Migalhas de Peso

Das coisas óbvias que ainda precisam ser ditas: artigo 778, §2º do novo CPC e a desnecessidade de consentimento do executado na sucessão processual pelo cessionário do crédito

Do cenário temos que, data máxima vênia, nem sempre iuria novit curia.

6/8/2018

 

Prevista nos artigos 286 a 298 do Código Civil, a cessão de crédito é (se não a mais) famosa espécie de transmissão de obrigações prevista pela lei civilista. De maneira simples, poder-se chamar cessão de crédito o negócio jurídico através do qual o credor transfere a outrem a sua qualidade creditória contra o devedor, recebendo o cessionário o direito respectivo, com todos os acessórios e todas as garantias1.

Na prática forense a cessão de crédito tem sido por deveras utilizada. A todo tempo, instituições financeiras ingressam em juízo com ações de cobrança, monitórias, e, especialmente, execuções de títulos extrajudiciais não pagos. No entanto, inexitosa a citação ou verificada a baixa recuperabilidade do crédito, cedem tal direito a outros entes, dentre eles os Fundos Investimento.

Até então, nada de anormal. Os Fundos de Investimento em Direito Creditórios, ordinariamente conhecidos como FIDC’s, apesar de não possuírem personalidade jurídica (aplicando-se por analogia o art. 1º da lei 8.668/93), possuem regulamentação própria e autorizativa através da resolução 2.907 de 2001 do Banco Central.

Ocorre que, a despeito de toda a regulamentação, tanto da cessão de crédito, quanto do funcionamento dos Fundos, alguns FIDC’s, apesar de juntarem aos autos executórios termo de confirmação de cessão do crédito constante do título executivo em cobrança, atos constitutivos comprovando sua capacidade postulatória e, por vezes, até mesmo apresentando notificações ao devedor quanto a cessão realizada (ato desnecessário, uma vez que se trata de regra de direito material), tem indeferido seu pedido de ingresso no polo ativo da demanda em lugar da instituição cedente.

Isso porque alguns magistrados acabam por utilizar a regra civilista constante no artigo 290, segundo a qual a cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada ou, o que é ainda pior, utilizam a regra prevista no artigo 566, inciso II, do extinto Código de Processo Civil de 1973 que, apesar de admitir o ingresso do cessionário para promover a execução do crédito, não fazia menção a necessidade ou não de consentimento do executado. Assim, os juízes acabavam por utilizar os artigos 41 e 42 da lei processual retrógrada, para admitir o ingresso do cessionário apenas como assistente, caso não houvesse o consentimento da parte contrária.

Tal situação, no entanto, não pode ocorrer em tempos de Novo Código de Processo Civil, não tão novo assim, diga-se de passagem. Em se de tratando de execução de título extrajudicial, há regra específica a autorizar o ingresso do cessionário do crédito representado pelo título, sem qualquer necessidade de anuência do executado. Este é o ponto.

Manteve o artigo 778, § 1o e inciso III, a regra de que o cessionário de direito resultante de título executivo transferido por ato entre vivos, pode promover a execução forçada ou nela prosseguir, em sucessão ao exequente originário. A novidade está no §2º do mesmo artigo, segundo o qual, a sucessão prevista no § 1o independe de consentimento do executado.

Importante destacar ainda que, antes mesmo da vigência da nova lei processual, já havia manifestação do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que não há que se a*plicar regra referente ao processo de conhecimento em execução, exigindo-se o consentimento do devedor para admissão do cessionário. Tal entendimento foi firmando Recurso Especial 1.091.443/SP, de relatoria da ministra Maria Thereza De Assis Moura, julgado em 2/5/12!

À guisa de conclusões temos que, de fato, apesar do artigo 290 do Código Civil dispor sobre a necessidade de notificação do devedor acerca da cessão do crédito, a fim de este, na prática, saiba a quem pagar, requerendo ainda o art. 109 e parágrafos da atual lei processual o consentimento da parte contrária a fim de que o cessionário possa ingressar em juízo em substituição a parte originária, nenhuma das hipóteses se aplica ao procedimento executório.

É importante salientar que, em se tratando de processo de execução, temos uma forma de cognição escassa, sendo mesmo eventual, de modo que a notificação ao executado de que sua dívida foi cedida a outro credor não altera sua obrigação de pagá-la em três dias, nomear bens à penhora ou, querendo, apresentar embargos (art. 829, art. 914 e seguintes do NCPC).

Do cenário temos que, data máxima vênia, nem sempre iuria novit curia. Assim, beirando a tautologia, cabe concluir pelo importante papel do advogado, demonstrando os dispositivos aplicáveis em cada caso, bem como utilizando-se das "inovações" processuais e jurisprudenciais disponíveis, a fim de satisfazer os interesses de seus clientes, cujo artigo 778, §2º do NCPC é mais uma.

__________

1 - PEREIRA, C. M. da S. Instituições de Direito Civil – Volume III. 1ª edição eletrônica, de acordo com o Código Civil de 2002. Revista e atualizada por Luiz Roldão de Freitas Gomes. Colaboradores: Júlia Sá Carvalho da Silva e José Luiz Nogueira. Rio de Janeiro 2003, p. 186-188.

2 WATANABE, K. Da cognição no processo civil. 2.ª edição atualizada. São Paulo, CEBEPEJ, 2000.

___________

*Caroline Rodrigues Menezes é advogada no JBM Advogados.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Coisa julgada, obiter dictum e boa-fé: Um diálogo indispensável

23/12/2024

Macunaíma, ministro do Brasil

23/12/2024

Inteligência artificial e direitos autorais: O que diz o PL 2.338/23 aprovado pelo Senado?

23/12/2024

(Não) incidência de PIS/Cofins sobre reembolso de despesas

23/12/2024

A ameaça da indisponibilidade retroativa

23/12/2024