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A ilegalidade da condução coercitiva

O exercício desse direito não pode ser visto como uma penalização, um suplício, um antídoto da liberdade consagrada.

24/6/2018

O Supremo Tribunal Federal, em decisão apertada, com a diferença de um único voto (6X5), colocou a pá de cal sobre a inconstitucionalidade da decretação da condução coercitiva para investigados e réus no processo penal, interpretando-a como medida incompatível com a restrição da locomoção do cidadão e por colidir com o princípio da não culpabilidade.

Assim preceitua o artigo 260 do CPP "Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença."

Percebe-se, pela leitura do regramento, que o comando coercitivo limita-se a uma faculdade e não a uma obrigatoriedade e, ainda, na interpretação do mesmo texto, a intervenção ocorrerá somente quando o acusado deixar de atender a ordem da autoridade. Há, portanto, a obrigatoriedade de uma intimação e a consequente recusa em atendê-la.

Na prática, no entanto, pelo menos na Operação Lava-Jato, que mais lançava mão deste expediente, não se aguardava a recusa do investigado e, no mesmo ato da intimação, de imediato, já continha a ordem para condução coercitiva.

A Constituição Federal estabeleceu vários dispositivos tuteladores da liberdade de locomoção do cidadão, contemplando-o também com garantias formais inscritas nos direitos fundamentais que, numa rápida análise, colidem com o texto processual. Assim, a condução coercitiva além de ser um instrumento conflitante com a norma constitucional, é também inócuo, pois na medida em que o cidadão for conduzido perante a autoridade, seja ela policial ou judicial, pode, em razão da garantia constitucional do nemo tenetur se detegere, fazer uso do direito ao silêncio e, consequentemente, deixar de responder às perguntas formuladas.

Referido princípio consagra ao acusado o direito de não se autoincriminar, uma vez que não é objeto de prova e sim sujeito de direitos. Sob esse prisma não tem qualquer obrigatoriedade de cooperar com a realização das provas no processo penal. Daí que, observando criteriosamente, dá-se a impressão que as autoridades policial e judicial sofrem uma limitação com relação à aplicação da medida coercitiva, consistente na apresentação obrigatória do investigado. Isto em razão da invasão e da restrição que provocam aos direitos proclamados no devido processo legal, na ampla defesa e na presunção de inocência. De nada adianta conduzir coercitivamente o suspeito sem obter dele qualquer versão a respeito dos fatos perquiridos. A presença física, por si só, não se traduz em qualquer conquista probatória.

Pode-se até considerar que a condução coercitiva represente uma forma de coação e intimidação ao suspeito, que se vê acuado diante da força legal. Queijo, com razão e atingindo o fulcro da questão, assim se manifesta: "Não se pode desconsiderar que a condução coercitiva exerce certa compulsão sobre o acusado para que participe ativamente no interrogatório, respondendo às indagações formuladas. É ínsita à condução coercitiva a expectativa de que ele responda às perguntas que lhe serão dirigidas no interrogatório"1.

O direito ao silêncio é tutelado constitucionalmente e o acusado pode se recusar a responder às perguntas que venham incriminá-lo. Cinge-se na esfera do também preceito constitucional da ampla defesa, corolário inseparável dos direitos da personalidade, assim denominado por Pontes de Miranda. Não compreende somente a zona de intimidade do infrator, mas, também, o alargamento das fronteiras defensivas, não permitindo, desta forma, que produza provas contra si mesmo, quando for convidado a testemunhar o próprio opróbrio, como diz Tomás de Aquino.

A Carta Constitucional estende os braços para o princípio da presunção da inocência, que guarda estreita vinculação com a regra de que ninguém está obrigado a produzir provas contra si mesmo, direito assegurado nas constituições democráticas, conforme se constata da norte-americana no instituto do privilege against self-incrimination (privilégio da não autoincriminação). O exercício desse direito não pode ser visto como uma penalização, um suplício, um antídoto da liberdade consagrada. E a liberdade do cidadão somente pode ser limitada em nome de outra liberdade mais prevalente, no critério estabelecido por seres iguais e livres, com liberdade de escolha.

Incumbe ao Estado, portanto, por meio de seus agentes persecutórios, demonstrar a prática de um ilícito pelas vias probatórias admissíveis nas regras jurídicas e não coagir o eventual infrator a consentir na realização de provas espúrias, prostrando-o diante de sua própria cidadania. É o aniquilamento de direitos obtidos com muito custo pela população brasileira. É a reserva que assegura ao cidadão o direito de não realizar provas contra si mesmo.

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1 - Queijo, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo: (o princípio do nemo tenetur se detegere e suas consequências no processo penal). São Paulo, Saraiva, 2003, p. 238.

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior, promotor de justiça aposentado/SP, mestre em direito público, pós-doutorado em ciências da saúde, advogado, reitor da Unorp.

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