Falar para o pai e a respeito dele é sempre uma tarefa difícil, quer esteja ele presente ou não. Você pode ter a mais singela formação, desde aquela que provoca os calos duramente fincados em seu corpo, como a melhor experiência de vida, a sabedoria como estandarte, a poesia como tesouro para fazer coro com a mais bela canção até estancar num repente fazendo com que o espaço reservado às palavras fique ziguezagueando à sua frente, sem rumo, aguardando que as fibras do sentimento se comprimam para produzir a peça desejada.
A capacidade de sonhar permite a cada filho perder-se em seus devaneios para abrir as comportas da infância e de lá, sorrateiramente, entrar e retirar as imagens preferidas de seu pai, seu herói, seu paladino, com poder quase divino, semiapagadas pela cortina de fumaça do tempo e entronizá-lo no altar da vida, palco propício para dimensionar o amor humano.
Você vai perceber que as imagens vão se formando, fixando-se e, como fiandeiras, começam a desenrolar o novelo em busca de passagens envelhecidas, debruçando-se sobre os labirintos de sua memória, onde encontrará a mão que sempre o amparou. Vai além. Você olha para dentro e vai encontrar a pessoa que patrocinou a história da sua vida e a partir daí entrará num ambiente mágico em forma de poesia e recitará seus versos e suas canções com a força acumulada da energia compreendida em cada palavra.
Então você vai entrar em estado de graça e vai se lembrar daquele homem com olhar meio esgazeado, da voz mansa ou altiva, capaz de estabilizar o equilíbrio para vencer as borrascas, dos gestos nem sempre bem distribuídos, dos passos quase sempre apressados, do silêncio que substituía as respostas, das palavras fincadas na razão, de corpo nanico, mas um gigante destemido, daquele que, diante de todas as dificuldades, muitas delas aparentemente intransponíveis, sempre o segurava pela mão, verdadeiro guia olímpico, e jamais perdia a vontade de chegar ao pódio.
Vai se lembrar dos sábios conselhos, repetitivos até como se fossem uma carta de princípios, que você sempre rotulava de desnecessários mas que, com o passar do tempo, começou a elegê-los como prioritários. Você aprendeu que para subir à montanha a estrada é uma só e o atalho, em que você tanto insistia, podia levar ao abismo. Você vai ver as coisas com mais vagar, pegar carona na maneira simples e prazerosa como ele encarava a vida, as gargalhadas sem fim, suas historias e piadas quase sempre as mesmas, sua habilidade franca e despojada de narrar seu assunto predileto, sua maneira desajeitada de fazer um afeto, sua invejável calma, sem traumas.
Vai ter o momento para falar, agora como pai, até mesmo sem muito jeito, ainda sem a autoridade da experiência, que você vem enfrentando sua cruzada com as armas balizadas para arrostar os moinhos eleitos e que os ecos de seus feitos ainda reverberam em você. E também que ele saiba que seu filho vai levar a marca do bom guerreiro, a do pai, fiel amigo e companheiro, exímio escudeiro. Aproveite o momento único. Dê asas e afagos para a imaginação, peça carona às nuvens sombrias do horizonte, faça caricaturas no céu e brinque de ciranda com as estrelas, sem querer ouvi-las, como sonhou o poeta.
Diante de tanta efusão de espíritos, nada mais justo do que você homenagear seu pai neste dia. Entregar a ele o mais caloroso dos abraços, proporcionar a melhor festa, com o cardápio do seu gosto, com a caloria do afeto, contar a história de sua vida, buscar seu assunto predileto e mostrar que você aprendeu a ultrapassar os limites dos seus ensinamentos. Faça como os românticos romanos: acorde cedo, colha a mais bela flor do dia –carpe diem- e entregue a de cor branca para aquele que já partiu e a de cor vermelha para aquele com quem você compartilha este mundo.
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