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Audiência pública promovida pelo MCTIC discutiu portaria que regulamentará aplicação de recursos da lei da informática em fundos de investimentos

As empresas investidoras que cumprirem com os requisitos estipulados pela lei da informática poderão fazer jus à redução de 80% do imposto sobre produtos industrializados devido sob os produtos abrangidos pela lei da informática e pela lei 8.191, de 11 de junho de 1991.

29/6/2018

Na última quinta-feira, dia 21 de junho de 2018, ocorreu em São Paulo audiência pública promovida pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações ("MCTIC") em parceria com a Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital – ABVCAP, para apresentação e discussão de portaria que regulamentará a aplicação de recursos regulados pela lei 8.248, de 23 de outubro de 1991 ("lei da Informática") em fundos de investimentos em participação ("FIPs") que tenham em suas carteiras empresas de base tecnológica, ou outros instrumentos autorizados pela comissão de valores mobiliários ("CVM").

A publicação da portaria é uma exigência oriunda do art. 11, § 18º, inciso II, da lei da informática, conforme alterado pela lei 13.674, de 11 de junho de 2018. O artigo em questão trouxe às empresas de desenvolvimento ou produção de bens e serviços de tecnologias da informação e comunicação – aquelas beneficiadas pela lei da informática ("empresas investidoras") – uma opção adicional de aplicação dos recursos da lei da informática: investimento de até 54% de, no mínimo, 4% do seu faturamento bruto decorrente da comercialização de bens incentivados em FIPs que tenham em seu portfólio empresas de base tecnológica ("empresas investidas"). As empresas investidoras que cumprirem com os requisitos estipulados pela lei da informática poderão fazer jus à redução de 80% do imposto sobre produtos industrializados devido sob os produtos abrangidos pela lei da informática e pela lei 8.191, de 11 de junho de 1991.

Os principais pontos previstos na minuta da portaria são os seguintes:

I. Perfil das empresas investidas. "empresas de Base Tecnológica" são definidas pela portaria como as sociedades empresárias que:

a. tenham aptidão para desenvolver produtos, processos, modelos de negócio ou serviços inovadores nos quais as tecnologias da informação e comunicação (TIC) representam alto valor agregado;

b. apresentem receita bruta anual de até R$ 16 milhões de reais apurada no exercício social encerrado em ano anterior ao primeiro aporte do fundo, sem que tenha apresentado receita superior a esse limite nos últimos 3 exercícios sociais;

c. distribuam no máximo 20% dos lucros durante o período de aporte de recursos nas sociedades investidas pelo fundo (período de investimento do fundo); e

d. estejam sediadas em território brasileiro e organizadas de acordo com a legislação nacional.

II. Condições dos FIPs para receberem recursos das empresas investidoras.

Para receberem os recursos previstos na lei da informática, os FIPs deverão:

a. estar devidamente constituídos e registrados na CVM como Fundo de Investimentos em Participação, nos termos da Instrução CVM 578, de 30 de agosto de 2016 ("ICVM 578");

b. possuir período de investimentos de até 6 anos, sendo vedados novos investimentos após o encerramento do referido período, salvo em se tratando de reenquadramento, aumento de capital ou exercícios de direito de preferência da empresa investida;

c. ser qualificados como entidades de investimento, nos termos da Instrução CVM 579, de 30 de agosto de 2016;

d. investir apenas em sociedades que cumpram normas, regulamentos e padrões de proteção à saúde, ao meio ambiente e à segurança do trabalho, bem como estejam em dia com suas obrigações tributárias e trabalhistas; e

e. não investir em empresas que guardem relação direta com os seguintes setores: comércio de armas; motéis; saunas e termas; e jogos de prognósticos e assemelhados.

III. Condições dos investimentos realizados pelos FIPs. Os investimentos a serem realizados pelos FIPs deverão seguir as seguintes condições:

a. o valor aportado pelo FIP na capitalização da empresa investida deverá representar, no mínimo, o valor total de cotas integralizadas no FIP por empresa investidora;

b. não poderão ser realizados em empresa beneficiária da lei da informática e da lei 8.387, de 30 de dezembro de 1991 ou empresa por ela controlada, direta ou indiretamente;

c. não poderão ser realizados em companhias ou sociedades controladas, direta ou indiretamente, por sociedade ou grupo de sociedades, de fato ou de direito, que apresente ativo total superior a 80 milhões de reais ou receita bruta anual superior a 100 milhões de reais no encerramento do exercício social imediatamente anterior ao primeiro aporte do FIP (exceto quando a sociedade for controlada por outro FIP); e

d. o investimento na Empresa Investida deverá ser efetuado por meio de subscrição de novos títulos ou valores mobiliários da empresa investida (operações primárias).

IV. Participações dos FIPs e das empresas investidoras. As seguintes regras referentes à participação dos FIPs e das empresas investidoras deverão ser observadas:

a. o FIP terá participação minoritária no capital social da Empresa Investida que receber o recurso da Empresa Investidora (exceto em casos de necessidade de novo aporte em empresas investidas para viabilizar a continuidade de suas operações);

b. a empresa investidora cotista do FIP não poderá isoladamente deter, direta ou indiretamente, participação majoritária nas empresas investidas com os seus recursos incentivados; e

c. a empresa investidora não poderá possuir mais de 35% do total de cotas subscritas do FIP.

V. Satisfação da obrigação de aplicação do recurso. A satisfação da obrigação de aplicação do recurso em FIP ocorrerá quando da integralização das cotas do fundo de investimento, que é quando efetivamente ocorre o desembolso do recurso. O ato de subscrição de cotas do FIP não satisfaz as exigências de investimento de que trata tal portaria.

A íntegra da minuta da portaria está disponibilizada no website do MCTIC.

Todas e quaisquer contribuições à consulta pública devem ser encaminhas até o final desta semana, no dia 29 de junho de 2018.

***

Detalhes da audiência pública realizada no dia 21 de junho de 2018

A audiência contou com a participação de diversos players do mercado – a indústria, gestores de FIPs, entre outros, que podem ser grandes beneficiados da inovação trazida pelas alterações à lei da Informática. Alguns dos pontos abordados na audiência pública foram:

1. Definição de "empresas com base tecnológica": Unânime foi o entendimento de que a definição de empresa com base tecnológica é ampla. Embora a definição abrangente tenha agradado muitos dos presentes, especialmente os gestores de FIPs que teriam a liberdade de captar investimentos mais atrativos, ela também trouxe insegurança para alguns membros da indústria. A preocupação é abrir margem para a subjetividade de julgamento do que pode ou não ser caracterizado como empresa de base tecnológica e a natureza dos investimentos realizados pelos FIPs serem questionados no futuro, afetando de forma direta a concessão do benefício fiscal previsto na lei da informática. Em resumo, a objeção de algumas empresas da indústria presentes no evento consiste na falta de segurança jurídica e a possibilidade de investimento feito nos FIPs eventualmente não servir para os fins previstos na lei da informática.

2. Empresas sediadas no Brasil: Outro ponto de discussão foi o requisito estipulado pela portaria de que as Empresas Investidas devem estar sediadas em território brasileiro e organizadas de acordo com a legislação nacional. A grande controvérsia é que muitas startups, como requisito para receberem investimentos, são reestruturadas para terem sede em outros países, especialmente Cayman Islands e Estados Unidos (Delaware), embora a massa operacional dessas empresas permaneçam no Brasil. Vários dos maiores fundos de investimentos de venture capital formulam tal exigência antes de aporte, até como forma de atrair outros investidores que só aceitam investir por estrutura offshore. Diante deste contexto, a exigência trazida pela portaria poderia trazer dificuldades na operacionalização dos investimentos e poderia não ser a melhor opção para fins de captação de investimentos para as empresas investidas. A sugestão quase unânime foi de aplicar a mesma regra prevista pela ICVM 578, em seu artigo 12, § 2º, segundo a qual "não será considerado ativo no exterior quando o emissor tiver sede no exterior e ativos localizados no Brasil que correspondam a 90% ou mais daqueles constantes das suas demonstrações contábeis". Neste sentido, caso uma empresa tenha uma estrutura offshore, mas suas operações sejam predominantemente conduzidas no Brasil, essa poderia ser enquadrada como empresa de base tecnológica, nos termos da portaria. O MCTIC mostrou-se favorável à referida solução, uma vez que estaria indo ao encontro da regulamentação da CVM.

3. Obrigações Tributárias e Trabalhistas das empresas investidas: O artigo 3º, inciso IV da portaria prevê que os FIPs deverão investir apenas em sociedades que estejam em dia com suas obrigações tributárias e trabalhistas. Embora este seja o grande objetivo de qualquer investidor, muitas vezes nem sempre é a realidade. Por um lado, as startups possuem estruturas menos complexas, reduzindo exposição a contingências, porém, por outro lado, às vezes por falta de expertise, recursos e até mesmo estrutura, as contingências, especialmente tributárias e trabalhistas, podem ser realidade. Esta previsão pode reduzir as possibilidades de investimento dos FIPs e por isso foi criticada durante a sessão. O MCTIC propôs-se a rever a redação.

4. Alienação das Cotas dos FIPs pelas empresas investidoras: A possibilidade de alienação das cotas dos FIPs pelas Empresas Investidoras também foi amplamente discutida durante a audiência. A grande dúvida era se as Empresas Investidoras poderiam investir em cotas de FIPs, alienar o investimento a terceiro(s) e ainda se beneficiar nos termos da lei da informática. Esta questão dividiu os presentes, já que por um lado a intenção da lei da informática é trazer recursos às Empresas Investidas, não importando quem é o detentor do investimento (embora seja certo que a empresa compradora não possa pleitear o benefício fiscal previsto na lei da informática, uma vez já pleiteado pela alienante); por outro lado, conforme elucidado pelo MCTIC, o espírito da portaria é que a empresa investidora possa acompanhar as empresas investidas durante seu desenvolvimento, o que não seria possível em caso de alienação. O MCTIC encerrou a discussão sobre esse ponto não se posicionando de forma decisiva e propôs-se a analisar melhor a questão.

5. Fundos Mistos: Outro ponto de maior importância discutido durante a audiência foi a natureza dos FIPs a serem criados em decorrência da lei da informática e respectiva portaria – em outras palavras, se esses poderiam ser FIPs mistos (ou seja, com investimentos tanto em empresas com base tecnológica quanto em empresas de outras naturezas) ou se poderiam ser apenas FIPs puros (com investimentos apenas em empresas com base tecnológica). A portaria não exige um tipo específico e o MCTIC confirmou o entendimento. Porém, conforme previsto no art. 4º, inciso I, o valor aportado pelos FIPs na capitalização das Empresas Investidas deverá representar, no mínimo, o valor total de cotas integralizadas no FIP por Empresa Investidora. Sendo assim, para que a Empresa Investidora possa gozar do benefício fiscal, o FIP no qual ela investiu deverá investir 100% dos recursos injetados por tal Empresa Investidora em empresas de base tecnológica. Portanto, caso o restante do capital comprometido e integralizado no FIP (assim feito por quotistas que não necessariamente desejam se beneficiar da lei da informática), seja utilizado para investimentos em empresas de outra natureza, o MCTIC não deveria se opor.

Durante aproximadamente 4 horas de audiência, outros aspectos foram discutidos e várias ideias foram apresentadas, mas o clima foi sempre de construção e respeito entre as partes envolvidas. No final, o desejo geral de todos os envolvidos é de que a lei da informática e a respectiva portaria possam fomentar o desenvolvimento das empresas de tecnologia brasileiras, tanto as mais consolidadas quanto as mais embrionárias.
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*Alvaro Silas Uliani Martins dos Santos é sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados.

*Giovana R. de Sá Silva é associada do escritório Pinheiro Neto Advogados.

 

 

 

 

 









*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

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