Se me perguntassem qual o ramo do direito ao qual eu me dedico, eu diria que milito no direito empresarial.
E no exercício desta advocacia empresarial, sou rotineiramente consultado sobre o regime de bens que deve ser adotado quando um casal resolve contrair núpcias.
Mas... Não deveria ser um advogado especialista em família o adequado para prestar tal consultoria?
Talvez, e também talvez as respostas vindas de profissionais com especialidades diferentes sejam igualmente distintas.
Provavelmente a resposta de um advogado especializado em direito de família seja outra, mas como vivo há mais de duas décadas as agruras das empresas e seus sócios na realização de seu planejamento estratégico, já senti na pele – inúmeras vezes - a dificuldade de uma eleição inadequada do regimes de bens quando da busca de soluções jurídicas para o dia-a-dia empresarial.
Neste sentido, no mais das vezes, sou enfático em responder: Separação Total de Bens, na forma do art. 1.687 do Código Civil é a melhor opção ao casal.
Claro que me refiro ao comum dos casos, não servindo esta indicação para situações peculiares que envolvem complexas arquiteturas empresariais nas quais um dos cônjuges ou ambos estejam envolvidos, ou mesmo peculiaridades de relacionamentos ou relacionamentos peculiares.
Certa vez atendi um empresário "à moda antiga" que não aceitava que a esposa trabalhasse fora. Neste caso é evidente que a eleição da separação total de bens não é a melhor escolha, pois a única fonte produtiva seria o homem que acumularia patrimônio enquanto a mulher tomaria conta do lar.
Mas, repito, para a maioria dos casais, ambos economicamente produtivos, sou incisivo em sugerir a separação total de bens como o melhor regime e abaixo trarei os motivos pelos quais assim penso.
A divisão patrimonial já está pronta em caso de divórcio
Sei que os nubentes buscam uma união "pra toda a vida", mas é inevitável pensar que ela tem prazo para acabar. Seja pela morte de um dos cônjuges ou, hoje o mais comum dos casos, pelo divórcio.
A última pesquisa feita pelo IBGE mostra que de 1984 até o ano de 2016, os casamentos cresceram 17%, em compensação os divórcios tiveram um incremento de 269%. Acho que é desnecessário dizer algo mais sobre isto...
Grande parte das pessoas está inebriada pelo amor (e algumas vezes ainda pela paixão) e não se dá conta que a eleição do regime de bens é exatamente uma pré-regulamentação da divisão patrimonial em caso de extinção do casamento pelo divórcio e por este motivo não refletem adequadamente sobre "como será se não der certo?".
E aí entra meu primeiro argumento a favor da separação total de bens: Em "não dando certo", a separação do patrimônio já está pronta e acabada, afinal o que estiver na esfera patrimonial de cada cônjuge, a ele pertence.
Sem tributação, sem qualquer registro, sem despesas cartorárias – salvante aquelas que tornam público o divórcio – sem grandes alterações no imposto de renda...
Aliás, é na esfera tributária que as coisas se complicam em divórcios de casais casados com comunhão total ou parcial de bens, que são esmagadora maioria.
Isto porque não podemos nos esquecer que os casais que elegeram as comunhões de bens (total ou parcial) dificilmente fazem divisões milimetricamente exatas do patrimônio comum quando do divórcio, pelos motivos mais variados, que todos nós podemos, sem esforço, imaginar...
Ocorre que, para o fisco, o patrimônio comum corresponde a 50% para cada cônjuge. Se um deles está ficando com 60% e outro com 40%, o órgão arrecadatório entende que está havendo uma doação de um ex-cônjuge a outro de 10%, que será tributado conforme tabela estadual do ITCMD – Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação.
Há meios de minimizar tal custo, mas não se pode dizer que são absolutamente isentos de riscos...
Inexistência de bens sub-rogados na separação total de bens
Quando o casal opta pela comunhão parcial de bens, que se constitui a regra dos casamentos atualmente, a lei diz mais ou mesmo assim: "cada um tem o que era seu, e a partir do casamento o que for adquirido pertence a ambos na proporção de 50% para cada."
Entretanto, a mesma lei (art. 1.659) relaciona alguns direitos e obrigações que são excluídos da comunhão. Pela extensão do artigo, opto por transcrevê-lo:
Art. 1659. Excluem-se da comunhão:
I - os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;
II - os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;
III - as obrigações anteriores ao casamento;
IV - as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;
V - os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;
VI - os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;
VII - as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.
Repetindo: Estes direitos e obrigações pertencem exclusivamente ao cônjuge que os tem em sua esfera jurídica, ainda que casado em comunhão parcial de bens.
Este artigo de lei dá margem a uma infinidade de processos que povoam os tribunais, em especial a questão dos bens sub-rogados.
Os bens sub-rogados são aqueles que foram adquiridos após o casamento, mas com recursos financeiros ou bens pertencentes a um dos cônjuges antes do casamento.
Há situações bastante simples de serem comprovadas. A esposa trocou um apartamento que era proprietária antes de casar por outro do mesmo valor em outra cidade.
Mas esta facilidade não é a regra! Depreciações, valorizações, injeções de recursos em novas aquisições com permutas, reformas e outras questões geram a dificuldade dos casais – transmitidas aos advogados, juízes e promotores que atuam nos casos – em quantificar o que é de cada um.
Na separação de bens isto é indiscutível, pois cada cônjuge é proprietário e administrador de seu patrimônio exclusivo.
Necessidade da anuência do cônjuge para a realização de determinados contratos
Dispõe o Código Civil:
Art. 1647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:
I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;
II - pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos;
III - prestar fiança ou aval;
IV - fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação.
Neste dispositivo de lei o Código Civil enumera uma série de contratos que para serem válidos dependem da assinatura não de um membro do casal, mas sim de ambos. Isto recebe o pomposo nome de outorga uxória.
Como este não é um trabalho científico, vou diretamente à hipótese que gera a maior quantidade de problemas: O aval e a fiança.
Vamos imaginar um caso bastante corriqueiro: Temos um casal jovem, formado por uma profissional liberal e um marido empreendedor, casado em regime de comunhão (qualquer delas) de bens. Dentro das mais diversas dinâmicas matrimoniais em relação ao dinheiro, a deles é bastante comum: Cada um administra os seus recursos e contribuem na medida de suas possibilidades para a manutenção do lar.
A profissional liberal exerce sua profissão necessitando de uma sala comercial onde presta serviços aos seus clientes. Já o marido pretende fabricar, tornar-se industrial e para tanto necessita a injeção de recursos obtidos junto à instituição financeira.
Quando o marido vai ao banco pedir o necessário empréstimo para sua empresa iniciar as atividades, o banco concede o financiamento, mas não sem antes dizer: "Preciso do aval de sua pessoa física, pois se você não confia no seu projeto, porque devo eu – banco – confiar?"
O gerente bancário sabe a lei, e pede para que o marido traga a esposa para assinar o contrato de empréstimo como avalista, pois como diz o artigo acima transcrito, o marido não pode prestar aval sem a anuência da esposa.
Nem vou me referir aqui aos problemas domésticos gerados por este tipo de solicitação do marido à esposa.
Mas o que teremos ao final – se tudo der certo – é uma profissional liberal garantindo um empréstimo do marido junto ao banco, pois seu aval não é válido sem a assinatura dela.
Isto pode ser pior se o marido não for dono da própria empresa, mas um executivo diretor de uma grande empresa. Todas as operações financeiras são avalizadas pelo marido que é mero funcionário da empresa (ou presta serviços) necessitando para tanto da assinatura de sua esposa, dona de casa, em todas as operações.
Isto é tão comum que as empresas providenciam procuração pública da esposa ao marido dando poderes para prestar aval em favor da empresa que ele trabalha.
Por um problema que o leitor é livre para imaginar, o marido é demitido, mas seu aval – e de sua esposa que nunca pisou na empresa – permanecem garantindo os empréstimos da empresa empregadora do marido junto ao sistema financeiro.
O casal pode se exonerar da garantia prestada? Se estivermos falando de fiança, há possibilidade. Se for aval, que é a praxe nas operações financeiras, não, apenas com o consentimento do credor...
Como tudo isto poderia ser evitado? Tendo o casal escolhido a separação total da bens, a única exceção à regra estabelecida no caput do art. 1.647 do Código Civil: "exceto no regime da separação absoluta".
Equalização patrimonial à escolha do casal
Quando os casais optam pelas comunhões de bens, eles aderem a um modelo fechado oferecido por lei: 50% do patrimônio comum pertence a cada cônjuge.
O regime de separação total de bens também é um modelo fechado: Cada cônjuge é proprietário exclusivo dos bens que estão em sua esfera patrimonial.
Examinando a vida real, arriscaria dizer que um casal, onde ambos os cônjuges recebam a mesma quantidade de recursos mensalmente, faz parte de uma exceção infinitesimal dos casais.
Peguemos nosso exemplo acima, do jovem casal. No começo de suas vidas ela poderia ganhar 30% a mais que ele, e este percentual se inverteu após 10 anos de casamento.
Se o casal que elegeu a comunhão de bens como regime adquirir um bem ao longo do casamento, mesmo que cada um dos cônjuges tenha contribuído com percentuais diferentes para a aquisição, o resultado será o mesmo: cada um terá 50% do referido bem.
Na separação de bens isto pode ser equacionado. Ambos os cônjuges adquiriram um imóvel, mas a esposa contribuiu com 70% do valor de aquisição e o marido com 30%, não há qualquer problema. É plenamente possível esta composição na propriedade do bem pelo regime do condomínio (art.1.314 e seguintes do CC). Ambos são proprietários do bem, tendo ela 70% da fração ideal correspondente e ele os outros 30%, podendo este modelo variar em quaisquer percentuais.
Isto para não falar na mais óbvia das situações: A aquisição de um bem exclusivamente por um dos cônjuges, que poderá vendê-lo sem a necessidade da assinatura do outro cônjuge, mesmo tratando-se de bem imóvel (art. 1647, inciso do CC).
Confusão patrimonial gerado pelas comunhões de bens interfere na vida pessoal do outro cônjuge
Outro conceito jurídico pouco analisado até mesmo por aqueles que trabalham na área é o de patrimônio.
Patrimônio não é só ativo. Patrimônio é ativo e passivo, ou seja, não são só os bens e direitos, mas também o conjunto de obrigações e dívidas de uma pessoa em determinado momento.
Isto significa que aqueles casados em regime de comunhão de bens, seja total ou parcial, tem um patrimônio comum, que é composto, como dito acima, não só de créditos e bens, mas também de débitos e obrigações.
Logo, não honrada uma dívida por um dos cônjuges, ainda que só assumida individualmente por ele, o patrimônio do casal poderá ser alcançado para sua quitação.
É certo que os Tribunais vêm decidindo que os 50% do cônjuge que não é o responsável direto pela dívida (chamada tecnicamente de meação) é protegida, salvo se o credor comprovar que a dívida veio em benefício do casal.
Mas não é menos certo que o cônjuge, para resguardar sua "metade", deverá contratar advogado para propor medida judicial de embargos de terceiro, arcando, para tanto, com custas e honorários de advogado.
Mas não é só, porque se o bem penhorado for indivisível - um automóvel, um apartamento, um anel, por exemplo - for levado à hasta pública (leilão judicial), ainda que o cônjuge consiga proteger sua meação, o bem será vendido!
Sim, valendo-se da evolução do entendimento dos tribunais sobre o assunto, hoje a lei determina que o bem penhorado vá à hasta pública e o cônjuge receberá 50% do valor arrecadado com sua venda (art. 843, Código de Processo Civil).
Em outras e mais simples palavras: Mesmo sendo proprietário de 50% do bem penhorado e tenha garantido judicialmente seus 50%, o cônjuge verá o carro, o apartamento, a joia ser levada a leilão judicial e receberá 50% do valor arrecadado com sua venda, em razão da dívida exclusiva de seu companheiro.
Mas há mais...
Sim, porque com a disseminação dos cadastros de devedores inadimplentes no País, não é raro negar-se crédito a um dos cônjuges sem nenhum registro sob a alegação de que o outro possui lançamentos nos cadastros.
Não se discute aqui a legalidade ou não da conduta, mas sim, afirma-se a existência da prática por bancos, lojas e outras instituições fornecedoras de crédito.
O fato é que a situação do cônjuge pode ser decisiva quando da aprovação de um crédito. Se um dos cônjuges está com o CPF "sujo", o concedente do crédito pode negá-lo ao cônjuge "limpo"! E isto não é ilegal, pois o exame da própria etimologia da palavra é suficiente para justificar: Se dá crédito para quem se crê!
Além disso, como demonstrado acima, o patrimônio deste cônjuge que nada deve pode ser alcançado pela dívida do outro.
E isto se dá exatamente em razão da comunhão de bens, pois cada bem individualmente considerado é de ambos os cônjuges na proporção de 50% para cada um.
Logo, pensa o fornecedor de crédito: Ela é proprietária de um carro e não tem registro nenhum, mas é casada com alguém. Este alguém é dono de 50% do carro e possui registros de inadimplência. Não vou dar o crédito!
Tal situação é perfeitamente contornável a partir do momento em que ficar clara para o fornecedor a independência patrimonial dos cônjuges, obtida através do regime da separação total de bens.
Participação de ambos os cônjuges em ações reais imobiliárias
Já disse que este não é um trabalho técnico e sim de esclarecimento de pessoas não versadas em direito que buscam informações sobre o melhor regime de bens quando do casamento.
Mas há obstáculos que são insuperáveis na condução do trabalho. Um deles é passar o conceito de ações reais, de caráter evidentemente técnico.
Estas ações são caracterizadas por envolverem, na maioria das vezes, a discussão sobre a propriedade de um bem. Ações de despejo, para trazer um exemplo corriqueiro, não são reais, pois não se discute a propriedade, mas sim a extinção de um contrato de locação.
Já ações onde se discute propriedade, como usucapião, reivindicatória, adjudicação compulsória, e outros direitos reais previstos no art. 1.225 do Código Civil e outras normas esparsas, como cancelamentos de hipoteca, reconhecimento de usufruto, direito real de laje, são consideradas reais ou reipersecutórias.
O atual Código de Processo Civil inovou em relação ao Código revogado em 2016 ao exigir a participação de ambos os cônjuges em ações reais imobiliárias, "salvo quando casados sob o regime de separação absoluta de bens.".
Vale a transcrição do dispositivo legal:
Art. 73. O cônjuge necessitará do consentimento do outro para propor ação que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime de separação absoluta de bens.
§ 1º Ambos os cônjuges serão necessariamente citados para a ação:
I - que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime de separação absoluta de bens;
II - resultante de fato que diga respeito a ambos os cônjuges ou de ato praticado por eles;
III - fundada em dívida contraída por um dos cônjuges a bem da família;
IV - que tenha por objeto o reconhecimento, a constituição ou a extinção de ônus sobre imóvel de um ou de ambos os cônjuges.
§ 2º Nas ações possessórias, a participação do cônjuge do autor ou do réu somente é indispensável nas hipóteses de composse ou de ato por ambos praticado.
§ 3º Aplica-se o disposto neste artigo à união estável comprovada nos autos.
Agora vejamos a seguinte situação: O casal adquiriu do cunhado de um dos cônjuges (irmão do outro) um imóvel, mediante pagamento parcelado. A totalidade dos valores é quitada, devendo o cunhado/irmão transferir a propriedade do imóvel através da assinatura da competente escritura de compra e venda, tudo conforme ajustado no contrato de promessa de compra e venda.
Este cunhado/irmão se recusa alegando que vendeu enganado, que o preço era outro, que os pagamentos não foram regulares ou qualquer outro argumento que o leitor possa imaginar.
O casal procura um advogado e este diz que a ação cabível para adquirir a propriedade do imóvel (com o registro no Registro de Imóveis da transferência – art. 1.227, Código Civil), chama-se Ação de Adjudicação Compulsória e, para tanto, precisa além da documentação, procuração de ambos os cônjuges.
E então começa o drama, pois o marido ou a esposa não quer processar seu irmão pois "irmão não processa irmão", "o que minha mãe iria pensar", e segue por este caminho.
Então o advogado explica para um dos cônjuges que se mantida a postura do outro, será necessário primeiro uma ação para suprir o consentimento do cônjuge (art. 1.648, Código Civil, o que significa um cônjuge contra o outro) para então buscar judicialmente, em outra ação, a escritura junto ao cunhado.
E se o casal fosse casado em separação de bens?
Aplicar-se-ia o caput do art. 73 do Código de Processo Civil dizendo que a anuência do cônjuge não é necessária na medida em que eles são casados pelo único regime que dispensa a anuência do cônjuge para ingressar com ações reais imobiliárias...
Efeito do divórcio nas sociedades
Muito embora a comunhão e a separação de bens já tenham sido explicadas neste trabalho, penso ser necessário apontar um efeito nas comunhões de bens que é especialmente nocivo, pois envolve terceiros e seus patrimônios.
Faço referência à situação em que um dos cônjuges participa de sociedade empresarial.
O problema é ainda mais agudo quando a sociedade é limitada, caracterizada pela sua pessoalidade, ou seja, os sócios estão juntos por afinidades e não em razão exclusivamente do capital que cada um pode aportar no empreendimento.
Sim, porque se a participação do cônjuge na sociedade estiver em comunhão de bens, 50% desta participação societária, representada por cotas da sociedade limitada (ou excepcionalmente das ações em sociedades anônimas de capital fechado e familiares) pertence ao outro cônjuge.
Não se está dizendo aqui que o cônjuge não-sócio deverá se tornar sócio com o divórcio, até porque precisamos lembrar que se trata de uma sociedade de pessoas aproximadas por igualdade de pensamentos, engajadas em razão daquilo que os romanos chamavam de affectio societatis, ou a vontade de ser sócio.
Nestes casos, o ingresso de um estranho pode ser nocivo à convivência societária e, em última instância, até mesmo à sobrevivência da sociedade, afinal, quero ser sócio do meu sócio e não da esposa ou do filho dele.
Mas não se pode negar que se as cotas sociais de um cônjuge estão acobertadas pelo manto da comunhão de bens, o outro cônjuge, mesmo não figurando no contrato social tem direitos sobre esta participação societária.
E em sendo assim, como funciona o partilhamento destas cotas sociais quando do divórcio?
Acertadamente a lei optou por preservar a empresa. Diz o art. 1.027 do Código Civil que o cônjuge divorciado não pode desde logo exigir a parte que lhe cabe da sociedade, mas obviamente tem direito a exigir, desde logo, os lucros relativos ao exercício societário, até a liquidação da sociedade.
Trocando em miúdos: O cônjuge que não figura no contrato social não ingressará na sociedade, mas tem direito a receber os lucros da empresa até que lhe seja pago o que ele(a) teria direito no tocante ao valor da empresa.
Surgem desde logo dois problemas (no mínimo): 1) Mesmo não sendo sócio, o cônjuge divorciado tem direito a lucros, consequentemente de fiscalizar o desempenho da sociedade exigindo prestação de contas, inclusive judicialmente; 2) O cônjuge não sócio, não se torna sócio, mas em compensação tem direito ao valor, em dinheiro ou bens, correspondente a 50% das cotas que o outro cônjuge tem de participação societária. Logo, necessária uma avaliação da empresa, que passa necessariamente pela análise financeiro-contábil da sociedade.
Ou seja, para se compor a valuation da sociedade empresarial, para se chegar ao valor da empresa, será necessária a investigação intestina da empresa, por contadores, auditores, eventualmente peritos judiciais...
E não se pode negar que, não só o direito aos lucros como o direito de saber quanto vale a empresa (para se precificar o direito do cônjuge não sócio) afeta os demais sócios que não tem qualquer relação com o cônjuge não sócio divorciado ou em processo de divórcio.
Eles também terão expostas partes de suas privacidades com estes exames. Alguns aceitam bem tal situação, outros nem tanto.
Isto para não se falar nos efeitos destas situações na própria operacionalidade da empresa que pode ter que enfrentar problemas jurídico-financeiro-contábeis com o escrutínio realizado pelo cônjuge não sócio nas contas e no valor da empresa...
Como se resguardar deste desgaste? Atentando para situações como estas quando da realização do contrato social (e não usando padrões pré-concebidos encontráveis na internet) e elegendo o regime da separação de bens quando do casamento.
Muitos me chamarão de desalmado, mas vale também uma última dica: Escolha bem seu ex-cônjuge!
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*Claudio Scarpeta Borges é advogado do escritório Borges & Bittencourt Advogados Associados.