A lei 13.460, regulamenta o art. 37, § 3º, inc. I, da CF/88, cuja redação é a seguinte:
"§ 3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente
I - as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços; ...".
As normas do diploma são aplicáveis a todas as esferas de Federação, compreendem a administração direta e indireta e abrangem os serviços públicos "em geral". Ou seja, dispõem não apenas sobre os serviços públicos em sentido técnico-jurídico (aqueles do art. 175 da CF/88). Compreendem todas as atuações da administração pública em face do cidadão.
Como definido no art. 2º, inc. I, usuário é a "pessoa física ou jurídica que se beneficia ou utiliza, efetiva ou potencialmente, de serviço público". E serviço público é definido no inc. II do mesmo art. 2º como "atividade administrativa ou de prestação direta ou indireta de bens ou serviços à população, exercida por órgão ou entidade da administração pública". Ou seja, a lei 13.460 aplica-se inclusive nas hipóteses de atuação puramente administrativa, mas também nas hipóteses de delegação de serviço público propriamente dito (tal como previsto no § 3º do art. 1º). Logo, as suas normas dispõem amplamente sobre os relacionamentos entre particular e Administração.
Uma regra fundamental consta do art. 4º, impondo a forma adequada na prestação do serviço público e no atendimento ao usuário. Isso significa "regularidade, continuidade, efetividade, segurança, atualidade, generalidade, transparência e cortesia". Disciplina similar constou da lei 8.987/95 (Lei Geral das Concessões de Serviço Público, art. 6º, § 1º). Mas o absurdo é que a administração pública reputava que esse regime se aplicava apenas às hipóteses de delegação de serviço público à iniciativa privada. A lei 13.460 elimina esse argumento. Como é óbvio, a atuação direta da administração pública também se subordina a essas determinações.
É essencial o elenco de direitos básicos (e deveres) dos usuários (art. 5º). As determinações são dotadas de grande obviedade, mas a sua afirmação formal é indispensável em vista de sua contínua denegação na atividade administrativa concreta.
Assim, está prevista a presunção de boa-fé do usuário (inc. II) e a obrigatoriedade do "cumprimento de prazos e normas procedimentais" (inc. VI). É exigida a "definição, publicidade e observância de horários e normas compatíveis com o bom atendimento ao usuário" (inc. VII).
Mas há algumas inovações de grande relevo, que envolvem manifestações do princípio da proporcionalidade. Assim, é um direito do usuário "adequação entre meios e fins, vedada a imposição de exigências, obrigações, restrições e sanções não previstas na legislação" (inc. IV) e a "eliminação de formalidades e de exigências cujo custo econômico ou social seja superior ao risco envolvido" (inc. XI). Essas duas determinações são suficientes para reduzir drasticamente a irracionalidade da burocracia administrativa.
Outra previsão legal impondo a "aplicação de soluções tecnológicas que visem a simplificar processos e procedimentos de atendimento ao usuário e a propiciar melhores condições para o compartilhamento das informações" (inc. XIII). Esse dispositivo destina-se a colocar um fim no descaso da administração pública quanto aos procedimentos eletrônicos. É dramático comparecer nas repartições públicas e deparar-se com soluções praticadas no século passado.
Em termos de combate à burocracia, a lei reitera a previsão da "autenticação de documentos pelo próprio agente público, à vista dos originais apresentados pelo usuário, vedada a exigência de reconhecimento de firma, salvo em caso de dúvida de autenticidade" (inc. IX). E determina a "vedação da exigência de nova prova sobre fato já comprovado em documentação válida apresentada" (inc. XV).
Essa última regra deve ser interpretada não apenas restritivamente a cada repartição pública. Deve ser aplicada na acepção trazida por outro diploma fundamental, o Decreto Federal 9.094 (de 17.7.2017) – que regulamentou a lei 13.460 no âmbito da administração pública federal. No seu art. 2º, esse Decreto estabelece que "Salvo disposição legal em contrário, os órgãos e as entidades do Poder Executivo federal que necessitarem de documentos comprobatórios da regularidade da situação de usuários dos serviços públicos, de atestados, de certidões ou de outros documentos comprobatórios que constem em base de dados oficial da administração pública federal deverão obtê-los diretamente do órgão ou da entidade responsável pela base de dados, nos termos do Decreto 8.789, de 29 de junho de 2016, e não poderão exigi-los dos usuários dos serviços públicos".
Aliás, o Decreto Federal 9.094 consagrou uma regra que deve ser reputada como inerente à proteção da dignidade do cidadão. Fixou que "As exigências necessárias para o requerimento serão feitas desde logo e de uma só vez ao interessado, justificando-se exigência posterior apenas em caso de dúvida superveniente" (art. 6º). A ausência formal dessa previsão na lei 13.460 é lamentável, eis que dá oportunidade a despropósitos frequentes. É evidente que a ausência de manifestação exaustiva da autoridade administrativa viola os princípios da República, da eficiência e do respeito ao cidadão. A ausência de sua inscrição formal em algum documento normativo é invocada como fundamento para práticas claramente reprováveis.
A lei 13.460 determinou a elaboração de Carta de Serviços ao usuário, destinada a consolidar todas as soluções a serem observadas. Em última análise, esse documento consolidará normas de direito material, mas especialmente disporá sobre a procedimentalização a ser adotada para assegurar um serviço público adequado.
Outra inovação consiste na disciplina das ouvidorias, destinadas a servir de canal de comunicação direta entre o usuário e o poder público. Mas se previu que a ouvidoria se prestará inclusive a promover a mediação entre usuário e o órgão público (art. 13, inc. VII). As ouvidorias também dispõem de atribuição de controle da eficiência na gestão administrativa. Cabe-lhes identificar os principais problemas apontados pelos usuários e “apontar falhas e sugerir melhorias na prestação de serviços públicos” (art. 14, inc. II).
Outra inovação consiste no Conselho de Usuários, órgãos consultivos de acompanhamento, avaliação e aperfeiçoamento dos serviços. O Conselho será composto segundo critérios de representatividade e pluralidade dos interessados.
Se não bastasse, consagrou-se a exigência formal de avaliação continuada dos serviços públicos (art. 23). Há um dever de os órgãos e entidades administrativas realizarem, de modo ininterrupto, a avaliação da satisfação dos usuários, da qualidade do atendimento e do atingimento dos objetivos predeterminados, daí sendo extraídas providências para aperfeiçoamento dos serviços. É obrigatória a realização anualmente de pesquisa de satisfação. Um dispositivo muito interessante é a previsão de uma classificação das entidades conforme a incidência de reclamações dos usuários.
A lei 13.460 previu a sua entrada em vigor em 360 dias para a União, estados, Distrito Federal e municípios com mais de 500 mil habitantes. A sua publicação ocorreu em 27.6.2017 (uma terça-feira). Portanto, a sua entrada em vigor para tais entidades ocorrerá em 22.6.2018.
Para os municípios com população entre 100 mil e 500 mil habitantes, o prazo da vacatio legis é de 540 dias. Portanto, o início da vigência ocorrerá em 19.12.2018.
Enfim, o prazo para os municípios com menos de 100 mil habitantes é de 720 dias, o que significa início de vigência a partir de 17.6.2019.
Há uma questão remanescente e que não quer calar: quais as providências que estão sendo adotadas pelos estados, Distrito Federal e municípios para dar aplicação à lei 13.460? A União já regulamentou a lei. Há proposta de regulamentação proveniente da Rede de Ouvidorias. Mas a generalidade dos entes federativos parece dar ao diploma a mesma importância que costuma dedicar aos cidadãos até o presente.
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