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A independência da ANEEL nos novos Anteprojetos de Lei

O presente artigo visa caracterizar “agência reguladora independente” e verificar se, dos termos dos Anteprojetos de Lei que tratam da gestão, organização e controle social das agências reguladoras e alteram suas atribuições, resulta diminuição da independência da ANEEL.

1/10/2003

A independência da Aneel nos novos Anteprojetos de Lei

Cecilia Vidigal Monteiro de Barros*

1 – A ANEEL e o Anteprojeto que trata do controle sobre as agências

O presente artigo visa caracterizar "agência reguladora independente" e verificar se, dos termos dos Anteprojetos de Lei que tratam da gestão, organização e controle social das agências reguladoras e alteram suas atribuições, resulta diminuição da independência da ANEEL.

A título de comparação, o item 2 trata das agências independentes nos Estados Unidos, o item 3 trata das agências no Brasil, e o item 4 trata propriamente das alterações introduzidas pelos Anteprojetos.

2 – Agências reguladoras nos Estados Unidos

As agências reguladoras surgiram nos Estados Unidos e foram adotadas em diversos países.

As agências têm funções legislativas, consubstanciadas na sua ação normativa (parte do poder regulamentar), funções executivas, relativas à promoção, fiscalização e representação do poder concedente, e funções semijurisdicionais, na medida em que exercem mediação, como uma instância arbitral, e que proferem decisões sobre casos concretos do setor.

Há três tipos de agências públicas nos Estados Unidos: (i) agências reguladoras independentes; (ii) agências reguladoras quase independentes; e (iii) agências executivas.

As agências reguladoras não se confundem com agências executivas. As agências executivas são entes da administração, que operam sob contrato de gestão, apresentando autonomia administrativa reduzida. Já as agências reguladoras independentes, como o nome diz, têm como característica marcante sua independência, como pressuposto de serem órgãos técnicos, neutros, não sujeitos a pressões políticas.

Embora parte da doutrina norte-americana defenda que não há agências independentes, há no sistema administrativo norte-americano agências públicas comumente conhecidas como independent regulatory commissions. O Congresso atribuiu aos reguladores poderes semilegislativos e semijurisdicionais, e as agências devem empregar tais poderes para criar regras consideradas necessárias para regular setores específicos da economia.

Para evitar ingerências políticas indevidas nas decisões legislativas e judiciais das independent regulatory commissions, o Congresso tomou certas medidas preventivas de caráter estrutural e procedimental: todas as agências são órgãos compostos de cinco e sete membros; os reguladores são indicados pelo Presidente com a aprovação do Senado, e não podem ser removidos salvo por justa causa (infração à lei); o Presidente escolhe tais reguladores para um mandato fixo, sendo que não mais que a maioria simples pode pertencer a um mesmo partido.

Já as agências quase-independentes não têm a proteção estatutária contra afastamento de seu dirigente máximo pelo Presidente da República, e especialmente por essa razão, não podem ser consideradas independentes.

3 – Agências reguladoras no Brasil

No Brasil os projetos do Código de Águas, elaborados em 1907 e 1933, da autoria de Alfredo Valladão, adotam confessadamente o modelo norte-americano de agências reguladoras, com poderes reguladores e de fiscalização. Tanto o extinto DNAEE como a sua sucessora ANEEL têm poder não só de fiscalizar os serviços de energia elétrica, como também ação normativa.

No entanto, a figura da agência não faz parte da tradição constitucional brasileira. Apenas algumas agências foram previstas na Constituição Federal de forma específica, como é o caso da ANATEL e da ANP. Outras não foram previstas como agência, como é o caso, por exemplo, da ANEEL, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVS, criadas apenas por legislação infra-constitucional. (Lei nº 9.782/98).

Dentre as agências previstas na Constituição, há aquelas previstas como órgão, mas não agência reguladora. É o caso da SUSEP (art. 192, inc. II), do Banco Central do Brasil (art. 192, inc. IV) e do Conselho Administrativo de Direito Econômico - CADE (art. 173, § 4º).

A ANATEL, a ANP e a ANEEL foram criadas como autarquias "especiais", de forma a poderem ser classificadas dentre os entes da administração pública previstos na Constituição Federal e no Decreto-lei nº 200.

O Decreto-lei nº 200 define autarquia como "o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeira, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada" (art. 5º, I).

Além da independência, o que a ANATEL, a ANEEL e a ANP têm de característico é o amplo poder normativo, cumulado com o fiscalizatório, o sancionatório, o de solução de conflitos, assemelhando-se muito às agências independentes norte-americanas.

4 - Atual independência da ANEEL

Embora a ANEEL possua hoje as funções normativa, de fiscalização, de promoção de políticas públicas, de defesa da concorrência e arbitrais,o grau de independência da ANEEL é muito baixo, e inferior em relação às demais agências reguladoras recentes - ANP, ANATEL e ANVS, uma vez que a independência da ANEEL é limitada pela existência de contrato de gestão. De fato, desde 1997, com a Lei nº 9.427/97, como regulamentada pelo Decreto nº 2.335/97, há previsão de contrato de gestão, em relação à ANEEL, cujo objeto é fixar os objetivos e metas relativos à regulação econômica do setor de energia elétrica (art. 20, § 3º).

Veja-se a comparação com a ANATEL, que é definida como "entidade da Administração Pública federal indireta, submetida a regime autárquico especial e vinculada ao Ministério das Comunicações. (...) A natureza de autarquia especial conferida à Agência é caracterizada por independência administrativa, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes e autonomia financeira. (...) A Agência atuará como autoridade administrativa independente" (art. 8º, caput e § 2º, e art. 9º da Lei nº 9.472/97).

O mandato dos dirigentes das agências terminará apenas em caso de renúncia, de condenação judicial transitada em julgado ou de processo administrativo disciplinar, sendo que a lei que criar cada agência poderá prever outras condições para a perda do mandato (art. 9º da Lei nº 9.986/2000).

No caso específico da ANEEL, a Lei nº 9.427/97, em seu art. 8º, prevê que seus dirigentes poderão ser exonerados dentro dos quatro primeiros meses de seu mandato, e após tal prazo, na prática, dificilmente serão exonerados. Isso porque a sua exoneração tem por pré-requisito um dos três motivos seguintes: (i) improbidade administrativa; (ii) condenação penal transitada em julgado; e (iii) descumprimento injustificado do contrato de gestão. Com isso, pode-se afirmar que seus dirigentes têm, na prática, uma estabilidade, conferindo assim à ANEEL relativa independência.

5 – Proposta dos Anteprojetos de Lei

O Anteprojeto de Lei que altera a Lei nº 9.986, de 18 de julho de 2000, prevê que as agências reguladoras, ali listadas como ANEEL, ANP, ANATEL, ANVISA, ANS, ANA, ANTAQ, ANTT e ANCINE, serão objeto de contrato de gestão.

Ora, como referido no item anterior, a ANEEL já estava sujeita a contrato de gestão e de metas. A agência já nasceu com sua autonomia administrativa restrita.

Muito embora o Anteprojeto tenha mantido o contrato de gestão, ele se absteve de introduzir novas hipóteses ainda mais restritivas da independência da agência, como o poder de exoneração de seus dirigentes.

Continua, portanto, em vigor o previsto na Lei nº 9.427/96, que, na prática, conforme já esclarecido, equivale à estabilidade dos dirigentes da ANEEL, após decorridos os quatro primeiros meses de mandato. Continua válida, ainda, a regra de que o descumprimento das metas não é suficiente, por si só, para a exoneração; tal descumprimento há de ser injustificado, o que, na prática, afasta a exoneração por tal motivo.

O monitoramento por contrato de gestão pode ser prejudicial à independência das agências, pois as expõem à instrumentalização pelo Poder Executivo. A independência se apóia em dois aspectos: (i) estabilidade dos administradores nomeados para a agência; e (ii) autonomia decisória da agência, que não estaria sujeita ao Poder Executivo.

Com a manutenção do contrato de gestão, não se pode falar em ampla autonomia decisória pela ANEEL, que é o segundo pressuposto caracterizador da independência de uma agência. Sem tal autonomia, as agências não terão órgãos técnicos, neutros, não sujeitos a pressões políticas. O contrato de gestão lhes retira tal autonomia, e faz com que as agências brasileiras deixem de ser agências reguladoras na sua essência, se aproximando de agências executivas.

Por outro lado, ao se abster de prever a exoneração do dirigente em caso de as metas não serem atingidas, o Anteprojeto garantiu a estabilidade dos administradores nomeados, e com isso, fica mantida parte da independência das agências.

Ademais, o Anteprojeto manteve a competência final da ANEEL (colegiado da Diretoria) para decidir sobre recursos administrativos, garantindo, assim, certo grau de autonomia decisória.

O que deveria ser acrescido ao Anteprojeto é a impossibilidade de as decisões administrativas das agências serem submetidas a julgamento pela primeira instância do Poder Judiciário, pois isso confere a um só juiz o poder de reformar uma decisão tomada pela agência, dentro de seu poder quase-jurisdicional. O mais correto seria o recurso de uma decisão da agência ser submetido a um tribunal, a outro órgão colegiado e especializado, ou mesmo a um órgão arbitral.

Finalmente, a transferência do poder de licitar e outorgar concessões, permissões e autorizações para o Ministério de Minas e Energia se dá pela retirada da competência da ANEEL para tanto, prevista no art. 3º, inc. IV, de celebrar os contratos de concessão e permissão e expedir as autorizações, e a transferência de tal competência para o Ministério de Minas e Energia. Tal transferência retirou da agência parte de seu poder normativo, que vinha também consubstanciado no poder de elaborar as cláusulas dos contratos de concessão e editar as resoluções de outorga, que regulavam as concessões e autorizações, a par da legislação vigente. Restou à agência gerir e fiscalizar os contratos de concessão e o cumprimento dos termos da autorização concedida.

Do texto do Anteprojeto depreende-se que as agências tiveram sua autonomia administrativa e seus poderes normativo e semi-jurisdicional em parte esvaziados, ficando elas a meio caminho entre uma agência reguladora independente e uma mera agência executiva. A independência da agência reguladora é vista, por investidores privados no setor de infra-estrutura, como uma segurança quanto à estabilidade de regras e de neutralidade política das agências em suas decisões, e, portanto, deve ser levada em conta pelo Governo e Congresso Nacional quando da edição das novas leis.

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* Advogada do escritório Tozzini, Freire, Teixeira e Silva Advogados

 

 

 

 

 

 

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