Mario Quintana – o poeta amigo da poesia
Robson do Boa Morte Garcez*
“Minha vida está nos meus poemas; meus poemas são eu mesmo; nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão.”
(Revista IstoÉ, 14/11/1984).
Meu primeiro contato com Mario Quintana foi um tanto casual: havia um dos seus poemas no livro de Língua Portuguesa que usei na 6ª série, no Colégio Estadual Osmário Batista, em 1975, em Canavieiras, a cidade-pérola do litoral sul da Bahia. Publicado originalmente em seu primeiro livro, A Rua dos Cataventos, de 1940, diz o soneto: “Dorme ruazinha... É tudo escuro... /E os meus passos, quem é que pode ouvi-los? /Dorme o teu sono sossegado e puro, /Com teus lampiões, com teus jardins tranqüilos... // Dorme... Não há ladrões, eu te asseguro... / Nem guardas para acaso persegui-los... / Na noite alta, como sobre um muro, / As estrelinhas cantam como grilos... // O vento está dormindo na calçada, / O vento enovelou-se como um cão... / Dorme, ruazinha... Não há nada... // Só os meus passos... Mas tão leves são / Que até parecem, pela madrugada / Os da minha futura assombração...”. Tocou-me a quase imediata identificação dessas palavras singelas - e tão cheias de vida – com as ruazinhas igualmente sossegadas e calmas, nas noites ventiladas da cidade onde vivíamos, próximos ao mar. Em várias vezes, andando sozinho à noite, ao passar pelo Beco do Progresso, no final da Rua Treze, ou em outras ruas estreitas dali, eu mal ouvia meus próprios passos nos paralelepípedos. N’algumas daquelas horas tão boas (que os anos não trazem mais), rente aos casarões antigos, por dentro eu ia lhes recitando: Dorme ruazinha... dorme teu sono sossegado e puro!
Já na São Paulo dos anos 80, dei-me conta do que hoje se fez mais claro a mim: Quintana, Bandeira e Drummond têm grandeza incomum, marcada por certa similitude: são hábeis nas idéias e formas, para nos dizerem de nossa existência. Lida uma frase esparsa e sentimos algo familiar, vemos depois ser fruto de Drummond; ou de Bandeira; ou de Quintana. Poetas! Alquimistas do pensamento e de sua expressão. Quintana, pelo estilo simples e, a um só tempo, capaz de tocar fundo a alma de seus leitores e ouvintes, com humor e brevidade de texto, conquistou no pódio da arte escrita o raro lugar da unânime aceitação.
Mario de Miranda Quintana faleceu em 5 de maio de 1994, aos oitenta e sete anos. Se entre nós ainda, como vivas e pétreas são as palavras com que construiu suas obras, contaria um século de vida neste 30 de julho. Mas, legou-nos uma rica herança, multiforme, complexa de significados, audaciosa até, e bastante acessível. É poesia - e alguma prosa lírica - sossegada e pura, tal como a nítida imagem do eterno poeta de Alegrete no coração de seus admiradores.
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*Mestre em Comunicação e Letras pela U. P. Mackenzie e professor do Curso de Direito da FACCAMP
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