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A MP 800/17 e a indenização por perda de uma chance

Em suma, a inércia da ANTT em apreciar os pleitos de enquadramento das concessionárias no regime da MP inviabilizou a continuidade das concessões, impondo às concessionárias a perda da legítima oportunidade de executar plenamente seus contratos de concessão e auferir os ganhos esperados com os empreendimentos.

11/5/2018

Em 18 de setembro de 2017 foi publicada a MP 800/17, que disciplinou (i) a possibilidade de reprogramação dos investimentos previstos em contratos de concessão rodoviária federais com concentração de investimentos em seu período inicial, (ii) os limites para essa reprogramação e (iii) algumas balizas para aplicação das regras de reequilíbrio previstas no contrato e incidentes sobre a hipótese de adiamento de investimentos.1

Várias concessionárias de rodovias solicitaram, com base na MP, a reprogramação dos seus investimentos. Na prática, em vista dos diversos problemas que atingiram os contratos de concessão da 3ª Etapa do Programa Federal de Rodovias – os contratos de concessão celebrados entre 2012 e 2014 – essa reprogramação era uma questão de sobrevivência para várias dessas concessões. A melhor prova disso é que concessionárias que pleitearam a reprogramação – e cujos pedidos sequer foram apreciados pela Agência Nacional de Transportes Terrestres ("ANTT") – estão sendo na prática compelidas a pleitear a devolução das concessões para relicitação.2

Em suma, a inércia da ANTT em apreciar os pleitos de enquadramento das concessionárias no regime da MP inviabilizou a continuidade das concessões, impondo às concessionárias a perda da legítima oportunidade de executar plenamente seus contratos de concessão e auferir os ganhos esperados com os empreendimentos.

Não há como ter absoluta certeza que, tivesse a ANTT apreciado os pleitos das concessionárias, a reprogramação seria concedida. Contudo, a não apreciação do pleito pela ANTT tirou das concessionárias envolvidas a chance de reestruturar os investimentos previstos nos seus contratos de modo a dar continuidade às respectivas concessões. Não há dúvidas de que havia uma chance real e séria de reprogramação dos investimentos no âmbito da MP, que restou frustrada pela inércia da ANTT em apreciar os pedidos que formularam. A possibilidade de responsabilização civil pela perda de uma chance é amplamente aceita na doutrina e jurisprudência brasileiras, embora não tenha lastro legal específico. Em regra, a perda de uma chance é entendida como uma categoria de dano autônoma, uma espécie de dano emergente que não se confunde com lucros cessantes nem com dano moral.

A teoria da perda de uma chance aplica-se à situação em que a prática de ato ilícito ou abuso de direito impossibilita a obtenção de algo que era esperado pela vítima, seja um resultado positivo ou a não ocorrência de um prejuízo, gerando um dano a ser reparado.

No caso da MP, o ato ilícito seria a omissão voluntária da ANTT na apreciação tempestiva do pedido de reprogramação e o prejuízo seria a impossibilidade de plena execução das respectivas concessões. Ainda, é sabido que algumas dessas concessões que requereram enquadramento no regime da MP negociavam a alienação do ativo com terceiros. Na medida em que a frustração na reprogramação, por falta de apreciação da autoridade, é diretamente causa do encerramento das tratativas de alienação, essa circunstância também pode, em tese, ser objeto de indenização com base da teoria da perda de uma chance.

No Brasil, o leading case sobre a teoria da perda de uma chance foi o REsp 788.459/BA, de 2005, no qual a autora alegava ter perdido a chance de ganhar 1 milhão de reais no programa "Show do Milhão", em razão da pergunta final não ter resposta correta. O Superior Tribunal de Justiça acolheu a teoria da perda de uma chance para condenar a ré ao pagamento de indenização, pois entendeu demonstrado que a autora de fato havia perdido a oportunidade de vencer o programa e levar o prêmio por culpa da ré que elaborou pergunta sem resposta certa.

Verifica-se, portanto, que a responsabilização civil nesse caso independe de desfecho efetivo, isto é, quem invoca a teoria não precisa comprovar que, houvesse a chance, haveria êxito no seu aproveitamento. Traduzindo para o caso concreto, as concessionárias não precisariam comprovar que teriam ganhos com as respectivas reprogramações, caso elas tivessem ocorrido. Basta, em tese, a demonstração de que a oportunidade era “séria e real” e não mera expectativa.

Há inclusive jurisprudência condenando omissão do Estado com base nesta teoria, no caso de paciente que faleceu em decorrência da demora do Estado no cumprimento de decisão judicial que determinava a entrega de medicamento imprescindível à manutenção da sua saúde. Nesse caso, entendeu-se que a omissão do Estado eliminou a possibilidade de sobrevida da vítima.3

Há, evidentemente, alguns desafios na aplicação da teoria da perda de uma chance ao caso da MP.

O primeiro diz respeito ao fato da reprogramação envolver ato discricionário da ANTT, que poderia acolher o pleito de reprogramação ou não. No meu entendimento, isso não impede a aplicação da teoria, pois a inércia em apreciar o pleito teve por efeito exatamente a impossibilidade da ANTT exercer a sua discricionariedade nas situações concretas, e, assim, tirou das concessionárias a chance de ter a reprogramação. Além disso, o contexto institucional de edição da MP – enquanto única saída possível para sobrevida dessas concessões – sugere fortemente que havia uma política pública subjacente que deixou de ser implementada por inércia da ANTT. Isto é, não há qualquer indício de que as reprogramações seriam concedidas apenas em caráter excepcional, o que demonstra a grande probabilidade de êxito dos pleitos de reprogramação, fossem eles apreciados. Essas considerações reforçam a reprogramação como uma chance real e séria para as concessionárias, ilegitimamente frustrada.

O segundo desafio está na fixação do quantum indenizatório, que implica análise probabilística de êxito, caso a chance não tivesse sido perdida. É pacífico, contudo, que a reparação da chance perdida é inferior ao valor da vantagem esperada e definitivamente perdida pela vítima. No caso das concessões, o ponto de partida para se quantificar o dano pela perda da chance de executar a contento o empreendimento é avaliar o quanto o projeto valia para seus acionistas, considerando evidentemente o cenário das obrigações reprogramadas. Houvesse proposta de compra e venda em discussão, esse também seria um parâmetro válido a ser considerado para fins de mensuração do dano sofrido.

Note-se, por fim, que toda essa situação deriva direta ou indiretamente de um certo descontrole dos controladores da Administração Pública. Temendo as ações dos tribunais de contas e dos Ministérios Públicos, os gestores simplesmente não decidem as questões que lhe são submetidas. É o que se tem chamado de “apagão das canetas”.

Os exemplos dessa inércia indevida são cada vez mais frequentes. Nas concessões federais, além do caso da MP, vale destacar também a incompreensível demora do Governo Federal na expedição de regulamento para devolução das concessões, conforme previsto na lei 13.448/17. Os pleitos para devolução das concessões para relicitação, alguns deles realizados há mais de 9 meses, ainda aguardam apreciação pelas agências competentes, sob o argumento da falta de regulamentação. Nesse contexto, já houve inclusive concessionária de aeroporto que recorreu ao Poder Judiciário para obter apreciação da ANAC sobre o seu pleito de relicitação.

Enquanto os agentes públicos paralisados pelo temor dos controladores se furtam a tomar decisões, os contratos rumam à caducidade ou rescisão e consequente devolução para os cuidados do Governo Federal. No caso das rodovias, elas serão assumidas pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) que, com o teto de gastos vigente, certamente não terá condições de manter e operar adequadamente essas infraestruturas.

Por tudo isso, é preciso discutir a responsabilização da Administração Pública pela inércia voluntariosa. Nesse contexto, a aplicação da teoria da perda de uma chance ao caso da MP faz todo sentido tanto da perspectiva econômica, eis que leva ao Poder Concedente a alocação do custo da sua inação, quanto da ótica jurídica, já que sua aplicação ao caso observa rigorosamente os critérios jurídicos consolidados em nosso ordenamento.

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1 Como já mencionado em outros estudos, a reprogramação nesse caso é medida necessária para racionalizar e viabilizar a continuidade desses contratos. Em outros momentos do programa de concessões de rodovias federais, reprogramações de investimentos foram feitas pela ANTT sem a necessidade de autorização legislativa para tanto. Contudo, o temor atual dos gestores públicos de serem responsabilizados pelo TCU por seus atos, por mera divergência entre o entendimento da legislação pelo TCU e pelos agentes públicos, e a rigidez dos contratos de concessão de rodovias federais celebrados entre 2012 e 2014 que previam investimentos para duplicação completa das rodovias nos primeiros 5 anos da concessão, tornou inviável na prática a realização da reprogramação dos investimentos sem autorização legislativa. A edição da MP foi fruto de ampla discussão entre o Governo, os reguladores e as entidades representativas dos concessionários para viabilizar a continuidade da prestação dos serviços e dos contratos. Todos sabiam que a única chance segura de realizar a reprogramação e viabilizar a continuidade dos contratos seria durante a vigência da MP.

2 Com base na lei federal 13.448/17.

3 STJ, AgRg no AREsp 173148/RJ. Rel. Ministra Assusete Magalhães, j. Em 3/12/2015.

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*Gabriela Miniussi Engler Pinto é especialista na estruturação e regulação de projetos de infraestrutura, sócia do escritório Portugal Ribeiro Advogados. Mestra em Direito pela Columbia Law School.

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