O crescimento da atuação do controle externo, notadamente decorrente da profissionalização e especialização dos Tribunais de Contas pátrios, gerou uma indubitável mudança de postura na gestão pública.
Podemos perceber facilmente um cuidado maior dos gestores públicos no desempenho das suas atividades, muito embora, de um modo geral, ainda esteja longe do modelo ideal almejado pela sociedade.
Contudo, dada a complexidade das situações concretas decorrentes da utilização de recursos públicos, especialmente em um país continental, onde as realidades são completamente diferentes, a depender da região geográfica em que se analise, muitas discussões foram geradas quanto à apuração da responsabilidade do gestor máximo.
A especialização das funções na administração pública acabou por gerar a natural descentralização do poder, com plena autonomia para gestores de escalões inferiores, o que fomentou o debate sobre a responsabilidade do superior hierárquico de órgão ou ente público.
Em muitos casos, o Tribunal de Contas da União tem ignorado leis municipais que preveem a descentralização da gestão pública, conferindo autonomia, inclusive financeira, a secretários municipais, trazendo à responsabilidade também os prefeitos, sob o argumento da culpa in vigilando e da culpa in elegendo.
É o que se infere das decisões abaixo:
Acórdão 894/09 – 1a Câmara - TCU
Enunciado
O instrumento da delegação de competência não retira a responsabilidade de quem delega, visto que remanesce a responsabilidade no nível delegante em relação aos atos do delegado. Cabe, por conseguinte, à autoridade delegante a fiscalização dos atos de seus subordinados, diante da possibilidade de responsabilização por culpa in eligendo e/ou culpa in vigilando.
Acórdão 2300/13 – Plenário - TCU
Enunciado
A responsabilidade da autoridade delegante pelos atos delegados não é automática ou absoluta, sendo imprescindível para definir essa responsabilidade a análise das situações de fato que envolvem o caso concreto. A falta de fiscalização (culpa in vigilando), o conhecimento do ato irregular praticado ou a má escolha do agente delegado (culpa in eligendo) podem conduzir, se comprovados, à responsabilidade daquela autoridade.
Contudo, vale ressaltar que embora seja majoritária esta corrente, em certos casos a jurisprudência foi contrariada pelo próprio Tribunal de Contas da União, dada a complexidade das situações possíveis no universo da administração pública, sendo inviável ao superior hierárquico ter conhecimento de todos os atos praticados pelos seus subalternos fazem. Veja-se:
Acórdão 65/97- TCU-Plenário
"Não se pode, tampouco, pretender que todas as informações de subalternos sejam checadas por seus superiores, sob o risco de inviabilizar-se a administração. Aliás, se assim o fosse, não seriam necessários os servidores subalternos. Bastariam os chefes ...".
Diante do contexto exposto, no mês passado, a lei 13.655, de 25 de abril de 2018, acrescentou os artigos 20 a 30 à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), trazendo novidades para o Direito em geral, mas, sobretudo, inaugurando novas discussões sobre a responsabilidade pessoal dos gestores públicos, em decorrência dos atos praticados.
Isso porque, o art. 28 da citada lei 13.655/18 trouxe à baila a possibilidade de responsabilização pessoal do agente público apenas pelos atos praticados com dolo ou ERRO GROSSEIRO. Veja-se:
Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.
A definição de erro grosseiro, portanto, será de suma importância para o novo entendimento da controvérsia. O conceito ainda é vago e indefinido. Inobstante a isso, não há dúvidas de que o legislador buscou introduzir uma expressão que exigisse uma conduta mais gravosa que a necessária para caracterização da mera culpa que vinha sendo utilizada como parâmetro, fulcrada na teoria da responsabilidade civil (ato ilícito, nexo de causalidade e culpa).
O erro grosseiro está intrinsecamente ligado a um agir com desleixo, incúria, desmazelo, desprezo à coisa pública, o que, aparentemente, ultrapassa a mera questão da análise da delegação de competências e de sua culpa in vigilando e da culpa in elegendo.
Por certo que outros problemas surgirão, em decorrência da análise desta nova legislação, como a interpretação a ser dada à nova expressão ¨erro grosseiro¨, diante do disposto no art. 37, §6o, da Constituição Federal, que estabelece o direito de regresso, pelas pessoas jurídicas de direito público, contra os agentes públicos, no caso da prática de ato doloso ou culposo, que tenha causado dano a terceiros. Veja-se o que prescreve a Carta Magna:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional 19, de 1998)
[...]
§6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Obviamente que a lei 13.655/18 não poderá afrontar a Constituição Federal, devendo ser aplicada a culpa, nos casos de ação regressiva interposta pelo poder público em face do gestor, quando seu ato, ainda que culposo, tenha gerado dano a terceiro.
Em todo caso, a nova legislação, certamente, trará à baila novas discussões e novos debates, no âmbito dos Tribunais de Contas, no que diz respeito à responsabilidade dos gestores públicos, em face dos atos praticados.
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