A hotelaria brasileira tem passado por diversos ciclos ao longo dos últimos 120 anos. O primeiro, do início do século XX até meados dos anos 60, caracterizou-se pela construção de hotéis com recursos governamentais e de grandes famílias. Este ciclo foi seguido por diversos outros, como a expansão dos hotéis tradicionais via incentivos fiscais (até meados da década de 80), apart-hotéis (até 1990), flat-services (até 2001) e, nos últimos anos, os condo-hotéis, demonstrando que o setor hoteleiro vem se atualizando recorrentemente para se adaptar ao cenário econômico.
O fenômeno dos condo-hotéis teve seu apogeu nos anos de 2012 a 2014, quando foram realizadas várias ofertas públicas de valores mobiliários para financiamento da construção de empreendimentos relacionados à demanda hoteleira da Copa do Mundo (2014) e dos Jogos Olímpicos (2016). A eclosão do número de ofertas permitiu que a CVM estudasse e entendesse o tema, culminando na edição da deliberação CVM 734/15, que regulava ofertas de condo-hotéis e a autonomia da área técnica da CVM para conceder dispensas de registro de oferta pública.
Passado tal momento, com o aprofundamento da crise econômica e expansão do fenômeno AirBNB, nota-se uma diminuição no lançamento de condo-hotéis, e a consequente redução no número de ofertas públicas hoteleiras. Entretanto, um novo modelo vem se expandido no mercado nacional nos últimos anos. Trata-se do fractional.
Fractionals são empreendimentos imobiliários hoteleiros em que há compartilhamento de propriedade de unidades hoteleiras por diversos proprietários. O modelo é inspirado, inclusive, na economia de compartilhamento, como é o caso de Uber, AirBNB, entre outros, e em empreendimentos do mercado Norte-Americano, no qual proprietários compartilham casas de veraneio, de campo, carros de luxo ou mesmo unidades hoteleiras. Com isto, é possível usufruir de tais bens sem que seja necessário um investimento inicial vultoso, permitindo a diluição de custos entre o grupo de proprietários.
Diferentemente do time-sharing (regulado pelo Art. 28 do decreto federal 7.381/10), em que se adquire o direito contratual de usufruir do serviço de hotelaria, nos fractionals o que se adquire é o direito real de propriedade, que é partilhado entre diversos indivíduos (ou multiproprieade, como vêm chamando alguns empreendedores).
A aquisição no sistema fractional também garante, além do direito de propriedade sobre o bem, o a possibilidade de usar o empreendimento hoteleiro sob determinadas condições, sendo que os custos, tributos e demais despesas são partilhadas entre os proprietários.
Devido à novidade que o tema ainda representa, o SECOVI-SP elaborou, em conjunto com outros profissionais do setor, o PL 54/17, que trata da multipropriedade. Este projeto, ainda em tramitação, tem o objetivo de trazer maior segurança jurídica para este modelo ainda em desenvolvimento.
Paralelamente, há que se atentar para o disposto na lei 6.385/76, especialmente em seu Art. 2º, que trata do conceito de "valor mobiliário". Arranjos que envolvam garantia ou expectativa de rentabilidade sobre as unidades/frações adquiridas, especialmente no âmbito de pools de locação, poderão ser considerados ofertas de valores mobiliários, atraindo a competência da CVM para regular o tema, como ocorreu no caso dos condo-hotéis.
Os fractional possuem diversos modelos de negócios diferentes. Alguns preveem a existência de pool de locação obrigatório, outros tratam o pool como opcional. Outros sequer utilizam a estrutura de pool, e concedem ao proprietário apenas o direito de uso dos empreendimentos da mesma rede hoteleira, ou de redes parceiras, em outros estados e até fora do Brasil. Isso afeta o enquadramento jurídico da oferta do empreendimento, que pode se caracterizar como mera oferta "imobiliária", ou "mobiliária", a depender das características adotadas, conforme contratos e demais instrumentos de aquisição.
Assim, é essencial que o desenvolvimento e investimento em tais empreendimentos seja acompanhado de prévia análise jurídica, para que tanto empreendedores como investidores entendam as características, riscos e condições dos fractionals, e sejam adequadamente observadas as normas dos respectivos órgãos reguladores e autarquias, inclusive, se for o caso, da CVM.
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*Leonardo Ugatti Peres é sócio de Azeredo Santos & Ugatti Peres - Sociedade de Advogados, escritório com atuação nas áreas de mercado de capitais e direito societário.