No último dia 26 de março, o Banco Central do Brasil (“Banco Central”) publicou as Circulares nº 3.885, 3.886 e 3.887, introduzindo diversas mudanças relevantes ao funcionamento dos arranjos de pagamento, as quais serão objeto de uma série de artigos que publicaremos ao longo desta semana. Neste primeiro artigo, abordaremos as principais questões atinentes aos subcredenciadores.
Contexto Geral
Nos últimos anos, ganhou destaque uma nova figura atuante nos arranjos de pagamento, o chamado subcredenciador1 . Trata-se de uma empresa que possui contrato com um ou mais credenciadores, nos termos do qual oferece serviços de pagamento, permitindo ampliar a rede de estabelecimentos comerciais conectados aos arranjos de pagamento. Nota-se que o subcredenciador também se dedica a habilitar estabelecimentos fornecedores de bens e/ou prestadores de serviços para aceitarem instrumentos de pagamento (tradicionalmente cartões de crédito e débito), com o intermédio de um credenciador.
Os subcredenciadores têm origem no mercado de vendas on-line. Tal figura surgiu, em um primeiro momento, em virtude da baixa confiança nas plataformas de vendas à distância por meio da internet. Em um segundo momento, tais agentes passaram a experimentar um grande crescimento ao oferecerem aos pequenos empreendedores soluções para aceitação de instrumentos de pagamento com exigências menores do que as aplicadas pelos credenciadores tradicionais, além de expertise em certos nichos não explorados pelas credenciadoras e outras facilidades.
Desde novembro de 2013, quando o Banco Central emitiu o primeiro conjunto de regras que regulou a indústria de meios de pagamento, o tema do subcredenciador tem sido intensamente debatido entre os participantes do mercado e o Banco Central.
Esse debate se intensificou a partir de maio de 2017, quando o Banco Central – mesmo sem definir por meio de norma cogente o que é subcredenciador ou regular diretamente essa figura – tornou público seu entendimento2 de que seriam considerados subcredenciadores as entidades que habilitavam estabelecimentos comerciais para aceitarem um instrumento de pagamento, participando do processo de liquidação financeira como credor de um credenciador e devedor de tais estabelecimentos comerciais (ou seja, um “elo” a mais na cadeia, entre credenciador e estabelecimento comercial).
À época, o Banco Central ainda orientou o mercado no sentido de que todos os subcredenciadores pelos quais transitasse fluxo financeiro proveniente das transações de pagamentos originadas nos estabelecimentos comerciais por eles habilitados deveriam3: (i) firmar contrato de participação com o instituidor do arranjo de pagamento no qual prestavam serviços de pagamento ora descritos; e (ii) aderir ao sistema de liquidação e compensação centralizada e em grade única eventualmente imposto aos arranjos de pagamento de que participam4.
Não obstante essas diretrizes terem sido posteriormente publicadas no site do próprio Banco Central, a ausência de uma regulamentação expressa não só suscitou muitas dúvidas em diversos participantes da indústria de meios de pagamento acerca do correto enquadramento dos vários modelos de negócios na modalidade de subcredenciamento, como preocupou sobretudo as entidades de menor porte que atuam nesse segmento, as quais se viram obrigadas a se adequar às regras dos arranjos de pagamento, inclusive no que se refere à participação na liquidação centralizada em grade única (cuja data limite foi prorrogada para 28 de setembro de 2018).
A Disciplina do Subcredenciador Estabelecida pela Circular 3.886/18
Visando reduzir incertezas, facilitar a identificação dos subcredenciadores e evitar a oneração dos novos entrantes, a Circular 3.886/18 não só definiu expressamente a figura do subcredenciador e a forma como devem interagir com os instituidores de arranjos de pagamento, como também estabeleceu critérios objetivos para exigir a participação dos subcredenciadores na liquidação centralizada em grade única.
Definição e Participação nos Arranjos de Pagamento
De acordo com a nova regra, o subcredenciador é o participante do arranjo de pagamento que habilita usuário final recebedor para a aceitação de instrumento de pagamento emitido por instituição de pagamento ou por instituição financeira participante de um mesmo arranjo de pagamento, mas que não participa do processo de liquidação das transações de pagamento como credor perante o emissor.
Essa definição fixou o entendimento de que os subcredenciadores são participantes de fato e de direito dos arranjos de pagamento em que atuam e, portanto, os instituidores de arranjo devem prever no regulamento dos arranjos os critérios e condições para participação desses subcredenciadores, devendo ainda celebrar contrato de participação com cada subcredenciador.
Os subcredenciadores, por sua vez, ao firmarem contrato com os instituidores, passam a se vincular ao arranjo como participantes, obrigando-se a observar todos os direitos e deveres atinentes a sua atividade, conforme previstos no regulamento do arranjo e no contrato de participação (inclusive aquelas que tratam de políticas de know your customer (KYC), prevenção à lavagem de dinheiro, controles internos, dentre outras).
Critérios para Participação na Liquidação Centralizada
Outra alteração importante trazida pela Circular 3.886/18 foram os esclarecimentos sobre a participação do subcredenciador na liquidação centralizada. Além de determinar em que etapas do fluxo financeiro essa participação é obrigatória, a nova norma também incluiu um critério de volume de transações para determinar a partir de qual volumetria a liquidação das obrigações de pagamento do subcredenciador na grade centralizada se torna mandatória.
De acordo com a nova norma, todos os subcredenciadores, independente do volume que transacionam, estão obrigados a se habilitar para participar da liquidação centralizada para atuar como recebedores dos fluxos referentes às transações nos arranjos de pagamento sujeitos à liquidação centralizada. Já para atuar como pagadores aos usuários finais recebedores dos fluxos, a Circular 3.886/18 permite que subcredenciadores cujo volume de transação acumulado nos últimos 12 meses seja inferior a R$500 milhões de reais5 optem por não liquidar suas obrigações de pagamento na CIP.
Equivale a dizer que a etapa de recebimento de recursos provenientes da liquidação deve ser obrigatoriamente realizada na grade centralizada, qualquer que seja o volume de transações do subcredenciador. Já para a etapa de pagamento aos usuários recebedores finais, sua participação é facultativa até que seu volume de transações/ano atinja R$ 500 milhões.
Nesse contexto, a nova norma esclarece, ainda, que a participação dos subcredenciadores no sistema de liquidação centralizada instituído pelo arranjo (e.g., CIP) – seja no papel de recebedores dos fluxos referentes às transações de pagamento, seja no papel de pagadores aos usuários finais – dar-se-á por meio de instituição liquidante devidamente habilitada para atuar em tal sistema de liquidação centralizada, a ser contratada pelos subcredenciadores.
A Circular 3.886/18 também estabelece que os instituidores de arranjos de pagamento devem prever em seus respectivos regulamentos que os subcredenciadores, ao superarem a volumetria prevista no parágrafo anterior, deverão: (i) informar o instituidor sobre tal superação; e (ii) tomar as providências necessárias para aderir à compensação e à liquidação centralizada do respectivo arranjo no prazo de até 180 dias corridos, contados a partir do 1º dia útil do mês seguinte ao da superação do limite.
Segundo o Banco Central, a dispensa conferida aos subcredenciadores cujo volume de transação acumulado nos últimos 12 (doze) meses seja inferior a R$500 milhões de reais se justifica pelo baixo risco potencial imposto por tais subcredenciadores ao SPB e ao normal funcionamento do varejo. Além disso, o critério de volumetria alivia o custo de desenvolvimentos para os subcredenciadores se ligarem à CIP, permitindo que os players de menor porte tenham condições de manter suas atividades em curso.
O Edital de Consulta Pública 62/2018 – Conversão de Subcredenciador em Credenciador
Por fim, como parte do pacote divulgado em 26 de março, o Banco Central decidiu submeter à consulta pública proposta dispondo sobre a obrigatoriedade de conversão dos subcredenciadores em credenciadores nos casos em que o valor de suas transações na soma dos arranjos em que participem, acumulado nos últimos 12 meses, seja superior a R$500 milhões.
No novo arcabouço estabelecido pela Circular 3.886/18, os subcredenciadores continuam a sujeitar-se tão somente às regras, procedimentos e requisitos operacionais mínimos estabelecidos nos regulamentos dos arranjos de pagamento em que atuam. Diferentemente de outros participantes – tal como emissores e credenciadores – os subcredenciadores, atualmente, não estão sujeitos ao processo de autorização e supervisão do Banco Central.
O Banco Central, porém, indica que existem subcredenciadores que operam volumes significativos, com impacto relevante no grau de competição do mercado e que agregam mais risco ao Sistema de Pagamentos Brasileiro. Na proposta do edital, tais agentes passariam a ser objeto de um acompanhamento mais próximo do Banco Central, pois teriam que se converter obrigatoriamente em credenciadores ao atingirem o critério de volumetria proposto.
Tendo em vista os potenciais efeitos decorrentes dessa medida sobre a atual estrutura do mercado, o Banco Central colocou o tema em consulta pública, sendo que os interessados poderão encaminhar sugestões e comentários até 21 de maio de 2018.
Considerações Finais
Os subcredenciadores possuem papel relevante para o crescimento e consolidação da indústria de serviços de pagamentos. Eles possibilitam o aumento no número de transações realizadas, prospectando e afiliando estabelecimentos comerciais em novos segmentos, atuando em nichos e ofertando soluções complementares àquelas disponibilizadas pelos credenciadores. Para os portadores do cartão, os subcredenciadores são importantes porque permitem que eles tenham mais opções de escolha do meio de pagamento que querem utilizar.
Espera-se que as alterações trazidas pela Circular 3.886/18 possam atender à finalidade de conferir maior proporcionalidade nos custos regulatórios dos subcredenciadores vis-à-vis o risco imposto por tais participantes aos demais integrantes do Sistema de Pagamentos Brasileiro, e com isso estimular ainda mais a concorrência no setor de meios de pagamento. É certo, porém, que ainda há importantes questões a serem esclarecidas e superadas, principalmente aquelas relacionadas à análise (caso a caso) que deve ser feita sobre o enquadramento dos diversos modelos de negócio à hipótese prevista na nova norma.
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1 Também conhecido como subadquirente ou facilitador de pagamentos.
2 Tal manifestação ocorreu no Fórum Sistema de Pagamentos Brasileiro, realizado em 19 de maio de 2017 para participantes da indústria de serviços de pagamentos.
3 Incluindo os marketplaces que em seus modelos de negócios, além de aproximarem compradores e vendedores por meio de plataforma eletrônica, também realizassem a aceitação de instrumentos de pagamento, bem como a recepção e repasse aos estabelecimentos comerciais dos recursos oriundos dessa venda.
4 Na prática, essa regra impôs a essas instituições a obrigação de aderirem ao Sistema de Liquidação Diferida das Transferências Interbancárias de Ordens de Crédito (SILOC) da Câmara Interbancária de Pagamentos (CIP), que foi o agente “neutro” escolhido pela maioria dos instituidores de arranjos de pagamento abertos para prestar os serviços de compensação e liquidação centralizada das transações de pagamento.
5 Cálculo do volume deve ter por base o somatório dos valores correspondentes às transações de pagamento acumuladas nos últimos doze meses, levando em conta, também, todos os arranjos de pagamento sujeitos à liquidação centralizada dos quais participam, conforme esclarecimento da Carta Circular do Banco Central n. 3.872, de 28 de março de 2018.
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*Bruno Balduccini é sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados.
*Fernando Mirandez Del Nero Gomes é sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados.
*Marília de Cara é associada ao escritório Pinheiro Neto Advogados.
*Raphael Palmieri Salomão é associado ao escritório Pinheiro Neto Advogados.
*Marcelo Junqueira de Mello é associado ao escritório Pinheiro Neto Advogados.
*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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