Migalhas de Peso

Está vedada a compensação de débitos de estimativa apurados mediante o levantamento de balancete de redução?

A vedação se aplica apenas no recolhimento de estimativa apurado com base na receita bruta.

23/8/2018

Como foi amplamente divulgado, a lei 13.670, publicada em 30 de maio de 2018, alterou o art. 74, § 3º, IX, da lei 9.430/96 para vedar o pedido de compensação que tenha por objetivo liquidar débitos relativos ao recolhimento mensal por estimativa de IRPJ e CSLL apurados na forma do art. 2º desse mesmo diploma legal.

Independentemente de essa alteração poder produzir efeitos ainda em 2018, outra dúvida tem intrigado os profissionais que militam na área tributária, a qual deriva da própria redação do mencionado dispositivo, que assim prevê:

"Art. 74. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão.

§ 3º Além das hipóteses previstas nas leis específicas de cada tributo ou contribuição, não poderão ser objeto de compensação mediante entrega, pelo sujeito passivo, da declaração referida no § 1º:

(...)

IX - os débitos relativos ao recolhimento mensal por estimativa do Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) apurados na forma do art. 2º desta Lei."

Como se percebe, atualmente é vedada a compensação dos débitos de estimativa "apurados na forma do art. 2º desta lei", dispositivo esse que traz a sistemática segundo a qual a base de cálculo é estimada mediante aplicação dos percentuais de presunção utilizados no lucro presumido sobre a receita bruta definida pelo art. 12 do decreto-lei 1.598/77.

Ocorre, porém, que existe uma outra forma de se apurar o recolhimento mensal por estimativa. Trata-se do levantamento de balancete de redução ou suspensão, previsto no art. 35 da lei 8.981/95, que consiste na demonstração, mediante balanços ou balancetes mensais, de que o valor acumulado já pago excede o montante do tributo calculado com base no lucro real do período em curso.

Tem-se, portanto, duas formas de recolhimento de estimativa mensal de IRPJ e CSLL, são elas:

a) a prevista no art. 2º da lei 9.430/96, cujo cálculo é efetivado mediante a aplicação de um percentual de presunção sobre a receita bruta auferida; e

b) a prevista no art. 35 da lei 8.981/95, que consiste na demonstração, mediante o levantamento de balancete, que o valor já recolhido excede o montante devido calculado com base no lucro real do período em curso.

Com efeito, a questão que se coloca é a seguinte: A vedação à compensação trazida pela lei 13.670/18 alcança quais das modalidades de recolhimento por estimativa elencadas acima?

 

Essa discussão não é nova, já tendo sido suscitada por ocasião da edição da MP 449/08 (não convertida em lei), que também pretendeu proibir a compensação de débitos de IRPJ e CSLL apurados mediante o regime de estimativa.

Na ocasião, a Receita Federal do Brasil exarou Soluções de Consulta afirmando que a vedação acerca da compensação alcançava ambas as modalidades de recolhimento por estimativa.

Essa, entretanto, não nos parece ser a interpretação mais adequada, eis que o art. 74, § 3º, IX, da lei 9.430/96 é claro ao consignar que a impossibilidade de compensação diz respeito a débitos de estimativa apurados na forma do art. 2º dessa mesma lei (apuração com base na receita bruta), não sendo possível, assim, sua aplicação às estimativas apuradas via balancetes de redução, na medida em que tal modalidade é prevista em norma absolutamente distinta (art. 35 da lei 8.981/95).

O fato de o art. 2º da lei 9.430/96 dispor que deve ser observado o art. 35 da lei 8.981/95 (possibilidade de levantamento de balancete de redução ou suspensão), a nosso ver, em nada altera essa conclusão, eis que, nessa hipótese, a palavra "observar" significa "respeitar", deixando claro que o contribuinte pode optar por outra modalidade de recolhimento por estimativa que não aquela apurada com base na receita do período.

Há, portanto, clara distinção entre as modalidades de recolhimento por estimativa, o que indica que a vedação trazida pela lei 13.670/18 se aplica apenas às estimativas de IRPJ e CSLL apuradas com base na receita bruta.

Cremos não ser possível estender a comentada vedação às estimativas apuradas mediante o levantamento de balancete de redução, eis que tal proibição representa uma exceção ao direito do contribuinte de liquidar seus débitos por meio da compensação.

Logo, se a regra é que os créditos detidos pelos contribuintes podem ser compensados com qualquer tributo federal, a norma que traga restrição a esse direito deve ser interpretada de maneira literal e restritiva.

Nesse sentido se manifestou a segunda turma do STJ, no julgamento do REsp 1.385.800/SP, de relatoria do ministro Herman Benjamin:

"5. A exceção consiste nos débitos com exigibilidade suspensa nos termos do art. 151, III, IV e V, do CTN (art. 4º, II, da Lei 10.684/2003) e encontra justificativa no fato de que, nessas hipóteses, a situação fiscal do contribuinte não pode ser considerada irregular. Em casos como este, os débitos somente seriam incluídos no Paes após a desistência do processo judicial ou administrativo, com renúncia do direito sobre o qual se fundam. Como norma de exceção, a hermenêutica jurídica recomenda a interpretação restritiva do referido dispositivo." (grifou-se)

Ademais, sendo certo que a obrigatoriedade do recolhimento por estimativa se revela uma medida estranha quando se fala em apuração do IRPJ pelo lucro real anual, eis que o fato gerador desse tributo somente se perfectibiliza no dia 31 dezembro, cremos que a vedação à compensação aqui tratada deve ser interpretada de maneira mais favorável ao contribuinte, inclusive em respeito ao princípio do in dubio pro contributor.

 

Por outro lado, independentemente da extensão da vedação prevista no art. 74, § 3º, IX, da lei 9.430/96, alguns tribunais, analisando o tema sob o prisma da extinta MP 449/08, consideraram que essa proibição não valeria para os créditos decorrentes de saldos negativos formados em períodos anteriores à data de publicação do ato. Veja:

“TRIBUTÁRIO. CRÉDITOS DE IRPJ DO EXERCÍCIO DE 2007 E CSLL DO EXERCÍCIO DE SETEMBRO E NOVEMBRO DE 2008. DIREITOÀ COMPENSAÇÃO DURANTE A LIMITAÇÃO DECORRENTE DA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 449/2008, INEXISTENTE APÓS CONVERSÃO NA LEI Nº 11.941/2009. PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DA LEI TRIBUTÁRIA MAIS ONEROSA AO CONTRIBUINTE. APLICABILIDADE DA LEI Nº 8.383/91, ART. 66. CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL, ART. 170-A.

(...)

2. Os recolhimentos que acarretaram saldo negativo de IRPJ e de CSLL, efetuados antes da vigência da MP n° 449, em 04.12.2008, caso vedada sua compensação, afronta a segurança jurídica e o direito adquirido do contribuinte.”

(TRF1 – Apelação nº 00369649420094013400 – Sétima Turma – Rel. Des. Hercules Fajoses – 17/02/2017)


* * * * *


"MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO. IRPJ E CSLL. APURADOS POR ESTIMATIVA. ART. 74, § 3º, IX, LEI Nº 9.430/96 E MP Nº 449/2008. INAPLICABILIDADE. AGRAVO LEGAL DESPROVIDO.

1. A compensação, modalidade extintiva do crédito tributário (art. 156, do CTN), surge quando o sujeito passivo da obrigação tributária é, ao mesmo tempo, credor e devedor, sendo necessário para a sua concretização, autorização por lei específica e crédito líquido e certo, vencido e vincendo, do contribuinte para com a Fazenda Pública, consoante o art. 170, do CTN.

2. À luz dos princípios da segurança jurídica e da irretroatividade da lei tributária mais onerosa ao contribuinte, infere-se que a lei não pode retroagir, salvo para beneficiar o contribuinte (sujeito passivo), como já se manifestou o STJ, no sentido de que ‘A Lei Tributária não pode retroagir para agravar a situação obrigacional do contribuinte, pois se trata de norma de garantia cuja função é protegê-lo contra a atividade tributante que exorbita da legalidade... (REsp 960.239/SC, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, julgado em 14/11/2012, DJe 21/11/2012)’. Portanto, resta pacificado o entendimento de que a legislação tributária não pode retroagir para agravar a situação obrigacional do contribuinte, pois se trata de norma de garantia, cuja função é protegê-lo contra a atividade tributante que exorbita da legalidade. Com o advento da Medida Provisória nº 449/2008, o art. 74, § 3°, IX, da Lei n° 9.430/96 vedou-se compensação de débitos relativos ao pagamento mensal por estimativa do IRPJ e CSLL.

3. Não obstante a autorização legal para a modificação da legislação tributária que regula a compensação (CTN, art. 170) sem necessária observância à anterioridade, é de ser resguardado o direito à compensação/dedução do saldo negativo de IRPJ e CSLL recolhidos por antecipação antes da vigência da MP nº 449/2008, em respeito ao direito adquirido, de forma que a vedação à compensação afronta o princípio da segurança jurídica. A diferença entre as antecipações mensais e o valor menor apurado como devido configura saldo negativo, o que significa o pagamento maior de tributo. Com o advento da Medida Provisória nº 449/2008, o art. 74, § 3º, IX, da Lei nº 9.430/1996 passou a vedar a compensação de débitos relativos ao pagamento mensal por estimativa do IRPJ e CSLL.

4. Na hipótese dos autos, os recolhimentos que acarretaram o saldo negativo de IRPJ e de CSLL foram efetuados antes da vigência da MP n.º 449/2008, de forma que a vedação à compensação afronta o princípio da segurança jurídica. É de se reconhecer o direito líquido e certo da impetrante para afastar a impossibilidade de compensação de créditos tributários com débitos de estimativa de IRPJ e CSLL, com base no art. 74, § 3º, IX, da Lei n.º 9.430/1996.

(...)

6. Agravo Legal desprovido."

(TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA, ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 321609 - 0005010-09.2009.4.03.6105, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO, julgado em 10/12/2015, e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/12/2015)

Diante da breve exposição acima, na hipótese de a Receita Federal do Brasil pretender estender a vedação de compensação também aos débitos oriundos de estimativa de IRPJ e CSLL apurados mediante levantamento de balancetes, não restará alternativa ao contribuinte senão conduzir a questão ao Poder Judiciário.

__________

 

*Rafael Alves dos Santos é sócio de Abreu, Freitas, Goulart & Santos - AFGS Advogados. Coordenador e professor do Curso Avançado de Jurisprudência Tributária (PJT). Professor convidado da Universidade UNIGRANRIO. Advogado no RJ, em SP e no RS. Graduado em Ciências Contábeis.

 

*Thiago Gualberto de Oliveira é trainee no escritório Abreu, Freitas, Goulart & Santos - AFGS Advogados.

 

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