Exame da matéria de ordem pública no recurso especial
Giselli Tavares Feitosa Costa*
Na instância ordinária é pleno o efeito translativo dos recursos, ficando as matérias de ordem pública totalmente submetidas ao Tribunal, que delas deverá conhecer independentemente de provocação das partes, na instância especial, contudo, há uma aplicação mitigada de tal efeito.
O pré-questionamento tornou-se, dessa forma, um dos principais óbices ao processamento dos recursos e os Tribunais Superiores estão abarrotados de jurisprudência nesse sentido.
Importante exceção à regra em questão tem sido a aplicação analógica da Súmula 456 do STF pelo STJ.
Enuncia a referida Súmula, verbis:
"O Supremo Tribunal Federal, conhecendo do recurso extraordinário, julgará a causa aplicando o direito à espécie".
Da interpretação dada ao verbete sumular 456/STF surgiram as primeiras decisões que de forma inovadora e louvável deram ênfase à efetividade da prestação jurisdicional em detrimento da jurisprudência defensiva, que tradicionalmente domina os Tribunais.
Isso pelo fato de que a expressão "julgamento da causa", em tese, abrangeria toda a matéria debatida no recurso especial, mas tal assertiva deve ser feita com cuidado, eis que a hipótese excepcional aqui tratada não teria o condão de ultrapassar, por exemplo, os óbices das Súmulas 5 e 7, do STJ.1
Vale dizer, então, que mesmo ausente o pré-questionamento das matérias de ordem pública e conhecido o recurso por outro fundamento, o Superior Tribunal de Justiça, em razão do feito translativo do recurso especial - pode conhecer e dar provimento ao apelo também quanto às matérias de ordem pública.
Pelo efeito translativo dos recursos, decorrência do princípio inquisitório e assentado no art. 267, § 3 º, do CPC, fica o órgão julgador autorizado a decidir fora do que consta das razões ou contra-razões do recurso, sempre que se deparar com alguma questão de ordem pública, sem que incorra em julgamento extra, ultra ou citra petita.
Nesse sentido tem-se o recente acórdão da lavra do Ministro Castro Meira, verbis:
"TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535, II, DO CPC. ARGÜIÇÃO GENÉRICA. SÚMULA 284/STF. PIS. BASE DE CÁLCULO. SEMESTRALIDADE. JULGAMENTO ULTRA PETITA. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. PREQUESTIONAMENTO. EFEITO TRANSLATIVO DO RECURSO ESPECIAL. PRESCRIÇÃO. COMPENSAÇÃO ENTRE QUAISQUER TRIBUTOS. IMPOSSIBILIDADE. CORREÇÃO MONETÁRIA. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. APLICAÇÃO.
1. Até mesmo as questões de ordem pública, passíveis de conhecimento ex officio, em qualquer tempo e grau de jurisdição ordinária, não podem ser analisadas no âmbito do recurso especial se ausente o requisito do pré-questionamento.
2. Excepciona-se a regra se o recurso especial ensejar conhecimento por outros fundamentos, ante o efeito translativo dos recursos, que tem aplicação, mesmo que de forma temperada, na instância especial. Precedentes da Turma.
3. Aplicação analógica da Súmula n.º 456/STF, segundo a qual "O Supremo Tribunal Federal, conhecendo do recurso extraordinário, julgará a causa, aplicando o direito à espécie".
4. Embora ausente o pré-questionamento dos artigos 2º, 128, 460, 475 e 515, todos do Código de Processo Civil, sendo a alegação de julgamento extra e ultra petita matéria de matéria de ordem pública e conhecido o recurso por outro fundamento, deve a questão ser conhecida e apreciada, em razão do efeito translativo do recurso especial."
(...)
(RECURSO ESPECIAL Nº. 814.885 - SE (2006/0022253-8), RELATOR: MINISTRO CASTRO MEIRA, Publicado no DJU de 19.5.2006, pág. 205).
Desta forma, é que o Superior Tribunal de Justiça ao constatar a ausência de pressuposto processual, de condição da ação não debatidos na decisão recorrida, conhecido o recurso por outro fundamento, poderá apreciar de ofício questões de ordem pública.
Acerca do tema tem-se, dentre outros, os seguintes precedentes: AI - AgR 95.597, Rel. Min. Pádua Ribeiro, DJU 13.5.1996; Resp 474.998, Relatora Min. Eliana Calmon, DJU 22.11.2002; AI - AgR 505.029, Relator Min. Carlos Velloso, DJU 12.4.2005; AG. 217.753/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, STF, DJU 23.4.1999.
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1Súmula 5. "A simples interpretação de cláusula contratual não enseja recurso especial"; Súmula 7. "A pretensão de simples exame de prova não enseja recurso especial".
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*Advogada do escritório Siqueira Castro Advogados
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