A formalidade de certos ritos serve muitas vezes para que ilegalidades sejam aceitas sem contestação. Exemplo é o reajuste médio de 15,84% nas tarifas de energia da Eletropaulo, aprovado pela Aneel e válido desde 04 de julho. O aumento deveria ser em menor montante, uma vez que o percentual fixado resulta da incidência de impostos sobre bases não tributáveis, no caso, sobre algo que ainda não foi consumido.
No caso da Eletropaulo, identifica-se a ilegalidade na composição de custos da Eletropaulo, apresentada pelo relator do processo de reajuste anual da distribuidora paulista, André Pepitone, à agência reguladora: 33,1% da compra da energia; 26,6% de tributos (sendo 21,4% de ICMS e 5,2% de PIS/Cofins); 17,4% de encargos setoriais; 15,4% de custo de distribuição e 7,5% de custo de transmissão.
Pepitone destacou ainda que a aplicação dos valores adicionais das bandeiras tarifárias amarela e vermelha nos último doze meses permitiu que a Eletropaulo antecipasse o recolhimento de recursos para cobrir despesas com a compra de energia mais cara. Segundo ele, isso evitou aumento adicional de 7,12% no atual processo de reajuste tarifário. "A bandeira tarifária remunera o custo de geração mês a mês, com o sinal superpositivo de mostrar que a energia está mais alta num cenário de geração adverso, o que permite uma resposta imediata do consumidor", disse à Aneel.
Diante das considerações do relator, oportuno esclarecer aos consumidores sobre a cobrança das bandeiras tarifárias e ilegalidade da inclusão destes adicionais no cálculo do ICMS - imposto de maior e mais discutível impacto na fatura de energia elétrica.
As contas de luz são faturadas de acordo com o Sistema de Bandeiras Tarifárias. Sua implementação, em 2015, visava provocar os consumidores a adotarem o uso consciente de energia, a fim de se evitar o acionamento de térmicas a carvão, gás natural, óleo combustível e até biomassa. Além de informar a população, o sistema estimula a redução do consumo em situações nas quais o custo da energia é maior. Em outros termos, consiste na imposição de um adicional para antecipação de um custo futuro e incerto para o consumidor final, tendo-se em vista determinada situação hidrológica.
A base nuclear do fato gerador do ICMS, nos termos do segundo parágrafo do artigo 155 da Constituição, é a circulação de mercadoria ou prestação de serviços interestadual ou intermunicipal de transporte e de comunicação. Define-se "circulação" como a mudança de titularidade jurídica do bem. Ou seja, a mera movimentação física do bem não corresponde ao sentido que é dado ao termo "circulação" em direito tributário. Nos termos da lei complementar 87/96 (com as alterações da lei complementar 102/00), a base de cálculo do ICMS deve ser o valor da operação. No caso da energia elétrica, o fato gerador do ICMS restringe-se à demanda utilizada, consumida e não a contratada.
A jurisprudência assentada pelo STJ, a partir do julgamento do REsp 222.810/MG, é no sentido que o ICMS deve incidir sobre o valor da energia elétrica efetivamente consumida, isto é, a que for entregue ao consumidor, a que tenha saído da linha de transmissão e entrado no estabelecimento da empresa.
Neste mesmo sentido é o enunciado da súmula 391, que assim dispõe: o ICMS incide sobre o valor da tarifa de energia elétrica correspondente à demanda de potência efetivamente utilizada.
Nas considerações da própria Aneel, as bandeiras tarifárias refletem as variações no custo da geração de energia elétrica, no momento em que acontecem. Em condições hidrológicas favoráveis, não há acréscimo. Quando menos favoráveis, há um adicional na ordem de R$ 2,50 por 100 KWh. Já quando o quadro é desfavorável, passa aos R$ 4,50 por 100 KWh.
Ou seja, o encargo adicional da Bandeira Tarifária não guarda nenhuma relação com o consumo de energia, e, portanto, não deve servir de base para o cálculo do ICMS. Assim como a ineficiente gestão administrativa da energia elétrica não onerar ilegalmente os consumidores.
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*Fernanda Nogueira é sócia do escritório Machado Nogueira Advogados.