A demissão de cerca de 1.200 empregados da Latam, em razão de terceirização de serviços, foi massivamente veiculada na imprensa na última semana. Os artigos causam espanto, evidentemente. Não é difícil chegar à equivocada conclusão de que isso seria resultado da "nefasta reforma trabalhista", que geraria desemprego e a precarização das condições de trabalho.
Essa conclusão inicial, causada por uma leitura apressada das manchetes, pode facilmente ser superada. Isto porque, como trataremos aqui, a aviação civil tem algumas características peculiares que justificam o processo de terceirização.
Em 1986, o Código Brasileiro de Aeronáutica (art. 102) passou a definir "as agências de carga aérea, os serviços de rampa ou de pista nos aeroportos e os relativos à hotelaria nos aeroportos", bem como "os demais serviços conexos à navegação aérea ou à infraestrutura aeronáutica, fixados, em regulamento, pela autoridade aeronáutica" como serviços auxiliares e parte da infraestrutura aeronáutica.
Por sua vez, a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), em 2009, editou a resolução 116 regulamentando os serviços auxiliares ao transporte aéreo, especificando que são eles:
- a limpeza das aeronaves: com a remoção de lixo, dejetos sanitários, higienização e arrumação;
- os serviços de natureza operacional: serviços destinados à orientação, organização, preparação e deslocamento de aeronaves, aeronautas, passageiros, bagagens e cargas quando em solo;
- atendimento e controle de embarque e desembarque de passageiros: atendimento aos passageiros que se apresentam para embarque ou desembarque, verificação de seus bilhetes de passagem e confrontação com seus documentos, conciliação de bagagem, emissão do cartão de embarque, orientação e controle, desde o ponto de recepção até o seu embarque na aeronave ou desde a saída da aeronave até a saída da área de acesso restrito, onde as bagagens são recolhidas, conferidas e restituídas aos passageiros;
- movimentação de carga: transporte entre aeronaves e terminais aeroportuários, manuseio e movimentação nos terminais aeroportuários e áreas de transbordo, bem como a colocação, arrumação e retirada de cargas, bagagens, correios e outros itens, em aeronaves.
Logo, a Latam não está atualmente terceirizando a sua atividade-fim, que é o transporte aéreo de passageiros e cargas, propriamente dito, mas sim serviços auxiliares, quais sejam, "operação de rampa e limpeza (ground handling), gestão de equipamentos de solo (GSE) e atendimento a clientes com bagagens perdidas ou danificadas".
A pergunta que se faz é: a companhia aérea pode terceirizar os serviços auxiliares?
Em que pese alguns entendimentos em contrário, em nosso sentir, sempre foi plenamente possível a terceirização de serviços auxiliares, mesmo antes da reforma trabalhista e da manifestação do Supremo Tribunal Federal.
Ou seja, não há qualquer ilicitude na conduta da Latam. É patente a natureza especial dos serviços auxiliares, que podem muito bem se enquadrar naquelas definidas como "atividades-meio" pela súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho. Afinal, se "atividades-fim" fossem, não seriam chamados de serviços auxiliares, mas de serviços essenciais, preponderantes, fundamentais, ou qualquer outro termo que demonstrasse sua condição sine qua non.
Em um ambiente altamente competitivo, em que o custo da operação é altíssimo – aliás, recentemente muitas empresas aéreas internacionais desistiram do negócio e encerraram suas operações no Brasil, vale lembrar –, a terceirização é uma oportunidade para a redução desse custo, melhorando a qualidade dos produtos e serviços entregues ao consumidor final. Além disso, a companhia aérea pode focar na busca por um alto padrão de qualidade de seu core business, que é o transporte de passageiros e cargas.
Em suma, a Latam está agindo em plena conformidade com a lei. Apesar de não haver obrigatoriedade, negociou condições especiais para os empregados desligados com o sindicato da categoria. Optou por contratar empresa especializada, que poderá atender com maior eficiência, reduzindo o custo de sua operação e aumentando sua lucratividade. E quanto aos empregos? Algumas portas se fecham, outras se abrem. Os provedores de serviços auxiliares precisarão, certamente, contratar novos trabalhadores. Precisamos acompanhar e estar preparados para as profundas e céleres mudanças de nosso mercado de trabalho.
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*Rafael Julio Borges da Silva é sócio da área trabalhista do escritório Carvalho, Machado e Timm Advogados, de SP.
*Anna Paola Bonagura é sócia da área de solução de disputas do escritório Carvalho, Machado e Timm Advogados, de SP.