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Corrupção, ética e sustentabilidade: do Brasil colonial aos tempos atuais

O Brasil, enfim, não é lugar para amadores, como disse Vinícius, mas essa realidade não significa que o brasileiro é um desonesto inato.

23/5/2018

No excelente "Temas de anticorrupção e compliance", coletânea de artigos organizada por Bruno Maeda, Carlos Ayres e Alessandra delDebbio, a professora Helena Regina Lobo da Costa faz uma reflexão sobre a corrupção na história do Brasil, especialmente durante o período colonial.

A pesquisa realizada é reveladora. Demonstra, por meio de relatos de historiadores, que as riquezas do Brasil foram sendo surrupiadas ao longo do período por aqueles que viam o País apenas como um atalho para enriquecimento pessoal – gente que tão logo alcançava seus objetivos retornava o mais breve possível para a Corte.

Segundo Sérgio Buarque de Holanda, "pode-se dizer que só excepcionalmente tivemos um sistema administrativo e um corpo de funcionários puramente dedicados a interesses objetivos e fundados nesses interesses. Ao contrário, é possível acompanhar-se, ao longo de nossa história, o predomínio constante das vontades particulares que encontram ambiente próprio em círculos fechados e pouco acessíveis a uma ordenação impessoal".

O pessimista pode dizer, diante desse quadro, que a corrupção é da índole do brasileiro; que o "jeitinho" é inerente à nossa cultura, constituindo antiga realidade de desrespeito à democracia e explicando porque o País não avança mais ou com maior velocidade.

Essa é, entretanto, uma explicação apenas parcial.

Não há notícia de que os conterrâneos carreguem em seu DNA o gene da corrupção. Práticas como o desvio ou o patrimonialismo, diga-se, têm inúmeras manifestações ao redor do globo - tanto nas economias mais poderosas quanto naquelas menos desenvolvidas.

As pesquisas históricas mais recentes do sociólogo Jorge Caldeira, constantes da obra "Nem ao Céu, Nem ao Inferno", têm indicado, por exemplo, que nos anos em que o Brasil-Colônia não esteve na pauta prioritária de Portugal, praticaram-se procedimentos genuinamente democráticos e bastante distintos tanto da lógica fisiologista quanto da prática de confundir o público e o privado.

O Brasil, enfim, não é lugar para amadores, como disse Vinícius, mas essa realidade não significa que o brasileiro é um desonesto inato.

Hoje, em verdade, os controles e os oficiais de compliance brasileiros são respeitados em todo o mundo, e há componentes econômicos que tornam essencial a adoção de ferramentas de controle e combate às práticas inadequadas de gestão e relacionamento com stakeholders.

Com a comunicação global imediata e mecanismos de controle de operações financeiras cada vez mais modernos, o escândalo local é o escândalo mundial - e o impacto de uma denúncia confirmada no rincão do País pode impactar de forma negativa o valor de mercado ou os contratos de uma organização multinacional. Cabe às organizações, então, buscar proteção.

O profissional responsável pela implantação e o monitoramento das boas práticas na organização precisa ser também um pouco psicólogo – ou ao menos procurar entender o comportamento humano. Vai perceber, então, que toda a empresa precisa estar integrada ao esforço ético e que há necessidade de seriedade na punição de deslizes para que os indivíduos se mantenham íntegros.

Cabe aqui um conceito defendido pelo psicólogo Philip Zimbardo, que ficou célebre por estudos de comportamento de grupos e foi um dos inspiradores da chamada teoria das "janelas partidas". Ele defende uma analogia curiosa: em vez de falar na "maçã podre" que contamina os frutos que a cercam, o pesquisador destaca a necessidade de avaliar a existência do "cesto de frutos apodrecido" que contamina alguns frutos. Em outras palavras: o indivíduo tem sim responsabilidade por seus atos, mas quem ignora o caráter essencial de um ambiente saudável aumenta a chance de deslizes individuais.

Nesse cenário, o combate à corrupção é tema que só ganha espaço no Brasil de hoje, ainda que a ausência de um modelo robusto e difundido de conduta ética, vindo das altas administrações, e o mapeamento de riscos feito de forma rasa e como mera formalidade, ainda sejam entraves que necessitam ser enfrentados.

De fato, ainda há um caminho a percorrer até que a situação do País seja melhor tanto do ponto de vista ético-institucional quanto do ponto de vista do amadurecimento das práticas de controle. Isso, porém, não deve desestimular aqueles que atuam na área. Empresas, governo e sociedade necessitam, todos, a fim de garantir sustentabilidade, adotar práticas que coloquem a ética como valor fundante de suas relações.
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*Eduardo Lamy é advogado e presidente da Comissão de Conformidade e Compliance da OAB/SC

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