestados por advogados, despachantes, consultores, etc. Tais serviços, diga-se, não são prestados em contratos autônomos, mas, sim, como se fizessem parte do serviço de corretagem prestado pela imobiliária.
Essa confusão de serviços jurídicos e de aproximação prestados em favor das partes tem suscitado algumas questões controversas. A imobiliária que realiza a intermediação do serviço e, portanto, tem interesse que a venda seja concretizada pode prestar o serviço jurídico de aconselhamento para a concretização do negócio? Aliás, poderia a empresa de corretagem também prestar um serviço jurídico?
Sem prejuízo de tal debate, outra discussão é saber quando efetivamente a comissão de corretagem deve ser paga. A comissão de corretagem somente deve ser quitada caso seja efetivamente concretizado o negócio jurídico imobiliário, ou seja, no caso da compra e venda, quando da lavratura da escritura pública? Ou bastaria a assinatura do instrumento de promessa de compra e venda? Seria possível, numa visão ainda mais liberal, que a comissão fosse paga apenas quando da obtenção do consenso das partes aproximadas pelo corretor, antes mesmo da assinatura de qualquer instrumento? Além disso, sendo firmado o instrumento particular de promessa de venda e compra, mas, posteriormente, não tendo o negócio se aperfeiçoado, a comissão continuaria sendo devida? São esses alguns dos questionamentos que pretendemos debater no presente artigo.
É tempo, portanto, à luz do Código Civil de 2002, de tratarmos questões jurídicas relevantes a respeito desse contrato típico e comumente firmado nas transações imobiliárias.
1. Contrato de corretagem à luz do Código Civil de 2002
Embora segundo Carvalho de Mendonça4 “a instituição dos corretores é muito mais antiga que a formação do Direito Comercial”, o contrato de corretagem somente foi disciplinado, na legislação civil, quando da edição do Código Civil de 2002. O Código Civil de 1916 não dispunha de tal contrato, sendo a atividade do corretor apenas regulada pelo Código Comercial de 1850 (art. 36 e seguintes).
Pontes de Miranda5 afirma que a corretagem é a atividade intermediatriz entre pessoas que desejam contratar, ou praticar para outrem algum ato. Ainda segundo o autor6, corretor é aquele que corre de interessado a interessado.
Judith Martins-Costa7 , em parecer publicado na Revista dos Tribunais, afirma que o contrato de corretagem é formado por dois figurantes, cada qual posicionado em um dos lados: o incumbente e o corretor. Este é a pessoa quem, à conta do incumbente, exercerá a atividade intermediatriz, para encontrar terceiro que conclua negócio jurídico com o incumbente e, com o resultado, adquira direito à comissão. Assim, a intermediação está, pois, no núcleo do conceito.
Claudia Lima Marques e Bruno Miragem, em parecer a respeito de questão controversa envolvendo a comissão de corretagem8, noticiam que a doutrina francesa qualifica a corretagem como contrato de realização de uma missão (accomplissement d'une mission), ou seja, o serviço é uma prestação de fazer, que é exatamente o de realizar a missão, que seria exatamente facilitar na conclusão do negócio pretendido pelas partes.
Segundo a própria definição do Código Civil (art. 722), “pelo contrato de corretagem, uma pessoa, não ligada a outra em virtude de mandato, de prestação de serviços ou por qualquer relação de dependência, obriga-se a obter para a segunda um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas”.
Na lição de Gustavo Tepedino9, trata-se de contrato bilateral, oneroso e normalmente aleatório, uma vez que, segundo o autor, a álea não se mostra essencial à função negocial, nada impedindo uma remuneração comutativamente ajustada. De fato, nada impede que as partes alinhem uma remuneração mensal, por exemplo, para que o corretor trabalhe exclusivamente para tentar viabilizar determinado negócio, sem prejuízo de, ao final, receber a comissão pelo sucesso de seu trabalho.
De todo modo, na prática imobiliária, a regra geral é que o corretor de imóveis envida esforços por sua conta e risco, condicionando sua remuneração à eventual convergência de vontades.
Discute-se, ainda, se o contrato de corretagem seria acessório, ou seja, vinculado ao contrato a que se pretende concluir. Deixaremos esse ponto para tratarmos quando abordarmos temas controversos envolvendo o pagamento da comissão de corretagem.
Analisando-se a natureza jurídica do contrato de corretagem, verifica-se que a atividade do corretor, em regra, seria a do profissional que age com o objetivo de ser firmado o negócio pretendido pelo incumbente. O corretor, portanto, busca pessoas interessadas em firmar o contrato nas condições estabelecidas pelo incumbente.
Daí a expressão de Pontes de Miranda10 que “o corretor é como quem faz encontrarem-se dois fios elétricos [...] a verdade está que ele fez a ligação”.
Pois bem.
Analisando as disposições do Código Civil, a princípio, a aproximação não seria a única prestação devida pelo corretor. Dentre suas atribuições, o corretor também tem a obrigação de prestar todas as informações sobre o andamento do negócio e agir com diligência em seus atos (art. 723, caput). Ocorre que a leitura do parágrafo único do art. 723, do Código Civil, aliada ao fato de que, na prática imobiliária, o serviço de corretagem muitas vezes envolve a prestação de serviços jurídicos, faz-nos refletir se o corretor teria obrigação de observar a segurança jurídica do negócio pretendido pelas partes. É sobre essa questão que se passa a discorrer.
2. Segurança jurídica e contrato de corretam
Embora o contrato de corretagem, como já referido, tenha por escopo aproximar as partes para que seja concretizado o negócio jurídico, a prática demonstra que nem sempre é apenas essa a atuação do corretor ou da empresa de corretagem envolvida na intermediação imobiliária. Ainda que alguns dispositivos do Código Civil qualifiquem a corretagem como forma de mediação11, nem sempre o papel do corretor é apenas mediar negócio jurídico a que as partes pretendem firmar.
É justamente por isso que se faz necessário melhor interpretação do quanto disposto no art. 723, parágrafo único, que determina que “sob pena de responder por perdas e danos, o corretor prestará ao cliente todos os esclarecimentos acerca da segurança ou do risco do negócio, das alterações de valores e de outros fatores que possam influir nos resultados da incumbência”.
É relevante asseverar que o art. 723, do Código Civil, no ano de 2010, sofreu alteração legislativa quando da edição da lei 12.236/10. Referida lei foi resultado do projeto de lei do Senado 171/06, de autoria do Senador Valdir Raupp. O resultado da aprovação da lei 12.236/10 foi a subdivisão do antigo art. 723, do Código Civil, em caput e parágrafo único12.
Segundo se verifica das justificativas do PL, o Senador Valdir Raupp recomendava alteração legislativa para que fosse “estabelecido que o corretor se obriga a, espontaneamente, informar o cliente o grau de risco do negócio, assim como eventuais alterações de valores, condições ou fator capaz de alterar os resultados da incumbência, sob pena de responder por perdas e danos”. Ainda segundo as justificativas do projeto, “na prática, a atual redação do art. 723 permite seja o corretor eximido de suas responsabilidades, e anulada a mens legis do comando legal, que é o de assegurar o sucesso da mediação pela efetiva realização do encargo contratado, mediante o justo preço[...]”.13
O objetivo do PL, como se percebe, foi justamente conferir maior responsabilidade ao corretor de imóveis em razão do seu trabalho de intermediação. Comparativamente à redação original do Código Civil, o atual art. 723 eliminou a expressão destacada a seguir: “prestar ao cliente todos os esclarecimentos que estiverem ao seu alcance, acerca da segurança ou risco do negócio”.
Numa interpretação literal, aparentemente a ideia do legislador foi determinar expressamente que o corretor seja responsável não apenas pelas informações sobre a segurança e risco do negócio “a que estiver em seu alcance”. Daí o questionamento: seria obrigação do corretor obter documentos e informações suficientes para conferir segurança jurídica ao negócio? Mais do que isso. Após a obtenção de tais documentos, a garantia da segurança jurídica do negócio seria responsabilidade do corretor imobiliário?
A redação do art. 723, do Código Civil, como se vê, pode levar o intérprete a entender que o corretor de imóveis tem a atribuição de prestar serviço jurídico completo de forma a garantir a segurança jurídica da compra.
Por outro lado, poderíamos questionar se não seria papel do corretor apenas a aproximação das partes. O art. 3º da lei 6.530/78 determina que ao corretor compete “exercer a intermediação na compra, venda, permuta e locação de imóveis, podendo, ainda, opinar quanto à comercialização imobiliária”. Essa opinião, nos parece, não implica aconselhamento jurídico, atividade privativa dos advogados, nos termos do art. 1º, inciso II, da lei 8.906/94.
Como sabemos, a maioria das operações imobiliárias seguem os seguintes passos: (i) tratativas negociais; (ii) auditoria jurídica do imóvel que se pretende adquirir (comumente chamado no mercado imobiliário de due diligence imobiliária); (iii) elaboração e assinatura da promessa de venda e compra; (iv) lavratura da escritura pública e (v) registro da escritura no assento imobiliário competente.
Seria atribuição do corretor de imóveis garantir segurança jurídica em todas essas fases? É ele o responsável pela elaboração da promessa de venda e compra do imóvel? Compete ao corretor de imóveis levantar as inúmeras certidões em nome dos vendedores e referentes ao imóvel para que seja realizada a necessária due diligence imobiliária?
Essa dúvida é ainda maior quando notamos que, de fato, as grandes imobiliárias, por intermédio de seus advogados, efetivamente prestam o serviço jurídico de aconselhamento, elaboração do compromisso de venda e compra e até mesmo revisão da escritura pública. Não se trata, atente-se, de profissionais autônomos, independentes, externos e indicados pelo corretor de imóveis. Na realidade, tais advogados são funcionários da própria imobiliária e recebem seus honorários (ou salário) diretamente da empresa e não do incumbente. É comum o serviço jurídico prestado estar incluído na remuneração do contrato de corretagem.
Ao prestar o serviço de aconselhamento jurídico, resta saber se o advogado (funcionário da imobiliária) possui liberdade e autonomia para aconselhar as partes a não concluírem o negócio, em razão da ausência de segurança jurídica. Essa dúvida é ainda maior quando verificamos que em diversas empresas, o advogado recebe uma gratificação quando o negócio é concluído.
Em alguns casos em que atuamos, percebemos que nem sempre o serviço jurídico prestado pela empresa de assessoria imobiliária foi executado com o zelo que se esperava no tocante à segurança jurídica14.
Julgados do Tribunal de Justiça de São Paulo, justamente com fundamento no art. 723, do Código Civil, já condenaram empresas intermediadoras de imóveis pela ausência de segurança na aquisição imobiliária. Nesses termos:
A imobiliária, como especializada, antes da oferta do imóvel a terceiros tem obrigação de analisar a documentação da vendedora, principalmente a matrícula. Nela se vê que duas eram as donas, a autora e outra pessoa considerada como irmã, já falecida e com pais biológicos diversos e constantes da certidão de óbito. Logo, a ré é corresponsável pelo distrato, pois é obrigação básica observar a segurança e risco do negócio, inclusive a certidão de óbito da coproprietária evidencia que não era irmã da autora, ou seja, não era herdeira direta. Na realidade, a autora pretendeu vender a parte de Edna, falecida e, sendo irmã de criação, não possuía direitos hereditários. Nesses moldes, cabia ao corretor análise da situação de invalidade do negócio15.
Por outro lado, em outro julgado em que o serviço de corretagem também foi prestado por pessoa jurídica, entendeu o Des. Francisco Loureiro que o corretor de imóveis é obrigado “a prestar todos os esclarecimentos que estiverem ao seu alcance acerca da segurança ou risco”. Todavia, o julgado não entendeu que é atribuição exclusiva do corretor do imóvel adotar as medidas preventivas e necessárias para conferir segurança jurídica:
[...] Porém, a despeito das obrigações do corretor, não parece razoável que o comprador deixe de adotar as medidas preventivas naturais a um processo de aquisição de imóvel. Em termos diversos, o dever de diligência do corretor não exclui o dever de cautela do comprador, que também deve investigar a situação documental do imóvel e de seu vendedor16.
A questão é tormentosa. A princípio, quando o corretor de imóveis é pessoa física e profissional autônomo, a interpretação que deve ser dada ao art. 723, do Código Civil, a nosso ver, é restritiva. Nesse sentido, o corretor não tem obrigação de prestar serviços jurídicos para conferir ampla segurança jurídica às partes.
Isso não significa, evidentemente, que não deve agir de forma minimamente cautelosa. Antes de comercializar qualquer imóvel, compete ao corretor solicitar certidão de matrícula atualizada e certidões pessoais em nome dos proprietários. Havendo apontamentos na matrícula, por exemplo, é responsabilidade do corretor de imóveis prestar tal informação a quem pretende comprar ou até mesmo negar-se a comercializar o imóvel.
Por outro lado, não nos parece razoável exigir-se do corretor de imóveis um parecer jurídico conferindo segurança jurídica ao negócio pretendido. Caso, após a concretização do negócio imobiliário, seja declarada ineficácia do ato (por fraude à execução, por exemplo) ou mesmo invalidade por inobservância de requisito legal, é necessário que seja verificado se houve desídia ou má-fé do corretor, nos limites de sua atribuição. Restando comprovado que somente um advogado especialista na área poderia conferir segurança jurídica para o negócio pretendido, não nos parece existir responsabilidade do profissional. Naturalmente, se o corretor deixa de prestar informação relevante, a responsabilidade é por omissão voluntária17, nos termos do art. 186, do Código Civil.
A respeito das atribuições do corretor, Pontes de Miranda18 afirmou que:
a responsabilidade ordinária do corretor não vai além da função que especificamente lhe incumbe. Em todo negócio jurídico bilateral e plurilateral, há duas ou mais manifestações de vontade que se acordam. O corretor não é figurante. Nenhuma manifestação de vontade parte do correto, nem ele a lança em nome de outrem, como procurador. Ele apenas examina quais as manifestações de vontade que poderiam acordar-se e põe em ligação duas ou mais, que concluam o negócio jurídico. Nem representa, nem faz os interessados manifestarem-se. Os interessados já se manifestaram.
Em nossa opinião, não é atribuição do corretor de imóveis elaborar due diligence, minutas dos contratos, revisar escritura pública, dentre outras atividades privativas do advogado contratado pela parte (e não pelas partes). Comprador e vendedor, claro, devem estar representados pelos seus advogados. É dever do corretor, na verdade, possuindo dúvidas quanto à segurança jurídica do negócio, aconselhar as partes a contratarem advogado especializado. Além disso, o corretor, valendo-se de sua experiência, com fundamento na boa-fé objetiva (dever de informação) deve prestar todas as informações a respeito da negociação, sobretudo questionamentos que possam macular o negócio futuramente.
Como bem asseverado por Marco Aurélio Bezerra de Melo19, o corretor, no afã de fechar o negócio e receber a sua remuneração, não deve sonegar informações ao incumbente que digam respeito à segurança, riscos do negócio, valores a serem despendidos e outros fatores que possam influir nos resultados da incumbência, sob pena de assim agindo, ser responsabilizado por perdas e danos.
Não se olvide, ainda, que o exercício da profissão de corretor de imóveis é permitido ao possuidor de título de técnico em transações imobiliárias, nos termos do art. 2º, da lei 6.530/10. Esse curso é comercializado com duração de 960 horas (13 meses) de forma que o profissional esteja apto a prestar todo o apoio para a intermediação imobiliária20. Cabe ao corretor, portanto, adotar as diligências mínimas capazes de conferir segurança jurídica ao negócio que pretende intermediar. Em nossa opinião, a obtenção de certidões pessoais em nome dos vendedores e de certidão atualizada da matrícula é ação básica e imprescindível que o corretor deve adotar antes de iniciar qualquer intermediação imobiliária.
Há outro ponto que merece destaque. A extensão da responsabilidade, ademais, pode ser ainda maior quando o serviço é prestado por empresa de intermediação imobiliária. Referidas empresas, na prática, como forma de facilitação e concretização do negócio jurídico, sugerem que seus próprios advogados conduzam toda a operação imobiliária até a concretização do negócio jurídico.
Ora, em tais circunstâncias, uma vez que a própria empresa se dispõe a garantir a segurança jurídica do negócio às partes, naturalmente irá responder pela eventual falta de cautela/diligência jurídica ao permitir às partes a concretização de negócio jurídico inseguro. Aliás, para os casos em que empresas de corretagem se dispõem a conferir segurança jurídica às partes, a responsabilidade civil por danos causados a elas será objetiva, nos termos do art. 14, do CDC.
A esse exemplo, cite-se caso em que a empresa que realizou a intermediação da venda e compra deixou de verificar as obrigações assumidas pelo cedente no contrato originário de compromisso de compra e venda, obrigação imprescindível para conferir segurança jurídica ao negócio pretendido pelas partes:
[...] Falha constatada na prestação de serviços de intermediação. O art. 723 do Código Civil expressamente determina ao corretor a obrigação de executar a mediação com diligência e prudência. Esta obrigação envolve a necessária verificação de todas as obrigações originalmente assumidas pelo cedente no contrato originário de compromisso de compra e venda. Se a corretora não age desta forma, preferindo trabalhar com os dados unilateralmente informados pelo contratante, sem se assegurar da correção destes, é porque assume o risco negocial quanto a eventuais danos sofridos pelos seus clientes, considerando a atuação temerária que apresentou. Justamente por isso o art. 723, parágrafo único, do Código Civil, impõe ao corretor a obrigação de responder pelas referidas perdas e danos. Manutenção das verbas sucumbenciais. Sentença mantida21.
A jurisprudência do STJ também parece alinhada nesse sentido. No REsp 1.364.57422, de relatoria do min. Luis Felipe Salomão, foi reconhecida a responsabilidade da empresa imobiliária que intermediou negócio jurídico sem ao menos solicitar certidões negativas de débitos fiscais e pessoais dos vendedores, onde havia apontamento em razão de ações em face dos alienantes perante o TJ/RS.
Após a alienação do bem e em razão da descoberta de dívidas, os compradores desistiram da aquisição e sustaram o cheque da corretagem emitido em favor dos corretores. O acórdão do TJ/RS já havia determinado a responsabilidade da empresa imobiliária em ter solicitado tais certidões, bem como declarada lícita a desistência motivada dos adquirentes para a extinção contratual23.
Ao julgar referido recurso especial, o min. Salomão assim entendeu:
[...] é dever do corretor prestar ao cliente todos os esclarecimentos acerca da segurança ou do risco do negócio, das alterações de valores e de outros fatores que possam influir nos resultados da incumbência, sob pena de responder por perdas e danos. [...] É dizer, cabe ao corretor diligentemente se inteirar e prestar informações usuais e notórias acerca do título de domínio exIbido pelo vendedor, da regularidade da cadeia dominial, da existência, ou não, de gravames reais e de ações que envolvam o vendedor e que, v. g, em tese, poderiam conduzir à ineficácia, nulidade ou anulabilidade do contrato de compra e venda, por caracterização de fraude à execução ou contra credores24.
Em outro julgado, cuja relatoria também coube ao min. Salomão, a empresa que realizou a intermediação imobiliária foi condenada a indenizar os danos sofridos pelos adquirentes em razão de não ter pesquisado a respeito de “ações que pudessem levar a vendedora à insolvência”. Segundo o julgado:
é inequívoco que o corretor de imóveis deve atuar com diligência, prestando às partes do negócio que intermedeia as informações relevantes, de modo a evitar a celebração de contratos nulos ou anuláveis, podendo, nesses casos, constatada a sua negligência quanto às cautelas que razoavelmente são esperadas de sua parte, responder por perdas e danos25.
No mesmo sentido, alguns autores também manifestam competir às empresas imobiliárias adotarem as cautelas necessárias para que o negócio jurídico seja concretizado com segurança. Segundo Orlando Gomes26, “o corretor é obrigado a se conduzir com toda diligência, de sorte a satisfazer, juridicamente, os futuros contraentes, não devendo propiciar a realização de negócios nulos ou anuláveis” (grifamos).
A respeito do tema, discorre Claudio Luiz Bueno de Godoy27:
[...] o atual Código Civil foi explícito ao atribuir ao corretor o dever, primeiro, de informar seu cliente sobre o andamento dos negócios que esteja a promover ou intermediar. Mas não só. Incumbe ainda ao corretor o dever mesmo de esclarecer, de aconselhar seu cliente sobre a segurança e o risco do negócio, portanto incluindo o dever de informar sobre as condições dos interessados em entabulá-lo [...] que implica, decerto, sua obrigação de informar sobre tudo quanto possa influir na realização do contrato. Tanto assim que, acrescente-se, deve o corretor informar sobre alteração de preços dos objetos dos negócios a serem firmados, informando até sobre o que seja relevante a evitar, por exemplo, negócios inválidos. Tudo sobre pena de responder por perdas e danos.
É de se ressaltar, contudo, que tal entendimento não é uníssono na jurisprudência. Em julgado proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, não obstante a imobiliária ter deixado de solicitar as certidões em nome dos vendedores, entendeu-se que “o corretor não é garante do negócio jurídico” e que:
a responsabilidade, in casu, deve ser atribuída integralmente aos compradores, porquanto deveriam ter exigido além da certidão vintenária atualizada do imóvel que consta dos autos, àquelas referentes as ações no Foro competente contra os vendedores, possibilitando a verificação se o vendedor era ou não legítimo proprietário do bem28.
A despeito de tal julgado, a maioria dos acórdãos de nossa investigação apontam a responsabilidade dos corretores de imóveis e das empresas que realizam a intermediação imobiliária quando deixam de obter documentos relevantes antes de o negócio jurídico ser concluído, causando danos futuros aos adquirentes29. Esse posicionamento nos parece o mais acertado, ressaltando, contudo, que a interpretação a ser dada ao art. 723, parágrafo único, deve restringir-se às ações que estão ao alcance dos corretores de imóveis. Não é deste profissional, portanto, a obrigação de conferir segurança jurídica que extrapole os limites do técnico em transações imobiliárias.
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1 “Art. 6º As pessoas jurídicas inscritas no Conselho Regional de Corretores de Imóveis sujeitam-se aos mesmos deveres e têm os mesmos direitos das pessoas físicas nele inscritas. [...] § 2º O corretor de imóveis pode associar-se a uma ou mais imobiliárias, mantendo sua autonomia profissional, sem qualquer outro vínculo, inclusive empregatício e previdenciário, mediante contrato de associação específico, registrado no Sindicato dos Corretores de Imóveis ou, onde não houver sindicato instalado, registrado nas delegacias da Federação Nacional de Corretores de Imóveis. (incluído pela lei 13.097, de 2015)”.
2 “Art. 3º Compete ao Corretor de Imóveis exercer a intermediação na compra, venda, permuta e locação de imóveis, podendo, ainda, opinar quanto à comercialização imobiliária. Parágrafo único. As atribuições constantes deste artigo poderão ser exercidas, também, por pessoa jurídica inscrita nos termos desta lei.”
3 É o que determina o art. 726, do Código Civil: “Art. 726. Iniciado e concluído o negócio diretamente entre as partes, nenhuma remuneração será devida ao corretor; mas se, por escrito, for ajustada a corretagem com exclusividade, terá o corretor direito à remuneração integral, ainda que realizado o negócio sem a sua mediação, salvo se comprovada sua inércia ou ociosidade”.
4 CARVALHO DE MENDONÇA, J. X. Tratado de direito comercial. Atualização de Ricardo
Negrão. Campinas: Bookseller, t. 1, v. 2, n. 318, p. 348.
5 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: parte especial, Tomo XLIII. Direito das Obrigações: Mandato. Gestão de negócios alheios sem outorga. Mediação. Comissão. Corretagem. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1958, p. 333.
6 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: parte especial, Tomo XLIII. Direito das Obrigações: Mandato. Gestão de negócios alheios sem outorga. Mediação. Comissão. Corretagem. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1958, p. 336.
7 MARTINS COSTA, Judith. Parecer publicado na RT vol. 966 e disponível em: clique aqui Acesso em: 20 jul. 2018.
8 MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. Parecer acostado aos autos 1007978-60.2014.8.26.0506, do TJ/SP.
9 TEPEDINO, Gustavo. Questões controvertidas sobre o contrato de corretagem. In: ______. Temas Atuais de Direito Civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 139.
10 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: parte especial, Tomo XLIII. Direito das Obrigações: Mandato. Gestão de negócios alheios sem outorga. Mediação. Comissão. Corretagem. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1958, p. 358-359.
11 A esse exemplo, o art. 723 declara que “O corretor é obrigado a executar a mediação com diligência e prudência, e a prestar ao cliente, espontaneamente, todas as informações sobre o andamento
do negócio. (Redação dada pela Lei n. 12.236, de 2010).
Segundo Marco Aurélio Bezerra de Melo, há distinções entre a mediação e a corretagem. Enquanto o mediador “é aquele que se coloca de modo equidistante e imparcial perante os contratantes, na qualidade de agente facilitador da contratação que acaso se efetive” o corretor “é personagem que tem lado, contratado que é por quem pretende vender, comprar, alugar, dar em locação, permutar, etc.”. Assim, segundo o autor, “inegavelmente, mediação e corretagem se assemelham, mas a identificação do corretor com um dos personagens da futura contratação é decisiva na caracterização da corretagem propriamente dita”. BEZERRA DE MELO, Marco Aurelio. Direito Civil: Contratos. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 710.
12 Redação anterior: “Art. 723. O corretor é obrigado a executar a mediação com a diligência e prudência que o negócio requer, prestando ao cliente, espontaneamente, todas as informações sobre o andamento dos negócios; deve, ainda, sob pena de responder por perdas e danos, prestar ao cliente todos os esclarecimentos que estiverem ao seu alcance, acerca da segurança ou risco do negócio, das alterações de valores e do mais que possa influir nos resultados da incumbência”.
13 Disponível em: clique aqui. Acesso em: 28 jul. 2018.
14 É o caso, por exemplo, do quanto se verifica nos autos dos embargos à execução 0000633-40.2018.403.6182, em trâmite perante a 13ª Vara do das Execuções Fiscais da Justiça Federal da Comarca de São Paulo – SP. Nesse caso, o vendedor possuía dívida ativa em seu nome. Embora a empresa que fez a intermediação da venda tenha solicitado a certidão do distribuidor cível da Justiça Federal (que apontava a inexistência de ações executivas em desfavor do vendedor), não foi solicitada a certidão de dívida ativa, cujo apontamento levou à decretação de fraude à execução.
15 TJSP; Apelação 1011009-74.2015.8.26.0564; Relator (a): Kioitsi Chicuta; Órgão Julgador: 32ª Câmara de Direito Privado; Foro de São Bernardo do Campo – 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 22/06/2017; Data de Registro: 22/06/2017.
16 TJSP; Apelação 0011428-31.2011.8.26.0248; Relator (a): Francisco Loureiro; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro de Indaiatuba – 1ª Vara Cível; Data do julgamento: 07/11/2013; Data de Registro: 13/11/2013.
17 Segundo Pontes de Miranda, “a abstenção, omissão, ou ato negativo, também pode ser causa de dano. Se o ato cuja prática teria impedido, ou, pelo menos, teria grande probabilidade de impedir o dano, foi omitido, responde o omitente” (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: parte especial, Tomo XXII. Direito das Obrigações: obrigações e suas espécies. Fontes e espécies de obrigações. Rio de Janeiro: Borsoi, 1958, p. 193 e ss). Antunes Varela, a seu turno, afirma que “a omissão, como pura atitude negativa, não pode gerar física ou materialmente o dano sofrido pelo lesado; mas entende-se que a omissão é causa do dano, sempre que haja o dever jurídico especial de praticar um ato que, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação desse dano. Basta pensar, quanto à responsabilidade contratual, que o comportamento faltoso do devedor se traduz mais das vezes numa omissão – em não realizar ele a prestação (de coisa ou de facto positivo) devida”. (ANTUNES VARELA, João de Matos. Das obrigações em geral. v. I. 10. ed. Coimbra: Almedina, 2000. p. 529). Ainda a respeito da responsabilidade civil por omissão, sugerimos a leitura de: NUNES DE CARVALHO, Pedro Pitta e Cunha. Omissão e Dever de Agir em Direito Civil: Contributo para uma Teoria Geral da Responsabilidade Civil por Omissão. Coimbra: Almedina, 1999.
18 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: parte especial, Tomo XLIII. Direito das Obrigações: Mandato. Gestão de negócios alheios sem outorga. Mediação. Comissão. Corretagem. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1958, p. 359.
19 BEZERRA DE MELO, Marco Aurelio. Direito Civil: Contratos. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 716.
20 Vide: clique aqui. Acesso em: 31 jul. 2018.
21 TJSP; Apelação 0010795-69.2011.8.26.0361; Relator (a): Edson Luiz de Queiróz; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Privado; Foro de Mogi das Cruzes – 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 27/02/2013; Data de Registro: 08/03/2013.
22 Superior Tribunal de Justiça, REsp 1.364.574/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 24/10/2017, DJe 30/11/2017.
23 Segundo a sentença que deu ensejo ao Recurso Especial: “Com efeito, no Contrato de Promessa de Compra e Venda firmado pelos embargantes nada consta sobre a existência de uma ação de execução contra o proprietário do imóvel, como se constata na cópia de fls. 34 a 37 destes autos. Tampouco consta no contrato de prestação de serviços da imobiliária (fls. 23/24). A existência da referida ação de execução está confirmada nos documentos de fls. 19 a 22 destes autos e sem dúvidas é razão manifestamente justificável para o desfazimento do negócio, pois ao menos em tese o bem imóvel em questão poderia vir a ser atingido. A própria empresa embargada deixou inequívoco que nenhuma informação sobre a ação de execução foi passada aos então promitentes compradores, pois ela própria alegou na sua defesa que se tivesse sabido dos receios dos compradores, à época, teria providenciado os esclarecimentos pertinentes. Disso resulta a certeza de que os representantes da imobiliária embargada agiram com malícia ao não revelarem aos promitentes compradores que havia a pendência de ação de execução contra o proprietário, o que somou à ausência das certidões pertinentes à segurança do negócio. Descumpriu a imobiliária embargada, destarte, as obrigações que lhe impõe o artigo 723 do Código Civil [...]”
24 STJ, REsp 1.364.574/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, quarta turma, julgado em 24/10/2017, DJe 30/11/2017.
25 STJ, REsp 1.266.937, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, quarta turma, julgado em 06/12/2011, DJe 01/02/2012.
26 GOMES, Orlando. Contratos. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 475.
27 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Coord. PELUSO, Cezar. Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. Ed. Manole, 2007, p. 585.
28 TJ/SP, Apelação 9178940-53.2008.8.26.0000, Rel. Hugo Crepaldi, j. 26/09/2012. v. u.
29 A esse exemplo, cite-se os seguintes julgados do TJSP; Apelação 0003766-35.2012.8.26.0004; Relator (a): Kenarik Boujikian; Órgão Julgador: 34ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional IV – Lapa – 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 15/02/17; Data de Registro: 21/02/17); TJSP; Apelação 1012870-62.2014.8.26.0554; Relator (a): Kenarik Boujikian; Órgão Julgador: 12ª Câmara Extraordinária de Direito Privado; Foro de Santo André – 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 29/01/2016; Data de Registro: 30/01/2016; TJSP; Apelação 0033383-35.2011.8.26.0114; Relator (a): Mendes Gomes; Órgão Julgador: 35ª Câmara de Direito Privado; Foro de Campinas – 3ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 12/08/2013; Data de Registro: 13/08/2013; TJSP; Apelação 0000973-04.2011.8.26.0443; Relator (a): Mary
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