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A recente regulamentação dos aplicativos de transporte individual de pessoas: problema ou solução?

Há de se convir que, para qualquer empresa, ter de se ater a regulamentações municipais individualizadas num cenário como esse, em que cada município é capaz de definir a sua própria regulamentação, torna a sua atividade econômica praticamente inviável.

30/5/2018

Recentemente foi publicada a lei federal 13.640/18, que regulamenta o uso de aplicativos de transporte individual de pessoas. A regulamentação é desejável. Mas ela caminha no sentido correto? Pensa-se que não.

O PL foi permeado por inúmeros debates – cogitou-se até mesmo a imposição do uso da placa vermelha e do banner com os dizeres "TAXI" (o que descaracterizaria por completo o propósito da atividade em questão – que em muitos casos ela é prestada em caráter eventual, e não como principal atividade laboral do motorista).

Na ocasião em que a lei foi, finalmente, sancionada pelo Presidente da República e publicada, a sociedade civil e a imprensa nacional até chegaram a comemorar. Porém, posteriormente, se observarmos esse cenário de modo mais detido e com maior cautela, perceberemos um cenário um pouco mais nebuloso e incerto.

Explica-se: sim, a temida "placa vermelha", presente em versões iniciais do PL foi descartada. Tal qual foi descartada a necessidade de que o motorista fosse proprietário do veículo que utiliza em sua atividade comercial, de transporte de passageiros.

Entretanto, a lei foi expressa no sentido de que a regulamentação caberá aos municípios, de forma exclusiva.

No Brasil temos 5.561 munícipios.

Atualmente, ao menos 28 municípios já possuem regulamentações próprias.

Há de se convir que, para qualquer empresa, ter de se ater a regulamentações municipais individualizadas num cenário como esse, em que cada município é capaz de definir a sua própria regulamentação, torna a sua atividade econômica praticamente inviável.

Questão semelhante já foi apreciada pelo STF no âmbito tributário, no que toca a prestação dos serviços de saúde. De acordo com lei impugnada, o ISS seria devido no município do tomador do serviço em alguns casos. O ministro relator compreendeu presentes os requisitos para a concessão da liminar diante da dificuldade na aplicação de nova legislação, com ampliação dos conflitos de competência entre municípios e afronta ao princípio constitucional da segurança jurídica. A existência de diversas leis municipais antagônicas sobre o tema poderia ensejar dificuldade na aplicação da lei complementar federal então questionada, com a ampliação de conflitos de competência entre unidades federadas e comprometimento da regularidade da atividade econômica dos setores atingidos.

Paralelamente, é necessário ressaltar que, nos termos do que dispõe a Constituição da República, a matéria concernente ao trânsito, é de competência legislativa da esfera federal, e não municipal. Essa colocação tem respaldo no artigo 22, inciso XI do texto constitucional. Portanto, não cabe à lei ordinária delegar aos municípios o poder de legislar sobre a matéria, tal qual se permite, no presente, diante do texto da lei federal 13.640/18. Aliás, é esse o entendimento da Procuradoria Geral da República, que em parecer defendeu essa posição.

É nítido que a lei assume caráter amplamente protecionista em relação aos taxistas – basta ler a "justificativa" do projeto de lei, onde é inserido, de modo, expresso, sua preocupação em evitar "desconstruir o mercado de táxi, invadir o campo restrito ao profissional taxista e causar insegurança aos consumidores".

Tal postura causa prejuízo à livre iniciativa e, em última análise, viola a Constituição da República – em especial seu artigo 5º, inciso XIII (o qual garante como direito fundamental o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão), bem como o seu artigo 170, parágrafo único, que assegura o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos.

Também é válido ressaltar a postura da Procuradoria Geral da República, que em parecer na ADPF 449/DF, ao enaltecer a competência da União para a regulamentação da modalidade de transporte em questão – e não dos municípios.

A mesma compreensão se aplica para a sua limitação ou à imposição de restrições que tornem o exercício da profissão dos motoristas de transporte privado praticamente inviável. Tais restrições contrariam o interesse público, à medida que a diversidade na disposição de modais de transporte (públicos e privados) é de interesse de toda a população, em especial à medida em que a competitividade contribui para alternativas de transporte mais eficientes e econômicas.

Não se está aqui a questionar a existência de uma regulamentação – pelo contrário, uma regulamentação é necessária. Entretanto, a atribuição aos municípios da responsabilidade em fazê-la (além de violar as regras constitucionais em relação à competência privativa da União na regulação de trânsito e transporte) cria um ambiente regulatório caótico e que pode inviabilizar prestação do serviço e, em última análise, virá em prejuízo aos usuários e na pior realização do interesse público.

Aparentemente, a boa intenção do Poder Legislativo em dar um passo à frente no que tange a segurança jurídica na regulamentação dos aplicativos de mobilidade urbana pode ter criado um ambiente de instabilidade ainda maior ao atribuir tantos poderes aos municípios. A matéria é de cunho constitucional e dela certamente em breve o STF irá conhecer.

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*Ana Carolina Hohmann é advogada.

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