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“Morto” abre empresa, mas não é atendido pelo SUS

O uso cada vez mais disseminado de bases de dados públicas para cruzamento de informações e atualização de cadastros de acesso a vários serviços torna imprescindível a construção de novas normas e regras de proteção do cidadão e das empresas.

24/4/2018

Recentemente um agente funerário em Goiás precisou de atendimento médico junto ao SUS e descobriu que estava “morto”. Havia um atestado de óbito tirado em seu nome que “impediu” o hospital público de atendê-lo e o obrigou a iniciar um périplo para provar que está vivo.

Com a morte registrada no Sistema Informatizado de Controle de Óbitos (SISOBI) há quatro anos, o cidadão foi orientado pelo INSS a procurar o cartório que efetuou a anotação para solucionar a questão. Enquanto isso, nada de atendimento médico.

A exposição a zombarias de toda sorte, ampliadas pela sua ocupação no ramo funerário, aliada ao impedimento de acesso ao serviço de saúde e a indefinição do procedimento para superar o problema expressam a face mais cruel do lado negro da burocracia estatal. Por isso o caso não pode ser visto como simples curiosidade, afastada da realidade da maioria.

O uso cada vez mais disseminado de bases de dados públicas para cruzamento de informações e atualização de cadastros de acesso a vários serviços torna imprescindível a construção de novas normas e regras de proteção do cidadão e das empresas.

Caminhamos para a unificação de bases cadastrais ou para o seu compartilhamento entre os vários órgãos públicos e a situação do cidadão de Goiás só não é pior porque isso ainda não é realidade para todos os órgãos.

O “morto” para o SUS ainda pode abrir empresas e, provavelmente, tirar a carteira de motorista, entre outros serviços, mas pode ser impedido de votar ou ter problemas para manter sua conta bancária ou conseguir emprego.

No caso da abertura de empresas, tanto pode usar a Internet, se for MEI, ou comparecer à Junta Comercial, se não for, e não terá dificuldades. Se for empregado, todavia, pode começar a ter problemas em breve dada a implantação do e-Social.

No futuro bem próximo, portanto, qualquer anotação cadastral equivocada ou decorrente de fraude em um órgão pode ocasionar problemas seríssimos para o cidadão perante todos os outros.

O caso concreto do SUS atenta contra o bom senso e a razoabilidade na medida em que a essencialidade do serviço de saúde não pode ser afastada por mera anotação cadastral. O cidadão deveria ter sido atendido e orientado claramente sobre o caminho de superação do problema, de forma simples e rápida.

Afinal, a presença do cidadão com a posse de documentos de identificação deve prevalecer sobre anotação cadastral, ainda que vinda de registro público. Já basta ter que provar que você é você. Só faltava também provar que você está vivo!

Esse ponto é apenas um pequeno exemplo sobre a necessidade de regras claras de proteção ao usuário do serviço público. Sem isso, e sem mecanismos de monitoramento dos órgãos, proliferarão situações que podem fazer o cidadão preferir estar morto de verdade.

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*José Constantino Bastos Jr é advogado e ex-secretário nacional de racionalização e simplificação.

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