Recentemente foi noticiado que um estudante de 16 anos foi preso nos Estados Unidos após ter utilizado ferramentas de tecnologia para alterar notas no sistema de sua escola1.
Em 2010, também nos Estados Unidos, o Washington Post já publicava notícia sobre um "mini-hacker", de apenas 9 anos, que derrubou os protocolos de segurança do sistema escolar do condado de Fairfax, na Virgínia, trocando as senhas dos professores e funcionários, além de alterar e apagar conteúdos de aulas e atividades virtuais2.
Casos como esses representam um grande alerta para que pais e educadores orientem crianças e adolescentes sobre o uso adequado e consciente da tecnologia e as repercussões jurídicas de suas ações na Internet.
Na medida em que a população mundial já ultrapassou 7 bilhões de habitantes em 2017, segundo relatórios da Organização das Nações Unidas (ONU)3, o aumento exponencial da utilização de recursos tecnológicos diariamente por pessoas de diversas faixas etárias e gerações distintas reclama um novo olhar sobre a importância da educação digital como meio de transformação da sociedade e conscientização social.
Hoje em dia não basta apenas ensinar português, matemática, física ou química aos jovens. É fundamental a formação de cidadãos que façam bom uso da tecnologia em um mundo cada vez mais conectado através de smartphones, tablets e notebooks.
Nesse aspecto, não se pode olvidar que a educação é um dever da família, da escola e da sociedade em geral, conforme estabelecido pela Constituição Federal (artigo 2274) e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (artigo 4º5), ressaltando-se o papel dos pais para dirigir a educação e criação dos filhos, nos termos do artigo 1.634, inciso I do Código Civil6.
Nesse passo, embora as instituições de ensino possuam um papel importante na educação digital, os pais não devem terceirizar essa tarefa, sendo crucial a união de esforços para essa finalidade.
Ocorre que muitos dos pais não foram preparados para o universo digital. Eles são os chamados imigrantes digitais7, pois cresceram em uma época em que a Internet não estava presente na vida cotidiana e foram aprendendo a utilizá-la conforme esse recurso foi sendo difundido.
Já as crianças e os adolescentes de hoje são os chamados nativos digitais8 , visto que já nasceram e cresceram em uma época na qual tecnologias digitais já eram uma realidade e que fizeram parte de sua vivência.
Se, de um lado, é impressionante que para as crianças e adolescentes o manuseio da tecnologia venha com muita naturalidade, de outro, causa preocupação a ausência de discernimento sobre as consequências dos atos praticados online.
Algumas vezes esses jovens assumem o papel de vítimas, expostos indevidamente a conteúdos impróprios permeados de violência, ódio, preconceito, pornografia, nudez, pedofilia, jogos perigosos (como o da "Baleia Azul"9), etc.
Entretanto, muitas vezes as crianças e adolescentes acabam incorporando o papel de infratores, postando ofensas em redes sociais, participando de Cyberbullying e praticando atos ilícitos em geral na Internet.
No Brasil, verificada a prática de ato infracional por um menor de idade, surge a possibilidade de aplicação de medidas sócio-educativas em atenção ao que dispõe o artigo 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente10.
Apesar disso, os pais podem ser responsabilizados pelos danos causados a terceiros pelos filhos menores, conforme previsão do artigo 932 do Código Civil11. Nesses casos, a responsabilidade independe da culpa dos pais, como preceitua o artigo 933 do mesmo Diploma Legal12.
Em se tratando douso da Internet, cabe lembrar que o Marco Civil da Internet (lei 12.965/14), que disciplina o uso da Internet no Brasil e garante meios para a identificação daqueles que praticam atos ilícitos na rede sob o manto do anonimato, traz disposiçõesa respeito do exercício do controle parental sobre o uso de recursos tecnológicos pelos filhos menores (art. 2913), reforçando o dever de fiscalização dos pais.
A propósito do tema, o Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu recentemente a responsabilidade dos pais por ato do filho menor que comprou jogos eletrônicos pela Internet utilizando cartões de crédito do pai, uma vez que disponibilizaram o acesso à conexão e ao meio de pagamento14.
Apesar dos riscos na utilização da Internet, é quase impossível e até mesmo inviável afastar-se da tecnologia, que inclusive pode ser uma grande aliada dos pais na difícil tarefa de educar.
Portanto, importante que os pais se atentem às atividades dos filhos menores no ambiente digital, não somente para a própria segurança dos pequenos, mas também como forma de mitigar os riscos de responsabilização civil por eventuais atos ilícitos praticados na Internet.
Nesse cenário, o futuro da sociedade digital dependerá dos princípios e valores educacionais ensinados para os jovens de hoje, garantindo-se cada vez mais o uso seguro, consciente e responsável da Internet.
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4 Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
5 Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
6 Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos:
I - dirigir-lhes a criação e a educação;
7 Termo criado pelo norte-americano Marc Prensky.
8 Idem nota anterior.
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10 Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
I - advertência;
II - obrigação de reparar o dano;
III - prestação de serviços à comunidade;
IV - liberdade assistida;
V - inserção em regime de semi-liberdade;
VI - internação em estabelecimento educacional;
VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.
11 Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;
12 Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.
13 Art. 29. O usuário terá a opção de livre escolha na utilização de programa de computador em seu terminal para exercício do controle parental de conteúdo entendido por ele como impróprio a seus filhos menores, desde que respeitados os princípios desta Lei e da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente.
14 AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANOS MATERIAIS E MORAIS. Criança que adquiriu jogos pela internet utilizando cartões de crédito dos pais. Relação de consumo. Inexistência de defeito no serviço. Culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Art. 14, §3º, I e II, CDC. Responsabilidade dos pais pela fiscalização dos atos dos filhos menores. Desrespeito à restrição de idade para possuir conta Google. Acesso à internet e aos cartões de crédito permitido pelos pais. Ausência de responsabilidade da ré. Sentença mantida. Honorários advocatícios majorados. Recurso não provido, com observação.
(TJSP; Apelação 1016178-98.2017.8.26.0361; Relator (a): Fernanda Gomes Camacho; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Privado; Foro de Mogi das Cruzes - 2ª Vara da Família e das Sucessões; Data do Julgamento: 14/06/2018; Data de Registro: 14/06/2018).
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