O STJ, em recente julgamento, concluído em 22/8/18, ao analisar um pedido de habeas corpus (HC 399.109/SC), em relação ao ICMS, assentou o entendimento de que constitui crime de apropriação indébita tributária (previsto no art. 2°, inciso II, da lei 8.137/90), deixar de recolher o valor do tributo, inclusive, naquelas situações em que o empresário, ao realizar as operações mercantis com o valor do tributo incluído no preço da mercadoria, embora tenha registrado regularmente a apuração do valor do imposto devido nos livros fiscais, deixa de adimplir a obrigação tributária.
Então, aquela ideia, de que imposto declarado e não pago não seria crime tributário, mas, apenas, mero inadimplemento, foi afastada nesse julgamento.
Para o Tribunal, sob o argumento de que a sonegação fiscal deve ser firmemente combatida, a tutela penal se justificaria exatamente porque os recursos auferidos das receitas tributárias é que dão respaldo econômico para a realização das atividades destinadas a atender as necessidades sociais. Assim, amparando-se em perda de arrecadação tributária, o relator do processo, ministro Rogério Schietti, justificou esse posicionamento incriminador da conduta empresarial dizendo que "o delito fiscal não só acarreta uma diminuição do valor econômico do erário, como também afeta, como resultado próprio de um dos mais genuínos delitos econômicos, toda a política econômica social".
Se não bastasse, em outras oportunidades, o Poder Judiciário já ter "chancelado" leis que autorizam, por exemplo, o protesto de Certidão de Dívida Ativa (ADIn 5135, STF), legitimando verdadeira sanção política, que tem como único objetivo constranger o devedor a pagar; agora, ao que parece, permitirá também criminalizar indistintamente o não recolhimento de tributo, quando essa situação (fenômeno econômico-financeiro), como se sabe, pode decorrer de inúmeras circunstâncias empresariais.
Não se está a defender a sonegação fiscal, longe disso. A sonegação, como também a corrupção, devem ser firmemente combatidas no país, de acordo com os instrumentos legais e constitucionais de que dispõe o Estado; mas, daí a entender que o valor do ICMS, embutido no preço, e que não foi recolhido aos cofres púbicos, tenha sido, para fins de caracterização da apropriação indébita, "descontado" ou "cobrado" do consumidor, como parece que entendeu o STJ, revela-se, com o devido respeito, um argumento um tanto quanto forçado.
O ICMS, como se sabe, está embutido no preço da mercadoria, de modo que o ônus econômico da tributação é repassado ao consumidor. Seria essa característica suficiente para se reconhecer que os empresários, na qualidade de sujeitos passivos da obrigação, "descontam ou cobram" da obrigação do consumidor o valor do tributo? E se depois, deixam de repassá-lo ao erário estadual, apropriam-se indevidamente?
O tipo penal examinado se refere, justamente, a tais hipóteses de responsabilidade tributária, em que o sujeito passivo indireto desconta ou cobra valores pertencentes ao contribuinte e deixa de recolhê-los ao erário (chamada substituição tributária). Existe aí, portanto, uma circunstância que justifica a maior reprovabilidade da conduta do que o mero inadimplemento, pois o sujeito passivo não deixa simplesmente de recolher o tributo por si devido, mas, em verdade, apropria-se do tributo devido por outrem.
A despeito desse entendimento firmado pelo STJ, tem-se que o consumidor não é contribuinte do imposto, no sentido técnico, nem sujeito passivo da obrigação, o que significa que ele jamais será cobrado pelo pagamento do imposto devido na operação. Não existe relação jurídica tributária possível entre o fisco estadual e o consumidor final, de modo que não é correto, juridicamente, considerar que o valor do ICMS embutido no preço tenha sido dele "cobrado" ou "descontado". Assim, não estaríamos a falar em crime tributário nessas situações.
Mas, apesar de o Estado não poder se valer do Direito Penal como instrumento de arrecadação, e nem o Poder Judiciário acolher pretensão que culminaria, em última análise, em prisão civil por dívida; infelizmente, e já parafraseando o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, que considera que "vivemos tempos muito estranhos", tenho que essa decisão do STJ, embora [ainda] não vinculativa, certamente servirá de combustível e incentivo à sanha arrecadatória do fisco estadual, que acaba de "ganhar" mais um "legítimo" instrumento de cobrança!!!
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*Jaime Rodrigues de Almeida Neto é advogado em Sorocaba e São Paulo. Sócio de Almeida Neto e Campanati Advogados.