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Direito e a criatividade combinam? - A criatividade como alternativa da advocacia frente a Inteligência Artificial e o advento das lawtecs

Nos reinventarmos como seres humanos, voltarmos a ser criativos, descobridores e desbravadores que éramos quando crianças.

11/7/2018

O estudo do Direito, bem como sua estrutura, posicionamentos, formas de tratamento, construção de teses e de doutrinas sempre pareceram estanques, programáveis e não fluídas. Passa-se por tantos anos de estudo na busca pela segurança jurídica, tão necessária para a garantia do Estado Democrático de Direito, que os operadores do Direito “cartesianizam” o estudo, a produção e a prática jurídica.

Em um Estado baseado no civil law, mas com institutos de comon law1, todas as teses jurídicas existentes parecem parametrizadas, formais e lineares, sendo que a criação de novos argumentos se baseia, quase que exclusivamente, em padrões antigos retrógados e aplicáveis apenas à velhos problemas.

Nessa esteira, o ser humano se vê bombardeado pelas novas tecnologias, pelas lawtecs, e por robôs baseados em Inteligências artificiais que prometem colocar em risco a atividade de advogados, promotores e juízes. Robôs como o Watson2 que faz buscas em velocidades impensáveis à um humano, ou como o Ross3 que relaciona teses, define julgados, apresenta as melhores estratégias e ainda fornece as probabilidades de êxito. No Brasil, temos a promessa do Victor4, que auxiliará o STF na seleção dos recursos e processos a serem considerados como repetitivos ou de repercussão geral.

O CPC de 2015, em seu texto, no artigo 926, precisou normatizar que "Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente". Parece um texto desnecessário, pois resta evidente que os entendimentos jurisprudenciais devem ser uniformes, coerentes, íntegros e estáveis, mas se o artigo está presente, se foi necessário que o legislador ali o buscasse colocar, deve-se à algum fato.

Muito provavelmente, o artigo existe em razão de que os tribunais não tenham conseguido esta proeza. Vislumbra-se assim, que as "bases neurais" do Victor deverão ser muito mais complexas do que os "primos" americanos Watson e Ross, já que conseguir parametrizar o entendimento brasileiro é deveras mais difícil do que o entendimento americano.

Conforme se verifica do artigo do CPC/15 e da linha mestra que se implementa no mundo, em favor da segurança jurídica e da correta uniformização de entendimentos, busca-se que os julgados da mesma matéria sigam a mesma linha e tenham o mesmo padrão.

Na verdade, não só no Direito, mas na vida, somos buscadores de padrões. Todas as ideias já fornecidas para os nossos problemas compõem um grande banco de dados de padrões. Caso tenhamos um problema iremos rapidamente acessar mentalmente os nossos padrões para buscarmos a solução.

Ter as respostas prontas economiza tempo e energia, pois se temos a resposta baseada em padrões anteriores, não precisaremos pensar. Não pensar economiza energia e nosso corpo faz tudo para economizar energia. Ou seja, pensar consome energia, pensar cansa, pensar é tirar o nosso cérebro da zona de conforto, ou como alguns pesquisadores preferem chamar, da zona de estagnação.

Desde que tivemos a invenção dos computadores e dos editores de texto, sabemos que o "copia e cola" é sistemática inerente à nossa vida jurídica diária. Elaboramos petições iniciais em pouquíssimos minutos, consequentemente contestações, sentenças e votos em acórdãos em igual tempo. Por vezes nos esquecemos de detalhes que em consequência geram julgamentos de pedidos que não foram realizados ou indeferimentos de questões que não foram objeto da ação.

Mais do que nunca, vivemos o status do "nada se cria, tudo se copia, e agora se compartilha". Mas, copiar e colar com base em parâmetros, algoritmos e linearidades é realizado de forma muito mais eficaz pelas máquinas. Com maior rapidez e erro zero (desde que sejam corretamente programadas pelos seres humanos).

Com isso, estariam, assim, as profissões ligadas às áreas jurídicas com seu prazo de validade estipulado? Entendo que sim. Todas as atividades jurídicas que estiverem relacionadas com aspectos lineares terão a substituição do pensamento humano pela inteligência artificial. Não há como lutar com as máquinas, elas são infinitamente melhores do que nós nestas tarefas programáveis e lineares.

O que será dos atuais operadores do Direito? O que será deste imenso (e desproporcional) número de acadêmicos de Direito? Terão eles futuro em suas carreiras jurídicas, haja vista esta visão apocalíptica de que as máquinas tomarão o nosso espaço?

Penso que, os operadores jurídicos que exercem funções essencialmente lineares e programáveis, sim estão com os dias contados. Apenas restarão aquelas atividades jurídicas que necessitam da habilidade mais importante do futuro. E qual é esta habilidade?

É a habilidade de SER HUMANO. Sim, a máquina não consegue ser humana. Ser humana no sentido de prestar carinho, atenção, compreensão e principalmente perceber que naquele caso específico não se podem aplicar os algoritmos, os padrões e as linearidades à que a máquina está programada.

Neste ponto é que temos a necessidade do estudo e da compreensão da Criatividade como diferencial no Direito. Se temos um problema novo, aplicaremos os nossos antigos padrões? Soluções velhas resolvem problemas novos?

A máquina possui a limitação de parametrizar apenas aquilo que lhe foi dito como padrão. Cabe a nós, por meio da criatividade de nossas mentes, modificar os modelos, sair dos gabaritos, tradições e especialidades que nós mesmos construímos ao longo de tantos anos de pesquisa e estudo jurídico.

O desafio portanto é este. Nos reinventarmos como seres humanos, voltarmos a ser criativos, descobridores e desbravadores que éramos quando crianças. Sim, todos nós nascemos criativos e acabamos por ser tolhidos pela nossa formação escolar, familiar e, por vezes, religiosa.

Que possamos redescobrir a aventura que é pensar. Pensar com o objetivo de sair dos padrões e das regras impostas pelos bloqueios que passamos ao longo de nossas vidas até aqui.

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1 Como o estudo do Precedentes baseado na experiência anglo-saxã.

2 Watson é a plataforma de serviços cognitivos da IBM para negócios. A cognição consiste no processo que a mente humana utiliza para adquirir conhecimento a partir de informações recebidas. Com o avanço da tecnologia, essa capacidade passa a ser integrada a sistemas que podem aprender em larga escala e ajudar a sociedade em uma série de finalidades, desde o atendimento a clientes até ao combate a doenças graves, essa solução também é chamada de inteligência artificial.

3 Ross Inteligence funciona em modo intuitivo parecido com outras plataformas como a Siri, assistente da Apple, em que o usuário pode fazer qualquer pergunta da mesma maneira que um cliente faz perguntas ao seu advogado:

4 Victor é a ferramenta de inteligência artificial de iniciativa do Supremo Tribunal Federal. Na fase inicial do projeto, Victor irá ler todos os recursos extraordinários que sobem para o STF e identificar quais estão vinculados a determinados temas de repercussão geral. Essa ação representa apenas uma parte (pequena, mas importante) da fase inicial do processamento dos recursos no Tribunal, mas envolve um alto nível de complexidade em aprendizado de máquina.

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*Karlo Messa Vettorazzi é mestre em Direito Socioambiental pela PUC-PR, professor de Direito e Criatividade da FAE Centro Universitário.

*Julia de Mello Bottini é mestranda em Direito Socioambiental pela PUC-PR, professora de fundamentos do direito na UNIFACEAR.

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