O princípio da Actio Nata como fundamento para a reabertura do prazo para pleitear a restituição total de indébito tributário
José Cabral P. Fagundes Júnior*
I - Introdução:
Se, no entanto, o pensamento aqui esposado for capaz de instigá-lo, na busca pela concretização dos recursos constitucionais assecuratórios ao contribuinte da utilização da Ética Tributária – sustentada no Princípio da Confiança e da Boa-Fé nas relações de Direito Público – e da vedação a locupletamento sem causa3, quiçá confisco4, pelo Estado, dos valores recolhidos a título de “tributo”, – ah! – então, sim, teremos atingido o nosso objetivo que em verdade não foi outro.
Portanto, invertendo a ordem natural – como amiúde faz o Fisco... –, começaremos concluindo, para depois justificar, porque a decisão judicial do STF, declarando lei tributária inconstitucional e ilegal não poderá marcar no tempo período para devolução dos valores5 recolhidos indevidamente a título de “tributo”. Nesse passo, deverá essa decisão gerar efeitos ex tunc e erga omnes devendo ser devolvido tudo quanto foi pago pelo contribuinte na vigência da lei declarada inconstitucional e desde o momento em que entrou em vigor, data essa que constituirá o marco inicial para que se opere a restituição, independentemente do tempo que já tenha transcorrido do seu indevido recolhimento6.
Bem assim, afigura-nos irretocável a cátedra de Alfredo Buzaid, quando categórico disse que “lei inconstitucional é lei inválida, absolutamente nula, nulidade que a fere ab initio”7, ao que acrescentamos que a decisão judicial reconhecendo essa situação é declaratória (de um estado pré-existente), porque não desconstituirá a lei (efeito revogatório puro), reconhecendo apenas a existência de um ato contaminado. “E, por esse motivo, a decisão produz efeitos ex tunc, retroagindo até o nascimento da norma impugnada”8. Portanto, repita-se, “lei declarada inconstitucional é considerada, independentemente de qualquer outro ato, nula ipso jure e ex tunc”9.
II – Delimitação de alguns conceitos à luz do tema proposto
Visando facilitar a conclusão exposta, traremos a colação alguns breves conceitos que sob nossa óptica ajudar-nos-ão a justificar a conclusão já colocada.
Importa, pois, neste ponto, afastar doutrina e jurisprudência tendentes a apartar o Princípio da Actio Nata sob enfoque, em apertadíssima síntese, de que vingando referida hipótese todos os direitos subjetivos tornar-se-iam imprescritíveis10; como se fosse possível prescrever direitos11 e, mais, olvidar “o poder de ação assegurado legalmente a toda pessoa para defesa e proteção de toda e qualquer espécie de bens, materiais ou imateriais, do qual decorre a faculdade de exigir a prestação ou abstenção de atos, ou o cumprimento da obrigação a que outrem esteja sujeito”12; ou ainda que o direito subjetivo não tivesse sua força vinculativa e o seu caráter jurídico dependentes do direito objetivo.
Deste modo, “modernamente, como prius da vida do direito foi teorizada já não a vontade do homem, sujeito de livre querer e centro de poderes, mas a ‘vontade do Estado’ (teoria do caráter estadual do direito), é lógico que seja exclusivamente essa vontade, expressa nas normas do direito objetivo, a dar validade, verificadas determinadas situações de fato, às relações jurídicas, ou seja, aos direitos subjetivos e às correspectivas obrigações queridas pelos sujeitos”13.
Logo, se é certo que toda ação humana é em si mesma afirmação de um poder da vontade, sob o enfoque jurídico esse poder virtual somente se efetivará na medida em que o direito objetivo confira a essa vontade um poder jurídico, amparado, pois, como não poderia deixar de ser no que diz respeito ao nosso ordenamento jurídico, pelo direito material.
Bem por isso, “não raro, procede-se a confusão entre o conceito de preclusão de direito, de pretensão e de ação, e prescrição de pretensão e de ação, ou só de ação. Ademais, ainda quando feito o discrime, não foi incomum a atribuição de natureza dúplice à prescrição, material-processual, com desatendimento a que se trata de instituto do direito material (e relativa ao meritum causae), conforme a própria técnica legislativa processual assentou (o Código de 1973, art. 269, estabelece que ‘haverá resolução de mérito: IV – quando o juiz pronunciar a decadência ou a prescrição’)”14.
Para Américo Lacombe “a conseqüência da prescrição é a perda do direito de ação”15, o que significa declarar-se sua inexigibilidade, não sua existência, equivocando-se quem cogita “da prescrição como presunção de extinção do direito material, uma vez que a prescrição não atinge em nenhum momento a existência da relação jurídica. (...) Seu fundamento não é proteger o devedor16, como se afirmou e se tem afirmado, mas proteger o que não é devedor e pode, com o decurso do tempo, não mais ter prova da inexistência da dívida. Como bem se frisa no direito comparado, esse transcurso do período de tempo pode de fato expor, com a destruição da prova, a insegurança quem seguro estava17, confiante no mundo jurídico18”.19
Nesse passo, a correta delimitação dos prazos prescricionais, notadamente no que dizia respeito àqueles tidos por especiais (art. 178 do CC/1916), sempre foi motivo de fortes controvérsias. Necessitando, pois, pacificar essa questão a jurisprudência firmou solução, ao nosso sentir correta, aplicando o Princípio da Actio Nata, segundo o qual o termo inicial da prescrição seria o dia em que a ação poderia ser proposta, nascendo aí o direito subjetivo de ação por violação do direito material.
Em outras palavras, a prescrição começaria a fluir quando do conhecimento da violação do direito (material), ou seja, no momento da prolação do acórdão pelo STF, ou, ainda, com maior acerto, renovada quando da suspensão pelo Senado, se essa vier a existir na forma concebida pelo inciso X do art. 52 da CF/88. Isto porque a presunção de constitucionalidade das leis não nos permitiria afirmar da existência do direito à restituição do indébito, antes de declarada a inconstitucionalidade da lei em que se fundou a cobrança do tributo. Existiria, quando muito, mera expectativa de direito, ofuscada pela referida presunção.
Destarte, invalidada a norma surge a pretensão para o contribuinte e, pois, jungido a ele a Actio Nata; antes, não, e qualquer referência seria, na lição de Pontes de Miranda20 ação nondum nata.
Referido entendimento foi perpetuado pelo novo Código Civil que consagrou o Princípio da Actio Nata, quando dispôs que “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue pela prescrição” (CC/02, art. 189). (destaquei)
O novo texto legal, no sentido de que o lapso prescricional começa a fluir a partir da violação do direito, referenda, pois, o entendimento de que a pretensão nasce com o conhecimento da violação. Consagra-se, pois, a teoria abstrata do direito de ação ao reafirmar que a prescrição não atinge o direito de postular em juízo, já que este se dirige ao Estado, como um direito subjetivo público à prestação jurisdicional, independentemente do mérito da demanda.
Por outro lado, tampouco a prescrição atingiria o direito material lesado, que se manteria íntegro, a permitir o exercício do direito, sua exigibilidade e a satisfação do crédito. Nesse particular entendem, ou entendiam..., nossas mais altas Cortes:
“Declarada, assim, pelo Plenário, a inconstitucionalidade material das normas de natureza tributária, porque feita a título de cobrança de empréstimo compulsório, segue-se o direito do contribuinte à repetição do que pagou (Código Tributário Nacional, art. 165), independentemente do exercício financeiro em que tenha ocorrido o pagamento indevido” (STF. RE nº 136.883-RJ, 1ª Turma, 27/8/91, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, in RTJ 137/938);
“Constitucional. Tributário. Empréstimo Compulsório. Incidência na Aquisição de Veículos Automotores. Decreto-Lei nº 2.288/86 (clique aqui). Inconstitucionalidade. Repetição do indébito. Declarada a inconstitucionalidade das normas instituidoras do empréstimo compulsório incidente na aquisição de automóveis (RE 121.336), surge para o contribuinte o direito à repetição do indébito, independentemente do exercício financeiro em que se deu o pagamento indevido. Recurso extraordinário conhecido e provido.” (STF. RE n. 141331-0- Rio de Janeiro, 2ª Turma, Sessão de 19/4/1994, Rel. Min. Francisco Rezek);
“COMPENSAÇÃO - CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA - INCONSTITUCIONALIDADE - RE nº 166.772-9-RS - LEI nº 7.787/89 (clique aqui) - PRESCRIÇÃO - CORREÇÃO. O Colendo Supremo Tribunal Federal, no RE nº 166.772-9-RS, declarou a inconstitucionalidade das expressões ‘avulsos, autônomos e administradores’ do artigo 3º da Lei nº 7.787/89, já suspensas pelo Senado Federal. O crédito é líquido e certo permitido a compensação. O prazo prescricional só tem início a partir da decisão da Excelsa Corte. Neste caso não ocorreram prescrição nem decadência. Reconhecido o crédito, deve ser devolvido com correção. Recurso improvido.” (Ac. un. da 1ª Turma do STJ - Resp nº 143.605- Rio Grande do Sul - 97/0056215-8 - Rel. Min. Garcia Vieira - j. 20.10.97, DJU 1.12.97, Seção 1, p. 62684, n.d.).
Reafirma nossa posição com a clareza e poder de síntese que se lhe é peculiar o nosso Ministro José Augusto Delgado21 quando faz “coro ao dizer de Carmem Lúcia Antunes Rocha que ‘a exigência da moralidade administrativa firmou-se como um dos baluartes da confiança do povo no próprio Estado’, sendo ‘não apenas Direito, mas direito público subjetivo do cidadão: todo cidadão tem direito ao governo honesto’ (Princípios Constitucionais da Administração Pública, Del Rey, Belo Horizonte, 1994, p. 190).
Interpreto a lição de Carmem Lúcia como adequada e aplicada ao fenômeno sentencial e da coisa julgada. Estas entidades processuais só se afirmam como verdadeiras e os seus atos só têm capacidade de produção de efeitos, quando suas posturas são desenvolvidas dentro do círculo da legalidade e da moralidade. Além desses limites, elas inexistem porque recebem configurações que ultrapassam as perspectivas democráticas perseguidas pela Constituição Federal”.
E, finalizando, responde se deveria – ou não – prevalecer a segurança jurídica, mesmo que importasse em grave injustiça, registrando que “a) A grave injustiça não deve prevalecer em época nenhuma, mesmo protegida pelo manto da coisa julgada, em um regime democrático, porque ele afronta a soberania da proteção da cidadania”, e “podem ser consideradas como sentenças injustas, ofensivas aos princípios da legalidade e da moralidade e atentatórias à Constituição, por exemplo, as seguintes: a) a declaratória de existência de preclusão quando esse fenômeno processual inexiste por terem sido falsas as provas em tal sentido; (...) k) a que obrigue a alguém a fazer alguma coisa ou deixar de fazer, de modo contrário à lei”.
Oportuno ressaltar que não se pretende aqui que inexista prazo para a realização do pedido de restituição; pugna-se, todavia, pelo reconhecimento de que a ação somente seria exercitável a partir do momento em que a exação fosse reconhecida como indevida pelo STF, ou, ainda, quando da sua suspensão pelo Senado Federal para aqueles que não atribuem efeito meramente declaratório à Resolução do Senado, em oposição à evolução legislativa e jurisprudencial22, retroagindo até a data em que se deu o primeiro recolhimento indevido pelo contribuinte.
III – Da competência absoluta do STF (art. 27 da Lei 9.868/99) – reclamação:
O STF havia pacificado entendimento consubstanciado em somente admitir reclamações fundamentadas no desrespeito à autoridade de suas decisões proferidas em ADIN’s quando fosse reclamante quem tivesse sido parte na respectiva ação direta “e que a prática de atos concretos proman(asse) do órgão que a editou”23.
Referida posição, irrefutável por força do § 2º do artigo 102 da CF/88, declina que “As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.” (destaquei)
Destarte, em leading case de relatoria do Ministro Maurício Corrêa (AG. REG. na RCL 1.880/SP), o STF reviu seu entendimento ampliando o rol dos legitimados para o ajuizamento de reclamação – particular ou não –, que venha a ser afetado, em sua esfera jurídica, por decisões de outros Tribunais (em sentido lato) que se revelem contrárias ao entendimento fixado, em caráter vinculante, no julgamento dos processos objetivos de controle normativo abstrato instaurados quer por ADIN ou ADC, cujo acórdão foi assim ementado:
“QUESTÃO DE ORDEM. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. JULGAMENTO DE MÉRITO. PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 28 DA LEI 9868/99: CONSTITUCIONALIDADE. EFICÁCIA VINCULANTE DA DECISÃO. REFLEXOS. RECLAMAÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA.
1. É constitucional lei ordinária que define como de eficácia vinculante os julgamentos definitivos de mérito proferidos pelo Supremo Tribunal Federal em ação direta de inconstitucionalidade (Lei 9868/99, artigo 28, parágrafo único).
2. Para efeito de controle abstrato de constitucionalidade de lei ou ato normativo, há similitude substancial de objetos nas ações declaratória de constitucionalidade e direta de inconstitucionalidade. Enquanto a primeira destina-se à aferição positiva de constitucionalidade a segunda traz pretensão negativa. Espécies de fiscalização objetiva que, em ambas, traduzem manifestação definitiva do Tribunal quanto à conformação da norma com a Constituição Federal.<_st13a_metricconverter w:st="on" productid="3. A">
3. A eficácia vinculante da ação declaratória de constitucionalidade, fixada pelo § 2º do artigo 102 da Carta da República, não se distingue, em essência, dos efeitos das decisões de mérito proferidas nas ações diretas de inconstitucionalidade.
4. Reclamação. Reconhecimento de legitimidade ativa ad causam de todos que comprovem prejuízo oriundo de decisões dos órgãos do Poder Judiciário, bem como da Administração Pública de todos os níveis, contrárias ao julgado do Tribunal. Ampliação do conceito de parte interessada (Lei 8038/90, artigo 13). Reflexos processuais da eficácia vinculante do acórdão a ser preservado.
5. Apreciado o mérito da ADI 1662-SP (DJ de 30.8.01), está o Município legitimado para propor reclamação.
Agravo regimental provido.” (destaquei - DJ de 19.3.2004)
“Dessa forma, enquanto o prazo previsto no artigo 168 do CTN tem como causa imediata o pagamento indevido, o prazo que se inicia com a declaração de inconstitucionalidade da lei, com fundamento exclusivo na Constituição, tem no pagamento indevido somente sua causa mediata, sendo a causa imediata o afastamento da presunção de constitucionalidade da lei tributária.
Ora, se esses dois prazos têm fundamentos diversos, não são mutuamente excludentes, não havendo por que se ter que optar por um deles como fez recentemente o STJ.
Na verdade, por ter o prazo gerado pela declaração de inconstitucionalidade da lei fundamento constitucional, o STJ sequer teria, a seu respeito, a última palavra, que cabe ao STF. (...) Assim, ou deve o STJ voltar a reconhecer a possibilidade da geração de prazo pela declaração de inconstitucionalidade, ou deve se abster de deliberar sobre a matéria e deixar essa tarefa para o STF”25.
Em outras palavras, a chamada “tese dos cinco mais cinco” recém adotada pelo STJ, independentemente do início dos efeitos erga omnes da declaração de inconstitucionalidade ou mesmo da Resolução do Senado Federal, claramente restringe os efeitos ex tunc conferidos pelo STF, limitando-o aos dez anos anteriores à propositura da demanda, violando, pois, competência privativa do STF, notadamente quando essa Corte não tenha limitado, e nem poderia ser de outra forma, os efeitos retroativos de sua decisão.
De bom alvitre destacar, nessa direção, posição do próprio STF vedando estreitar eficácia jurídica de dispositivo legal vigente a situações subjetivas nele não previstas, evidenciando, por mais essa razão, a incompetência do STJ para (re) apreciar a matéria, pois, “O princípio da divisão funcional do poder impede que, estando em plena vigência o ato legislativo, venham os tribunais a aplicar-lhe o conteúdo normativo e a estender a sua eficácia a situações subjetivas nele não previstas, ainda que a pretexto de tornar efetiva a cláusula isonômica inscrita na constituição.” (in RMS 21.662-3-DF, Rel. Min. Celso de Mello, 1ª T, DJ 20/5/94).
Igualmente, não se encontra justificativa válida, carecendo de pertinência lógica, o critério adotado pelo STJ que somente beneficiaria o contribuinte inadimplente e cuja obrigação desapareceria por completo, com a pretendida restrição aos efeitos ex tunc e erga omnes da inconstitucionalidade, em detrimento daquele que acreditou na presunção de constitucionalidade dessa mesma norma e recolheu, pontualmente, valores indevidos e sob o rótulo de “tributo”.
Portanto, não poderá o Judiciário incentivar o legislador e o próprio Executivo, que pode até mesmo criar “tributos” por intermédio de medidas provisórias – sendo certo que não concordamos com essa posição e que a mesma fique bem registrada –, a instituir exações inconstitucionais na certeza de que hipotética decisão reconhecendo esse vício somente poderia produzir efeitos limitados no tempo. Amargo regresso...
Sendo assim, referida limitação do efeito ex tunc, convalidando, ipso facto, obrigações nulas de pleno direito no período anterior ao mencionado prazo decenal, é, pois, impraticável, notadamente porque o ato nulo “inibe – ante a sua inaptidão para produzir efeitos jurídicos válidos – a possibilidade de invocação de qualquer direito” (cf. ADIN 652-MA; Rel. Min. Celso de Mello; in RTJ 146/461).
IV – Da incorreção de se argüir insegurança jurídica para coonestar o afastamento da tese sustentada
Em rigor, não seria correto se argüir insegurança jurídica na espécie porque tal preceito só existe quando a cobrança do tributo é legítima e aliado a esse fato é de sabença trivial que não se pode invocar a própria torpeza como meio de defesa26.
Ademais, restaria imediatamente descaracterizada como argumento diante do reconhecimento judicial da inconstitucionalidade da lei e, pois, sua imprestabilidade, do que decorre que não se poderia invocar tal preceito para justificar e por termo ao pedido de restituição do indébito. Lembremo-nos que ninguém é obrigado a fazer algo senão em virtude de lei e, lei declarada inconstitucional não é lei, conforme alhures demonstrado (art. 5º, II e 150, I, da CF/88 c/c art. 97 do CTN).
Mas não é só. “A restrição dos efeitos somente pode ocorrer, em matéria tributária, se os prejuízos forem de tal ordem que possam levar a uma situação irreparável em relação ao patrimônio público. Neste caso, o Judiciário, por exemplo, deve levar em consideração que há múltiplas formas do poder público recuperar-se financeiramente da obrigação de restituir o que os contribuintes pagaram a mais” como, por exemplo, ampliando a possibilidade de compensação ou devolvendo em parcelas o valor indevidamente recolhido27.
Por outro lado, é defeso ao Fisco invocar o princípio da segurança jurídica advinda da prescrição para coonestar sua defesa, dado que somente poderia ser invocado referido título pelos contribuintes. Para tanto, “Lucia Figueiredo, em magistral trabalho, arrola todas as disposições constitucionais que implementam a segurança jurídica, para afirmar ser ela princípio nuclear e essencial à proteção do contribuinte, salientando, ainda, que, ‘não há, o princípio expresso no texto constitucional. Entretanto, irradia-se, como já afirmado, por todo sistema constitucional”28.
Finalizando, por ora, temos que o tema trazido volta-se então à mesma pergunta que já faziam os gregos na antiguidade: - Qual é a finalidade do direito? Nesse passo, é indispensável saber se o direito antes de ser um instrumento de garantia de poder do Estado, não será um mecanismo de realização de Justiça e de harmonização das relações sociais. Lembremo-nos, pois, da sempre atual lição de COUTURE29: - “Teu dever é lutar pelo direito; porém, quando encontrares o direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça”!
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1Discordam, dentre outros, da nossa posição: SANTI, Eurico Marcos Diniz de, e CONRADO, Paulo César, Controle direto de constitucionalidade e repetição do indébito tributário, Revista Dialética de Direito Tributário, n.º 86, p. 32.
2“Coisa Julgada Tributária”, in Coisa julgada tributária, Ives Gandra da Silva Martins et. al (coord.), São Paulo : APET – MP Editora, 2005, p. 189 e ss.
3Para AMARO, Luciano, in Direito tributário brasileiro, 12ª ed., Saraiva: 2006, p. 420, “O direito à restituição do indébito encontra fundamento no princípio que veda o locupletamento sem causa, à semelhança do que ocorre no direito privado”.
4AMARO, Luciano, op. cit., p. 144: “Confiscar é tomar para o Fisco, desapossar alguém de seus bens em proveito do Estado. A Constituição garante o direito de propriedade (art. 5º, XXII, e art. 170, II) e coíbe o confisco”. Destarte, quando inexiste obrigação tributária, inexistindo, pois, sujeito ativo e passivo, e tampouco “tributo” devido porque não autorizado pela Constituição, a transferência de riqueza do contribuinte para o Estado é ilegítima e, portanto, confiscatória.
5“A declaração de inconstitucionalidade da lei instituidora de um tributo altera a natureza jurídica dessa prestação pecuniária, que, retirada do âmbito tributário, passa a ser de indébito para com o Poder Público, e não de indébito tributário. Com efeito, a lei declarada inconstitucional desaparece do mundo jurídico, como se nunca tivesse existido” (EDcl no AgRg no Ag 404938, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, 14.10.2003 (acórdão transitado em julgado). Portanto, não poderemos utilizar a nomenclatura “tributo” na espécie porque essa natureza não lhe poderá ser atribuída passando a ser meramente uma “prestação indevida” (cf. TORRES, Ricardo Lobo, Restituição dos tributos, Forense: 1983, p. 31-32; BECKER, Alfredo Augusto, Teoria geral do direito tributário, 2ª ed., Saraiva : 1972, p. 526, dentre outros).
6Concordam, dentre outros, com nossa posição: GRECO, Marco Aurélio e PONTES, Helenilson Cunha.
7FERRARI, Regina Maria Macedo Nery, Efeitos da declaração de inconstitucionalidade, 4ª ed., RT : 1999, p.211.
8CLÈVE, Clèmerson Merlin, A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro, RT: 1995, p. 164.
9MENDES, Gilmar Ferreira, Jurisdição constitucional, 2ª ed., Saraiva : 1998, p. 253, ocasião em que é feita referência a diversos acórdãos nesse sentido: “Rp. 971, Relator: Ministro Djaci Falcão, RTJ n. 87, p. 758; RE 93.356, Relator: Leitão de Abreu, RTJ n. 97, p. 1369; Rp. 1016, Relator: Ministro Moreira Alves, RTJ 95, p. 993; Rp. 1.077, Relator: Ministro Moreira Alves, RTJ n. 101, p. <_st13a_metricconverter w:st="on" productid="503”">503”.
10SANTI, Eurico Marcos de, Decadência e prescrição no direito tributário, Max Limonad, apud DALLAZEM, Dalton Luiz, O Código Civil de 2002 e o prazo para pleitear a Repetição do Indébito Tributário, in Direito tributário e o novo código civil, GRUPENMACHER, Betina Treiger (coord.), Ed. Quartier Latin do Brasil : 2004, p. 341/362.
11“Direito não prescreve, nem mesmo nos sistemas jurídicos positivos em que se tenha afirmado isso, (...)”, in Da prescrição e da decadência no novo código civil, ALVES, Vilson Rodrigues, Servanda : 2006, p. 95.
12SILVA, De Plácido e, Vocabulário jurídico, Forense : vol. II, verbete “direito subjetivo”, p. 544.
13SFORZA, V. Cezarino, Diritto soggettivo in Enciclopédia del diritto, vol. XII, Milano : 1964, p. 665.
14ALVES, Vilson Rodrigues, Da prescrição e da decadência no novo código civil, Servanda Editora : 2006, p. 39.
15Obrigação tributária, RT : 1977, p. 92.
16‘Ludwig Enneccerus, Theodor Kipp e Martin Wolff, Tratado de derecho civil, I, v. II, 2ª parte, p. 1.017.
17Bem o disse René Foiggnet (...), Manuel Élementaire de Droit Civil I, p. 625.
18Pontes de Miranda, atualizado por Vilson Rodrigues Alves, Tratado de direito privado, VI, § 662, 2, pp. 135-<_st13a_metricconverter w:st="on" productid="136.’">136.’.
19ALVES, Vilson Rodrigues, op. cit., p. 94.
20Tratado de direito privado, XLI, § 4.514, 1, p. 133.
21Efeitos da Coisa Julgada e os Princípios Constitucionais, in Coisa julgada inconstitucional, NASCIMENTO, Carlos Valder do, América Jurídica : 2002, p.76 e passim.
22“É indiferente, também, que o precedente tenha sido tomado em controle concentrado ou difuso, ou que, nesse último caso, haja resolução do Senado suspendendo a execução da norma. Também essa distinção não está contemplada no texto normativo, sendo de anotar que, de qualquer sorte, não seria cabível resolução do Senado na declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto e na que decorre da interpretação conforme a Constituição. Além de não prevista na lei, a distinção restritiva não é compatível com a evidente intenção do legislador, já referida, de valorizar a autoridade dos precedentes emanados do órgão judiciário guardião da Constituição, que não pode ser hierarquizada em função do procedimento em que se manifesta. Sob esse enfoque, há idêntica força de autoridade nas decisões do STF em ação direta quanto nas proferidas em via recursal, estas também com natural vocação expansiva, conforme tivemos oportunidade de mostrar em sede doutrinária. A recomendação da doutrina clássica - de que a eficácia erga omnes das decisões que reconhecem a inconstitucionalidade, ainda que incidentalmente, deveria ser considerado ‘efeito natural da sentença’, está ganhando campo no plano legislativo e jurisprudencial. É assim na ação rescisória em matéria constitucional, conforme já se referiu, onde os precedentes do STF atuam com idêntica força, pouco importando a natureza do processo do qual emanam. É assim também para os fins do art. 481, parágrafo único do CPC, que submete os demais Tribunais à eficácia vinculante das decisões do STF em controle de constitucionalidade, indiferentemente de terem sido tomadas em controle concentrado ou difuso. Deve-se aplaudir essa aproximação, cada vez mais evidente, do sistema de controle difuso de constitucionalidade ao do concentrado, que se generaliza também em outros países e que, entre nós, está conduzindo, no plano do direito infraconstitucional, ao reconhecimento da idêntica força de autoridade às decisões do STF, em qualquer das circunstâncias processuais em que são proferidas. Não é por outra razão, aliás, que vozes importantes se levantam para sustentar o simples efeito de publicidade às resoluções do Senado previstas no art. 52, X, da Constituição. É o que defende, em doutrina, o Ministro Gilmar Ferreira Mendes, para quem ‘não parece haver dúvida de que todas as construções que se vêm fazendo em torno do efeito transcendente das decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Congresso Nacional, com o apoio, em muitos casos, da jurisprudência da Corte, estão a indicar a necessidade de revisão da orientação dominante antes do advento da Constituição de <_st13a_metricconverter w:st="on" productid="1988’">1988’.” (ZAVASCKI, Teori Albino, Embargos à execução com eficácia rescisória: sentido e alcance do art. 741, parágrafo único do cpc, in Revista de Processo, São Paulo, nº 125, p. 79-91, jul. 2005). (destaquei)
23STF – Pleno, Reclamação 556-TO, Relator Ministro Maurício Corrêa, DJ de 3.10.97, p. 49.230.
24PINHO, Judicael Sudário de, Temas de direito constitucional e o STF, Atlas : 2005, p.123.
25TROIANELLI, Gabriel Lacerda e CALDAS, Leila Areno, “Declaração de Inconstitucionalidade e Prazo para Repetição do Indébito: a Atual Posição do STJ”, in Repetição do indébito tributário, CEZAROTI, Guilherme (Coord.), p. 153 e ss.
26Para PONTES, Helenilson Cunha, “Coisa Julgada Tributária”, in Coisa julgada tributária, Ives Gandra da Silva Martins et. al (coord.), São Paulo : APET – MP Editora, 2005, p. 194: “...a segurança jurídica consubstancia esteio de natureza axiológica e normativa em que se apóia o Estado Democrático de Direito. Tal princípio nas relações jurídicas de Direito Público, como a tributária, representa exigência de respeito à boa-fé e confiança manifestada por contribuintes no cumprimento de normas impostas pelo Estado”.
27FISCHER, Octavio Campos, Os efeitos da declaração de inconstitucionalidade no direito tributário brasileiro, Renovar: 2004, p. 260.
28LACOMBE, Américo, Princípios constitucionais tributários, Malheiros : 1996, p. 77; citando em nota de rodapé “Princípios de proteção ao contribuinte; princípio de segurança jurídica, RDTributário 47/46”.
29Os mandamentos do advogado, “4º - LUTA”, Sergio Antonio Fabris Editor: 1999, p. 38.
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*Advogado do escritório Cabral Advogados Associados
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