Recentemente as parcerias público-privadas - PPPs assumiram novo viés no Brasil, distinguindo-se dos primeiros projetos levados à cabo com base na lei federal 11.079/04 e em algumas leis estaduais que (inclusive) a antecederam – como a lei do Estado de Minas Gerais e de São Paulo.
As primeiras PPPs em território nacional tinham como foco o desenvolvimento de grandes projetos de infraestrutura – com destaque para rodovias, ferrovias e outras obras vultuosas. Ademais, durante um largo período prevaleceram as PPPs de âmbito estadual ou federal.
Entretanto, mais recentemente, vem se observando uma mudança nesse panorama – que faz com que as PPPs brasileiras comecem a guardar mais identidade com o seu conceito original, de raízes britânicas, muito vinculado à prestação de serviços públicos (saúde, meio-ambiente, presídios, educação, transportes, defesa). Em tal cenário, o que se observa, muitas vezes, são menos obras vultuosas e uma maior quantidade de parcerias associadas à prestação de serviços; um crescente número de concessões administrativas, quando outrora prevaleciam as concessões patrocinadas (adotando-se aqui a terminologia conferida pela legislação nacional).
Ainda, é possível dizer que o presente ano vem se mostrando como o ano das parcerias público-privadas municipais, dada a quantidade de projetos em âmbito municipal que vêm despontando (inclusive desenvolvidos por municípios de menor porte).
Merecem destaque os projetos de PPP de iluminação pública, serviço esse de caráter municipal. As PPPs de iluminação pública costumam englobar a modernização, expansão, operação e manutenção da infraestrutura da rede de iluminação municipal, com a substituição das lâmpadas comuns por lâmpadas de LED. No ano de 2017 foi possível constatar uma média de um Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) lançado por semana. É certo que nem todos os PMIs se concretizaram, chegando à fase de edital de licitação e à efetiva contratação da parceria público-privada, porém, tal fato demonstra o grande interesse dos municípios em celebrar parcerias com o poder privado. Chama atenção o fato de muitos dos municípios que celebraram PPPs de iluminação pública são de menor porte - a título de exemplo, tem-se São João do Meriti (RJ), Caraguatatuba (SP) – que celebrou a segunda PPP de iluminação pública do país e que pode ser considerada a primeira "smart city" brasileira –, Guaratuba (PR) e São José de Ribamar (MA). Dentre os municípios de maior porte, destaca-se Belo Horizonte (MG). Isso demonstra o interesse em, ante uma realidade de escassez de recursos, a municipalidade buscar parcerias com os entes privados para prover melhores serviços aos administrados.
Outro setor que adquire crescente relevância é o do saneamento básico (em especial, por se tratar de serviço de natureza municipal – o que ficou "mais ou menos" nítido com a lei federal 11.445). A atual MP que pretende alterar a lei evidencia o fato e dá maior relevo à possibilidade de participação privada na prestação da atividade (em que pesem os debates políticos que costumam acometer quaisquer questões que digam respeito ao setor). Inobstante, é nítido o interesse de investidores no âmbito dessas novas PPPs – as empresas privadas que atuam na esfera do saneamento se mostram cada vez mais interessadas em procedimentos licitatórios do gênero (o que era pouco imaginável vinte ou quinze anos atrás, ante o arcabouço normativo vigente e a maturidade político-institucional da época). Em que pese ainda haja distância entre as agendas do setor público e privado, é crescente a abertura para diálogo entre esses atores, bem como destes junto à sociedade, o que cria terreno ainda mais fértil para a efetivação de parcerias. Aqui, como exemplo, tem-se a concessão administrativa firmada no ano de 2017 pelo município de Vila Velha, no Espírito Santo, para a ampliação, manutenção e operação do seu sistema de esgotamento sanitário.
Merece também destaque o modelo de PPP para a para a revitalização, modernização, operação, manutenção e gestão de parques municipais. Reconhece-se que a manutenção adequada desses espaços, para que possam proporcionar lazer e conforto à população, requer elevado dispêndio de recursos, sendo benvinda a parceria com entes privados, sem prejuízo da gratuidade para a população. Por seu turno, os parceiros privados poderão explorar os espaços comercialmente, com a realização de eventos, por exemplo. Já é possível observar algumas iniciativas em estágio avançado de maturação, como aquelas do município de São Paulo, que pretende realizar no mês de julho deste ano a primeira licitação para a concessão de alguns de seus parques à iniciativa privada.
Ainda, tem-se exemplos na seara da saúde. Tais parcerias podem incluir apenas os serviços de construção, manutenção predial, segurança, alimentação, lavanderia e equipamentos – usualmente denominados de "bata cinza", ou serem mais abrangentes e incluírem os serviços de médicos, enfermeiros e medicamentos – denominados "bata branca". Os últimos, todavia, são menos usuais. Nessa seara, é relevante o case do "Hospital do Subúrbio", em Salvador (BA). Trata-se de PPP estadual, na modalidade de concessão administrativa, cujo contrato foi assinado em 2010. A gestão e operação da unidade hospitalar foi transferida à iniciativa privada (num modelo "bata branca"), que vem prestando serviços de notada excelência à população de um bairro carente da periferia de Salvador. Dada a eficiência e qualidade na prestação de seus serviços, o hospital chegou a ser um dos finalistas do "United Nations Public Service Awards", premiação concedida pela ONU que destaca "realizações e contribuições de instituições do serviço público que levam a uma administração pública mais efetiva e responsiva em países ao redor do mundo".
Essa mudança de foco no que tange o objeto das parcerias público-privadas, migrando, única ou prioritariamente, das grandes obras para a seara dos serviços, demonstra a nítida possibilidade de os municípios assumirem a posição de protagonistas – ao lado dos Estados (atuais detentores dos principais projetos) – na celebração de PPPs, aproximando Poder Público e entes privados, com vistas ao melhor aproveitamento dos recursos públicos e melhor provimento de serviços públicos à população.
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*Ana Carolina Hohmann é mestre e doutora em Direito do Estado pela USP e advogada do escritório Souto Correa Advogados.