O ano de 2017 marcou o exponencial crescimento do mercado de moedas virtuais no Brasil, período em que o número de investidores brasileiros em Bitcoins superou o total de pessoas físicas cadastradas na bolsa de valores (B3) e o total de investidores ativos do Tesouro Direto.
Ao preencher a Declaração de Ajuste Anual, as pessoas físicas que praticaram transações com Bitcoins e outras moedas virtuais em 2017 devem ficar atentas para não cometer erros no cálculo do imposto de renda e na apresentação de informações na Declaração de Ajuste Anual do IRPF.
Isto porque há questões nebulosas na tributação dos ganhos nas operações com moedas virtuais e a demora do Governo Federal em regulamentar este mercado contribui para aumentar a insegurança jurídica dessas transações, concentrando na mão dos investidores – em sua maior parte pessoas físicas leigas no assunto – o ônus de se virar sozinho com as obrigações perante a Receita Federal e se sujeitar exposições tributárias.
A comparação com investimentos nos mercados financeiro e de capitais dá uma ideia deste cenário. Instituições financeiras e outras entidades custodiantes de aplicações de pessoas físicas em títulos, valores mobiliários ou fundos de investimento, por estarem subordinadas a normas tributárias e regulatórias específicas, são obrigadas a reter na fonte impostos da pessoa física e disponibilizar aos investidores informes de rendimento com todas as informações necessárias para apresentar a Declaração de Ajuste Anual.
Já as empresas sediadas no Brasil que atuam na intermediação de compra e venda de Bitcoins e outras moedas virtuais (conhecidas como "corretoras" de moedas virtuais), por não se sujeitarem a qualquer regulamentação específica no Brasil, não são obrigadas a reter impostos na fonte e nem disponibilizar informações voltadas para apresentação da Declaração de Ajuste Anual.
Pode até haver empresas neste mercado que disponibilizem informações e documentos neste sentido, mas não estão obrigadas por lei a fazê-lo. Daí a necessidade de as pessoas físicas redobrarem a atenção quanto às suas transações praticadas com moedas virtuais para evitar problemas futuros com as autoridades tributárias.
Primeiro ponto que se chama a atenção sobre o assunto é em relação ao alcance da isenção do ganho de capital na alienação de bens e direitos de pequeno valor. Estão isentos do imposto de renda o ganho de capital auferido em alienações, praticadas dentro do mesmo mês, cujo preço de venda não exceder R$ 35 mil (para ações negociadas no mercado de balcão o limite é R$ 20 mil). Se o valor total das alienações, praticadas dentro mesmo mês, for maior do que R$ 35 mil, o ganho de capital auferido em tais operações é tributável pelo IRPF ainda que este ganho seja bem inferior aos R$ 35 mil.
As questões tributárias mais preocupantes em relação às transações com moedas virtuais, no entanto, são sobre a base de cálculo e a alíquota que devem ser consideradas no cálculo do ganho de capital tributável pelo IRPF.
Em sua única manifestação sobre o tema até hoje (no Perguntas e Respostas do IRPF 2017), a Receita Federal limitou-se a fazer a referência às normas que disciplinam o cálculo do ganho de capital na alienação em bens e direitos em geral. Estas normas, no entanto, são genéricas e não capturam particularidades importantes como a fungibilidade de moedas virtuais, tornando a sua aplicação impraticável em situações mais complexas.
Para apurar o custo de aquisição de acordo com as referidas normas, o sujeito passivo teria de ser capaz de rastrear e mapear todas as transações de aquisição de moeda virtual, com seus respectivos valores, datas e quantidades, para indicar, em cada transação de venda, quais são exatamente as unidades (ou frações de unidade) de moeda virtual que estão sendo alienadas, para o fim de considerar como custo de aquisição o preço precisamente pago pelas unidades ou frações de unidade de moeda virtual que estão sendo alienadas.
Em situações onde o indivíduo pratique dezenas de transações de compra e venda de moeda virtual em um curto período, é evidente que a aplicação das referidas normas gerais é impraticável. Por isso, é absolutamente sustentável a apuração do custo de aquisição com base na média ponderada dos custos unitários, aplicando-se por analogia, no que for compatível, as regras de apuração do ganho de capital previstas para alienação de participações societárias.
Além da base de cálculo, há dúvidas também na aplicação das alíquotas progressivas do IRPF para apuração do ganho de capital em transações de moedas virtuais.
Não houve alteração na alíquota do IRPF incidente sobre o ganho de capital, esta continua sendo de 15%. A partir de 1º de janeiro de 2017, no entanto, os ganhos de capital de pessoas físicas superiores a R$ 5 milhões passaram a ser tributados com alíquotas progressivas de 17,5% (ganhos na faixa de R$ 5 a 10 milhões), 20% (ganhos na faixa de R$ 10 a 30 milhões) e 22,5% (ganhos acima R$ 30 milhões).
Neste cenário, pode haver dúvida sobre a base que deve ser considerada para aplicação das alíquotas progressivas: estas alíquotas são cabíveis apenas quando o ganho de capital de uma única transação de moeda virtual exceder R$ 5 milhões ou, assim como no caso de alienação de participações societárias, as transações de venda de moedas virtuais devem ser consideradas alienação em partes do mesmo bem ou direito, para o fim de serem somadas todas as operações da mesma natureza praticadas até o final do ano-calendário seguinte ao da primeira operação? Há margem de interpretação para as duas hipóteses.
Considerando a lógica da tributação definitiva do ganho de capital da pessoa física, onde o rendimento é tributado isoladamente (desprezando outros rendimentos e os gastos dedutíveis), bem como que as transações de venda de moedas virtuais não necessariamente estão vinculadas entre si, deveria prevalecer o entendimento de que as alíquotas progressivas somente são aplicáveis quando o ganho de capital auferido em uma única operação exceder os R$ 5 milhões.
Por outro lado, levando em consideração a fungibilidade e a natureza das transações com moedas virtuais, onde o ganho final (efetiva manifestação de riqueza tributável pelo IRPF) percebido pelo investidor não é outro senão o resultado líquido de todas as transações de compra e venda praticadas dentro de determinado período, também é defensável o entendimento de que tais transações devem ser em conjunto para fins de aplicação das alíquotas progressivas.
Esta segunda linha de entendimento não é necessariamente mais onerosa ao contribuinte. Isto porque o racional deste entendimento implica admitir a compensação de perdas em operações de moedas virtuais com ganhos auferidos em operações da mesma natureza na determinação do ganho de capital tributável pelo IRPF. Conquanto não exista previsão legal expressa neste sentido, há fundamentos jurídicos que respaldam a pretensão de discutir judicialmente a possibilidade de fazê-lo. Aliás, a própria Receita Federal do Brasil já admitiu, nas suas Perguntas e Respostas do IRPF 2017, que moedas virtuais podem ser equipadas a um ativo financeiro.
Passando para os aspectos práticos, uma vez calculado o valor devido, o IRPF sobre o ganho de capital deve ser recolhido por meio de guia DARF, mediante a utilização do código 4600 no campo 04, até o último dia útil do mês subsequente ao que o ganho de capital foi percebido. O recolhimento do imposto após a data de vencimento está sujeito ao acréscimo de juros calculados pela Taxa Selic e de multa de mora de 0,33% ao dia (limitada a 20% do imposto devido). A multa de mora pode ser discutida pelo sujeito passivo mediante a apresentação de denúncia espontânea.
Na Declaração de Ajuste Anual, as transações de compra e venda de moedas virtuais e os impostos pagos em virtude destas transações devem ser reportadas na parte de Ganho de Capital. Tais informações devem ser preenchidas no programa do Ganho de Capital (GCAP) para que o arquivo gerado pelo referido programa seja importado para a Declaração de Ajuste Anual.
Já na ficha de bens e direitos deve ser informada apenas a situação patrimonial da pessoa física em 31 de dezembro de cada ano. O saldo de cada espécie de moeda virtual detido pelo sujeito em 31 de dezembro, se superior a R$ 1 mil, deve ser informado pelo valor do seu custo de aquisição (e não pelo valor da cotação em 31/12), sob o código 99 (outros bens e direitos). É recomendável que na descrição do item contenha informações sobre a espécie de moeda virtual, a quantidade e, se possível, as datas das aquisições que formaram o saldo reportado.
Tendo em vista a notável complexidade e nebulosidade que cerca o tema da tributação das moedas virtuais, é recomendável que pessoas físicas procurem assessoria especializada para auxiliá-los no cumprimento das suas obrigações perante a Receita Federal, principalmente para indivíduos que praticaram grande volume de transações de compra e venda de Bitcoins ou outras moedas virtuais em 2017.
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*Leonardo Milanez Villela é advogado no escritório Correia da Silva Advogados.