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O oferecimento de garantia previamente ao ajuizamento de execução fiscal sob a égide do Código de Processo Civil de 2015

Na esteira do que afirmado pelo ministro Luiz Fux no julgamento do REsp 1.123.669/RS, o contribuinte executado formalmente tem o direito de oferecer bens à penhora – ou seguro garantia e carta de fiança -, mas a demora no ajuizamento da Execução pode gerar prejuízo à parte caucionante.

28/6/2018

O lançamento tributário é o ato jurídico que formaliza o vínculo obrigacional entre o contribuinte e o Fisco. Cuida-se, na lição de Paulo de Barros Carvalho, da inserção de uma "norma individual e concreta"1, pela qual a Fazenda Pública tem o poder-dever de exigir o crédito tributário. A partir desse estágio, via de regra, o contribuinte pode recolher o valor exigido pelo Fisco, no prazo estabelecido, ou tomar alguma medida que leve à suspensão da exigibilidade do crédito tributário, como a apresentação de defesa administrativa.

 

Findo o procedimento administrativo – de maneira desfavorável ao sujeito passivo da obrigação tributária –, o crédito tributário volta a ser exigível e é inscrito em dívida ativa. Ocorre que, desde o encerramento do prazo para pagamento ou da prolação da decisão de última instância administrativa, o contribuinte passa a ter problemas para emitir sua certidão negativa de débito – ou a certidão positiva com efeito de negativa – junto à Fazenda correspondente. Isso ocorre desde antes da inscrição em dívida ativa e pode prolongar-se para o momento posterior à inscrição.

 

A inscrição em dívida ativa é seguida pelo ajuizamento de execução fiscal, oportunidade em que, garantindo a dívida tributária, o contribuinte pode discutir judicialmente o débito, cuja exigibilidade se encontrará suspensa com a aceitação da garantia2. Não é raro, contudo, que a Fazenda Pública tarde em inscrever o débito em dívida ativa ou mesmo em ajuizar a correspondente execução fiscal. Esse fato, logicamente, inviabiliza a apresentação da garantia nos autos da execução, tendo em vista a sua atual inexistência, e ocasiona a referida impossibilidade de emissão da certidão negativa do contribuinte, que é essencial para o desempenho de diversas atividades econômicas.

 

O mencionado cenário, em que o contribuinte tem interesse em discutir judicialmente o débito, mas a Fazenda encontra-se em mora no ajuizamento da execução fiscal, pode ser resolvido pela via do ajuizamento, pelo sujeito passivo da obrigação tributária, de ação anulatória de débito fiscal. Essa modalidade, no entanto, é muito onerosa, porquanto, de acordo com o art. 38 da lei de execução fiscal (lei 6.830/80), deve ser precedida de depósito preparatório de valor do débito.

 

De fato, a redação desse dispositivo foi mitigada pelo Supremo Tribunal Federal, que editou a súmula vinculante 28, segundo a qual "é inconstitucional a exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade do crédito tributário". Não obstante, a maior onerosidade da ação anulatória persiste, tendo em vista que, pela jurisprudência dominante3, se permite o ajuizamento da ação anulatória sem o mencionado depósito, mas a ela não se concede o efeito suspensivo. Ou seja, a suspensão da exigibilidade do crédito tributário4 – mediante a apresentação de garantia nesta via processual – somente ocorrerá com o depósito judicial do montante integral do débito.

 

Para comodidade de raciocínio, sublinhe-se que, de acordo com o art. 151 do Código Tributário Nacional (CTN), suspendem a exigibilidade do crédito tributário: (i) a moratória; (ii) o depósito do seu montante integral; (iii) as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo; (iv) a concessão de medida liminar em mandado de segurança; (v) a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial; e (vi) o parcelamento.

 

Por sua vez, o art. 9º da lei de execução fiscal prescreve que se prestam à garantia da execução fiscal: (i) a realização de depósito judicial do montante integral; (ii) o oferecimento de fiança bancaria ou de seguro garantia; e (iii) a nomeação de bens à penhora.

 

As formas de garantia que não a realização do depósito do montante integral, previstas nesse último dispositivo, não implicam, ope legis, na suspensão da exigibilidade do crédito tributário, porquanto não mencionadas no rol do art. 151 do CTN. Entretanto, por força de julgamento de recurso repetitivo pelo STJ5, os juízos e tribunais vêm admitindo a atribuição de suspensão da exigibilidade do tributo mediante a apresentação de carta de fiança bancária, de seguro garantia ou a nomeação de bens à penhora.

 

Com efeito, no mencionado julgado, de 2010, tratou-se da possibilidade da aceitação dessas formas de garantia não previstas no art. 151 do CTN com o fito de possibilitar a emissão da certidão negativa de débito do contribuinte. É aqui, precisamente, que se insere o ponto de discussão do presente artigo. Tendo em vista que essa construção legal e jurisprudencial diz respeito ao procedimento das Execuções Fiscais, como apresentar garantia diante da mora da Fazenda Pública em ajuizar o executório?

 

Na ocasião desse julgamento, mencione-se que o ministro Luiz Fux, relator do processo, fez consignar que: "o contribuinte pode, após o vencimento da sua obrigação e antes da execução, garantir o juízo de forma antecipada, para o fim de obter certidão positiva com efeito de negativa". Sob esse entendimento, e desde antes do julgado, os contribuintes passaram a ajuizar, sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, Ações Cautelares Inominadas6, com o único objetivo de – oferecendo apólice de seguro garantia, carta de fiança bancaria ou bens à penhora – antecipar os efeitos que seriam obtidos com a aceitação de garantia em execução fiscal pendente de ajuizamento pelas Fazendas Públicas.

 

Tal arquitetura processual foi bem recepcionada pelos Tribunais e solucionou a questão da mora do Fisco em ajuizar as Execuções Fiscais. Quando o mencionado ajuizamento ocorria, o contribuinte requeria, nos autos da cautelar, o traslado da garantia para os autos da execução fiscal. Nesse sentido, exempli gratia, era a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios:

PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CAUTELAR INOMINADA. DÉBITO FISCAL. CAUÇÃO ANTECIPATÓRIA DE GARANTIA. BEM IMÓVEL OFERTADO EM GARANTIA. CERTIDÃO POSITIVA COM EFEITOS DE NEGATIVA. POSSIBILIDADE. DECISÃO MANTIDA. 1.A caução oferecida pelo contribuinte em ação cautelar inominada, antes da propositura da execução fiscal, é equiparável à penhora antecipada e viabiliza a expedição de certidão positiva com efeitos de negativa, desde que aceita como garantia do juízo. 2. Constatado nos autos que o contribuinte ofereceu em garantia imóvel desembaraçado avaliado em quantia suficiente para assegurar o débito existente perante a Fazenda, não há motivos para a recusa da caução ofertada. 3. Agravo de Instrumento conhecido, mas não provido. Unânime.7

Esse cenário foi abalado com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015. A mudança sistemática consistiu em que as ações cautelares autônomas deixaram de existir, exsurgindo, em substituição, as tutelas provisórias, previstas nos artigos 294 e seguintes. De acordo com a previsão legal, a tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental. A interpretação da nova previsão, contudo, ainda não foi harmonizada para fins de antecipação de garantia no processo tributário.

 

Veja-se, por exemplo, o novo entendimento da 13ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, segundo a qual o Código de Processo Civil de 2015 levou a cabo a possibilidade de garantia antecipada de execução fiscal, sob o entendimento de que falta, nesse caso, interesse de agir do contribuinte:

PROCESSUAL CIVIL – PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA CAUTELAR EM CARÁTER ANTECEDENTE – PRETENSÃO DA AUTORA DIRECIONADA À OBTENÇÃO DA CERTIDÃO DE REGULARIDADE FISCAL PREVISTA NOS ARTS .205 E 206 CTN MEDIANTE OFERECIMENTO DE CAUÇÃO IDÔNEA (SEGURO GARANTIA), GARANTINDO ANTECIPADAMENTE A EXECUÇÃO FISCAL – NATUREZA SATISFATIVA DA PRETENSÃO INADEQUADA À NOVA SISTEMÁTICA PROCESSUAL CIVIL VIGENTE RELACIONADA ÀS TUTELAS PROVISÓRIAS CAUTELAR E ANTECIPADA – NOVEL CODIFICAÇÃO QUE CATEGORICAMENTE EXTIRPOU DO ORDENAMENTO JURÍDICO A AUTONOMIA E ACESSORIEDADE DO PROCESSO CAUTELAR, LIMITANDO MEDIDAS DESSE JAEZ À DEPENDÊNCIA DE UMA AÇÃO PRINCIPAL – HIPÓTESE EM QUE A DENOMINADA "AÇÃO CAUTELAR DE CAUÇÃO PRÉVIA À EXECUÇÃO", ADMITIDA ANTERIORMENTE EM RAZÃO DO ENTENDIMENTO MANIFESTADO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA EM SEDE DE JULGAMENTO DE RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C CPC 1973) NO RESP Nº 1.123.669-RS, NÃO ENCONTRA RESSONÂNCIA NA ATUAL SISTEMÁTICA – MANIFESTA AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL DA AUTORA QUE IMPORTA NO RECONHECIMENTO DA INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL, A TEOR DOS DISPOSITIVOS CONSTANTES DOS ARTS. 330, III E 331 C.C. ART. 485,VI CPC, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO – SENTENÇA EXTINTIVA DO FEITO MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO.8

 

Junto disso, está a redação do art. 308 do CPC de 2015, de acordo com o qual, efetivada a tutela cautelar, deve o autor formular o pedido principal no prazo de trinta dias, nos mesmos autos da tutela cautelar. A única possibilidade, com a interpretação gramatical do dispositivo, seria, nessa fase, o aditamento do pedido pelo contribuinte para que a tutela seja convertida em ação anulatória de débito fiscal, com a dificuldade adicional de que a forma de garantia prevista em lei para essa via processual é, como já mencionado, o depósito do montante integral.

 

Criaram-se, novamente, dificuldades para o oferecimento de seguro garantia, de carta de fiança e de bens à penhora, na linha contrária da orientação jurisprudencial que já estava pacificada. Tal orientação, concessa venia, desconsidera os fundamentos que levaram o STJ a manifestar o entendimento em sede de julgamento do recurso repetitivo. Não se pode imputar ao contribuinte em condições de oferecer a garantia da dívida prejuízo pela demora do Fisco em ajuizar a execução fiscal para a cobrança do débito tributário.

 

Levando-se em consideração o princípio da menor onerosidade, não é razoável retirar do contribuinte a possibilidade de garantir o débito, previamente ao ajuizamento da execução fiscal, por meio de seguro, fiança ou penhora de bens, visando à obtenção de certidão de regularidade fiscal. A essa razão, soma-se o disposto no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, a prescrever que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito – no caso, aquela consistente na impossibilidade da emissão da certidão do contribuinte.

 

Duas soluções possíveis para a resolução dessa dificuldade criada com a entrada em vigor do novo diploma processual são: (i) admitir-se o ajuizamento de tutela de urgência antecedente com base nos dispositivos gerais dos artigos 300 a 302 do CPC de 2015, prescindindo da necessidade de aditamento para formulação de pedido principal; e/ou (ii) admitir-se, ainda, o ajuizamento de ação anulatória de débito fiscal mediante o oferecimento de seguro garantia, fiança bancária ou de bens à penhora, na linha da jurisprudência que começa a se formar no TJDFT.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA PROVISÓRIA. EXPEDIÇÃO DE CERTIDÃO POSITIVA COM EFEITOS DE NEGATIVA, EM RELAÇÃO AOS DÉBITOS DISCUTIDOS NA ORIGEM. PRESTAÇÃO DE SEGURO GARANTIA. POSSIBILIDADE. VALOR INTEGRAL. OBSERVAÇÃO DA PORTARIA PGDF 60/2015. 1. O repertório jurisprudencial dos Tribunais autoriza a utilização do mecanismo da fiança ou seguro garantia, previsto na Lei de execução fiscal, em seu art. 9º, inciso II, nas demandas Anulatórias de Débito Fiscal. [...] 4. Deu-se parcial provimento ao agravo de instrumento.9

Na esteira do que afirmado pelo ministro Luiz Fux10 no julgamento do REsp 1.123.669/RS, o contribuinte executado formalmente tem o direito de oferecer bens à penhora – ou seguro garantia e carta de fiança -, mas a demora no ajuizamento da execução pode gerar prejuízo à parte caucionante. Verdadeiro é o princípio geral do direito segundo o qual a todo direito corresponde uma ação que o assegura, permitindo-se concluir que a demora ou inércia do fisco não pode impedir a garantia do débito. Daí a necessidade de se admitir, em específico para a questão, que a tutela de urgência, com caráter satisfativo, seja admitida independentemente do ajuizamento de ação principal, de modo a efetivar-se, concomitantemente, os princípios do interesse público na cobrança dos créditos tributários e da menor onerosidade ao contribuinte, em qualquer estágio temporal em que se encontre, sem prejuízos a um ou a outro lado.
_____________

 

1 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 464.

2 A depender da forma de garantia, não se suspende a exigibilidade, mas os efeitos são parecidos, tendo em vista que a garantia distinta do depósito do montante integral permite a discussão judicial do débito e a emissão de certidão negativa de débito ou de certidão positiva com efeito de negativa.

3 STJ, AgRg no AREsp 491.405/SC, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/08/2014, DJe 26/08/2014.

4 Ou mesmo a garantia apresentada com o simples intuito de possibilitar a certidão negativa de débito ou de regularidade fiscal.

5 STJ, REsp 1.156.668/DF, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/11/2010, DJe 10/12/2010.

6 Especificamente, cuidava-se da medida cautelar de caução, prevista nos artigos 826 e seguintes do revogado diploma processual civil.

7 TJDFT, Acórdão n.853135, 20140020295686AGI, Relator: FÁTIMA RAFAEL 3ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 25/02/2015, Publicado no DJE: 09/03/2015. Pág.: 383.

8 TJSP; Apelação 1010617-47.2017.8.26.0053; Relator (a): Ferraz de Arruda; Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 6ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 30/08/2017; Data de Registro: 31/08/2017.

9 TJDFT, Acórdão n.1024549, 07056416320178070000, Relator: LEILA ARLANCH 7ª Turma Cível, Data de Julgamento: 14/06/2017, Publicado no DJE: 26/06/2017. Pág.: Sem Página Cadastrada.

10 STJ, REsp 1.123.669/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/12/2009, DJe 01/02/2010.

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*Antonio Carlos Guimarães Gonçalves é sócio do escritório Demarest Advogados.

*Carlos Alberto Rosal de Ávila é advogado do escritório Demarest Advogados.

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